Professores relatam agressão de alunos ao impedir uso de celular em sala de aula
Para psiquiatra, comportamentos agressivos indicam vício, e docentes precisam do suporte da escola ou da rede para solucionar conflitos
- Data: 02/10/2024 10:10
- Alterado: 02/10/2024 10:10
- Autor: Redação
- Fonte: Isabela Palhares/Folhapress
Crédito:Rovena Rosa/Agência Brasil
Durante uma aula de português para o 1º ano do ensino médio, a professora notou que um dos alunos estava mexendo no celular. Ela pediu que ele guardasse o aparelho, mas não foi atendida. Na terceira vez que foi ignorada, disse para o estudante sair da sala.
Exaltado, o jovem de 15 anos se levantou, começou a xingar a professora e a ameaçou, dizendo que iria “acabar com ela”. Antes de deixar a sala, ainda bateu o celular com força no braço da docente.
Em vez de ir para a coordenação ou a direção, o estudante pulou muro da escola e voltou minutos depois acompanhado do irmão mais velho, que aos gritos ameaçava a professora por ter tentado coibir o uso do celular.
O caso aconteceu em junho em um colégio estadual de Paranavaí, no interior do Paraná. Mas situações parecidas de professores sendo desrespeitados, ameaçados e até agredidos por pedir que os alunos não mexam nos celulares durante as aulas têm sido registradas em outras escolas públicas e particulares do país.
Os educadores relatam que os embates relacionados ao uso de celular sempre ocorreram, mas avaliam que os alunos estão mais resistentes e têm tido reações mais agressivas quando precisam deixar o aparelho de lado.
Para o psiquiatra Rodrigo Bressan, a percepção dos professores é um forte indicativo de que o uso se tornou vicioso para o estudante.
“Quando o indivíduo tem uma relação de dependência com algo, seja cigarro, álcool ou celular, ele fica irritado e agressivo ao ser confrontado ou solicitado a interromper o uso. É uma relação que é perigosa e danosa tanto para o aluno como para o professor”, diz Bressan, que é também neurocientista e presidente do Instituto Ame sua Mente.
Por envolver essa relação de dependência, Bressan defende que a decisão de proibir o uso de celular não pode recair sobre o professor, mas deve ser uma política da escola ou das redes de ensino.
“O professor não pode entrar nessa briga sozinho. A maioria das escolas têm regras que proíbem o uso do celular durante a aula, mas elas não têm sido suficientes. É preciso uma postura mais assertiva, o professor não pode ser o único responsável por controlar esse uso.”
O especialista defende a medida estudada pelo governo Lula (PT) de banir o uso de celulares pelos estudantes em todo o ambiente escolar. Para ele, a proibição pode trazer benefícios para o desempenho, mas sobretudo para a saúde mental dos alunos e professores.
O caso em Paranavaí, por exemplo, trouxe consequências graves para os envolvidos. No dia do episódio, a polícia foi acionada pela direção da escola e todos foram levados para a delegacia.
A professora fez exame de corpo delito. O adolescente foi autuado pelos atos infracionais de agressão e ameaça. No início de setembro, um juiz da Vara da Infância e da Juventude determinou que ele cumpra sentença de prestação de serviços à comunidade por três meses.
O professor não pode entrar nessa briga sozinho. É preciso uma postura mais assertiva [das escolas], o professor não pode ser o único responsável por controlar esse uso
psiquiatra, neurocientista e presidente do instituto Ame sua Mente
Já a professora, que por medo não quis ter seu nome identificado, pediu para ser afastada da escola. Ela contou que teve crises de ansiedade e insônia, além de receio de voltar a dar aula para o menino.
O Paraná é um dos estados brasileiros que possuem regra que limita o uso de celular apenas para atividades pedagógicas. Os professores, no entanto, afirmam que a restrição é quase impossível de ser cumprida, já que é difícil fiscalizar o que os estudantes.
Foi durante uma atividade online com a turma de 8º ano que uma professora de matemática foi agredida por uma aluna de 13 anos.
A docente havia pedido que alunos fizessem exercícios em uma plataforma, que foi adquirida pela direção da escola particular de Limeira, no interior de São Paulo. Ela, no entanto, percebeu que a menina havia aproveitado o aparelho para fotografar um colega com deficiência e enviar a imagem um grupo.
Ao ver a aluna rindo com outras colegas, a professora pediu que ela mostrasse o que estava fazendo com o celular. Ela se negou a mostrar e continuou a tirar fotos.
A professora então falou para a aluna se retirar da sala e ir até a coordenação. A menina se levantou, mas no caminho começou a xingar a professora e a empurrou contra a lousa.
Para a professora, controlar o que os alunos fazem com o celular em mãos é praticamente impossível. Por isso, ela diz ser contra atividades que envolvam o aparelho dentro da sala de aula. Com mais de 20 anos de docência, ela afirma os alunos aprendem mais com a interação presencial do que com a tecnologia.
Em nota, a Secretaria de Educação do Paraná disse que não cogita mudar a regra para o uso de celular nas escolas. Segundo a pasta, não há punição para o aluno que descumprir a regra e a orientação é para que os professores conversem com o estudante ou os pais se for necessário.
Sobre o caso de agressão, a pasta da gestão Ratinho Junior (PSD) disse que a professora “perdeu a calma”.
Os confrontos envolvendo celulares em sala de aula levaram o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), a apresentar na última semana um projeto de lei que proíbe completamente o uso dos aparelhos.
No último dia 18 de setembro, um professor de uma escola estadual foi agredido pelo tio de um aluno depois de retirar o celular da mão do menino.
O docente tirou o aparelho ao perceber que estava sendo filmado. No fim do dia, o familiar foi até a escola para tirar satisfação com o professor e o agrediu na cabeça com uma garrafa térmica. Um boletim de ocorrência foi registrado.
“Várias pesquisas já mostraram que os celulares prejudicam a concentração dos alunos e, consequentemente, as condições de trabalho dos professores. Não dá pra continuar permitindo algo tão nocivo dentro das salas de aula”, diz Bressan.