Um idiota para cada mil pobres almas
Uma hora ou outra, as vidas das pessoas se cruzam. E as bocas se abrem. Leia em três minicontos de Nelson Albuquerque Jr.
- Data: 31/01/2020 10:01
- Alterado: 31/01/2020 10:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
Crédito:
A LIGAÇÃO
Tudo o que eu queria na vida era uma ligação dela. Tinha sido uma noite incrível e eu tinha muito a dizer. De repente o telefone toca. O visor exibe o nome dela. Como eu tanto esperava. Atendi. Era ela:
– Me desculpe, foi um engano.
ABRE-TE, BOCA
Com minha boca vetada, engulo sonhos, evito futuros. Carrego no peito caixas e gavetas cheias de felicidade postergada. (Um dia usarei isso tudo). Vou arrastando comigo um peso: um tesouro, se revelado; um entulho, se recolhido. Abre-te, boca. Solta tua língua. Liberta teu verbo empoeirado e doce, teus dentes que arranham. E sonham.
UM IDIOTA PARA CADA MIL POBRES ALMAS
Grande cidade com ares de metrópole. Fumaça encobre almas pequenas na cidade grande. Ao mesmo tempo rica e pobre. Carros velozes e brilhantes, prédios imponentes, muito metal e fibra ótica, vida pulsante que corre oscilante em barbante nanotecnológico. O imenso teatro por dentro de fio invisível. Ondas que atravessam matéria. Curte, comenta, compartilha. Gente à mercê do touch/play/enter/start. O amor em pause.
E você perambulando pelas ruas. Quer saber o que falam de você?
Lá vai aquele vagabundo. Lá vai aquele cara que parou no tempo, dinossauro. Lá vai aquele idiota de olho nas nuvens. Aquele imbecil. Lá vai aquele sonhador, coitado! Olha o trouxa. É um merda. Lá vai aquele bicho esquisito. Vegetal ambulante. Inútil.
São coisas assim que dizem. É o máximo que a miséria lexical de mentes atrofiadas permite produzir. Lá vai você; e a cidade, redessocializada, fica.