Protestos na França marcam acordo UE-Mercosul, mas impacto será limitado
Especialistas apontam que salvaguardas e cotas mitigam efeitos das importações de carne bovina sul-americana; setor agrícola europeu projeta crescimento
- Data: 17/12/2024 13:12
- Alterado: 17/12/2024 13:12
- Autor: Redação
- Fonte: DW
Crédito:Governo Federal
Nos últimos dias, agricultores franceses voltaram a se manifestar nas ruas do país, desencadeando protestos significativos logo após a formalização do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Tratores bloquearam vias próximas ao túnel que conecta a França à Inglaterra, refletindo a insatisfação dos trabalhadores rurais em relação ao tratado que envolve Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
A ministra do Comércio da França, Sophie Primas, enfatizou que o pacto com o Mercosul “apenas compromete a Comissão Europeia, não os Estados-membros”, indicando uma clara oposição à ratificação do acordo, que levou duas décadas e meia para ser negociado.
A principal preocupação dos agricultores reside na possibilidade de um aumento nas importações de carne bovina sul-americana, além de aves e açúcar. Entretanto, especialistas no setor avaliam que as margens dessas importações são relativamente pequenas e não representam um risco significativo para o agronegócio europeu.
Os produtos agrícolas da União Europeia também terão a oportunidade de acessar os mercados do Mercosul, levando os especialistas a acreditarem que os benefícios gerais do acordo superam os ajustes necessários no mercado interno. Além disso, salvaguardas já foram implementadas pela UE para mitigar o impacto inicial das novas regras comerciais.
Importações controladas e salvaguardas protegem mercado europeu
De acordo com o novo acordo, a União Europeia poderá importar até 99 mil toneladas de carne bovina com tarifas reduzidas a 7,5%. Este volume representa apenas 1,6% da produção total de carne nos países europeus e é menos da metade das atuais importações do Mercosul, que somam 196 mil toneladas.
Regras semelhantes se aplicam às importações de aves e açúcar, cujos tetos representam 1,4% e 1,2%, respectivamente, da produção europeia. Para o arroz, esse percentual é ainda menor. Bruno Capuzzi, economista brasileiro e pesquisador do Instituto Universitário Europeu, estima que o possível aumento nas importações de carne bovina sul-americana seja equivalente a apenas um hambúrguer e meio por consumidor na União Europeia.
Além disso, muitos especialistas afirmam que as 99 mil toneladas não necessariamente resultarão em uma demanda adicional do mercado europeu, pois substituirão uma parte das importações já existentes do Mercosul. Atualmente, os exportadores de carne bovina da região pagam em média 40% em tarifas para acessar o mercado europeu.
Christopher Hegadorn, professor adjunto de política alimentar global na Sciences Po em Paris, explicou que “a expectativa é que a nova cota não aumente as importações totais”, mas sim substitua algumas das importações já existentes.
Um relatório da Comissão Europeia publicado em fevereiro reconheceu que o acordo pode levar a um incremento nas importações de produtos agropecuários. No entanto, especialistas afirmaram que diversas salvaguardas foram implementadas para minimizar os efeitos adversos e facilitar os ajustes setoriais.
Primeiramente, as 99 mil toneladas de carne bovina não estarão isentas de impostos totais e serão distribuídas entre os quatro países do Mercosul, garantindo uma participação proporcionalmente pequena no mercado europeu. Em segundo lugar, rigorosos padrões sanitários foram estabelecidos para proteger os produtores europeus contra uma possível sobrecarga no mercado. Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, reiterou que “os padrões de saúde e alimentação na UE permanecem inalterados” após a assinatura do acordo.
A qualidade da carne brasileira gerou polêmica quando Alexandre Bompard, CEO global do Carrefour, vetou a compra desse produto. Capuzzi destacou que apenas 20% dos frigoríficos brasileiros têm autorização para exportar para a UE devido à necessidade de certificação individual.
A Comissão também buscou alinhar o acordo às novas leis ambientais da UE que entrarão em vigor em 2026 e incluiu um período de transição de cinco anos para permitir que os produtores europeus se adaptem à concorrência sul-americana.
Por fim, mais de 350 produtos com “indicação geográfica” foram protegidos sob o novo tratado. Isso garante que produtos como presuntos, queijos e vinhos produzidos em regiões europeias sejam respeitados e não imitados nas nações do Mercosul.
Acordo pode gerar crescimento econômico até 2032
Um estudo recente da UE avaliou o impacto de dez acordos de livre comércio negociados pelo bloco — incluindo o tratado com o Mercosul — e concluiu que o setor agroalimentar europeu verá benefícios significativos. Caso esses acordos sejam ratificados, as exportações agropecuárias da UE podem crescer entre 3,1 bilhões (R$ 19,7 bilhões) e 4,4 bilhões (R$ 27,9 bilhões) até 2032.
O relatório também indicou um aumento nas exportações de carne bovina europeia com uma diferença líquida projetada (exportação menos importação) de 350 mil toneladas. Apesar das vulnerabilidades existentes no setor agrícola europeu, Capuzzi afirmou que “a União Europeia continuará sendo o maior exportador mundial de produtos agrícolas mesmo após a ratificação deste acordo comercial”.
A Comissão Europeia sustenta que o fortalecimento das relações comerciais internacionais é crucial para consolidar sua posição como líder global na exportação agroalimentar. Com a possibilidade do retorno de Donald Trump à presidência dos EUA e suas ameaças de sobretaxar produtos europeus, analistas ressaltam que acordos multilaterais são essenciais para expandir a base consumidora da UE. O impacto sobre carnes bovinas e aves será marginal e poderá ser compensado pelo suporte estatal disponível.
Hegadorn conclui: “O acordo geral entre a UE e o Mercosul abrange muito mais do que apenas carne bovina ou agricultura; ele se estende por todos os setores industriais e serviços — abrangendo desde carnes até medicamentos”. O otimismo acerca dos impactos econômicos esperados é compartilhado entre aqueles que analisam a situação globalmente.