Sr. Abacate e o seu inevitável destino
A história de alguém que não sabia lidar com um peso em sua vida, ou melhor, na barriga. Conto de Nelson Albuquerque Jr.
- Data: 10/01/2020 12:01
- Alterado: 10/01/2020 12:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
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O destino brinca com a gente. Veja o caso do Sr. Abacate, que facilmente se abate por ter nascido com caroço na barriga. De pequeno, achava que era lombriga, mas o troço endureceu, endureceu e virou um fardo na pança.
Pra piorar, sofre de inveja do primo, Sr. Abacaxi, que em vez de caroço na barriga nasceu foi com o rei. E veio até com coroa. Cara, não sei, mas o destino é realmente generoso com uns e, com os outros, cruel. Por exemplo, tem árvores que vivem cem anos e outras que logo viram papel. E, muitas vezes, as duas sinas estão lado a lado. Elas podem ser vizinhas.
Aliás, foi uma vizinha que ajudou o Sr. Abacate. Sim, foi Dona Manga. Toda cheirosa e vistosa. Até de gostosa a chamavam por aí. Um dia disse a ele: “Também tenho na barriga um caroço. E dele me orgulho, viu, moço? Pois é daqui que sigo na vida em frente. É desta semente a minha redenção”.
Sr. Abacate achou bonito, mas mais triste ficou. Pois o seu caroço era só peso, não tinha a boniteza daquela história. Dona Manga esbravejou: “Feche essa boca verde! O que tem no seu bucho é também semente! E vê se não me desmente!”
Pensou e concordou: “Pode ser mesmo”. Cheio de esperança, pisou num novo mundo. Dali em diante, ele tinha um destino: Encaminhar a vida para os futuros caroçudos. Que nascessem barrigudos, cabeçudos, bolachudos… não importava. Afinal, sua missão era fazer um abacatal.
Chegou o dia. O fio da faca lhe abriu a pele. A colher lhe arrancou a carne. Verde e macia. Que foi bem amassada e misturada com limão. Ouviu-se um suspiro: “Que delícia!”. Enquanto isso, bem ali do lado, o caroço aguardava seu destino, bem redondo, bem bonito.
E o bendito caroço foi pro lixo. Ali, naquela refeição, ele não servia. Aliás, não serviria mais pra nada. Foi ensacado e descartado. Então era isso? Que destino! Que piada! Brincadeira de mau gosto! Não seria uma redenção? A semente pra proliferação? Lixo não! Lixo não!
A porta bateu num estrondo. E se ouviu a corrida de uma criança elétrica, aos berros, botando a euforia pra fora: “Mããããe! Tem caroço de abacate? A gente vai plantar na escola!”