Pra que a pressa, gente?
Crônica escrita antes da pandemia fala de como a vida estava acelerada. O mundo pediu uma pausa? Texto de Nelson Albuquerque Jr.
- Data: 14/05/2020 15:05
- Alterado: 14/05/2020 15:05
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
Crédito:
A vida acelerou e pronto. Isso ninguém mais discute, só se aceita. Temos tantos canais de comunicação à nossa disposição, acompanhamos tantas notícias e atendemos a tantos chamados a toda hora que, quando nos damos conta, o dia já foi. Foi a semana, o ano, a vida…
Espera! Calma! Também não é assim. Às vezes a gente corre à toa.
Foi meu caso um dia desses. Passeando com o cachorro e atrasado para um compromisso, eu andava rápido sem curtir o momento. Pisava o cimento quebrado das calçadas, com a cabeça onde eu nem gostaria realmente de estar. De vez em quando, sentia a necessidade de dar um puxãozinho na coleira, porque o totó não tinha direito a ficar cheirando tudo. Não precisava da ajuda dele pra me atrasar ainda mais.
O arrependimento só veio na hora em que senti a coleira mais pesada. Olhei para trás e estava lá o bicho com o pescoço esticado, o traseiro arriado e as perninhas dando pequenos pulos, tentando me acompanhar e deixando um rastro cocô pelo caminho. Uma obediência resiliente pra cagar andando. Me senti meio carrasco.
Vira e mexe nós paramos para pensar se vale a pena essa pressa toda. Outro dia eu não conseguia cruzar uma rua porque vinha uma enxurrada de carros. Mas o filho de uma linda, no veículo de trás, ficou me buzinando loucamente. Queria que eu me arrebentasse no cruzamento? Só porque ele tinha pressa? Acho que sim.
Lembro de uma amiga contando que estava dezesseis minutos atrasada para uma reunião no trabalho. Caiu no desespero e saiu desembestada. Queimou o beiço no café, prendeu o dedo na porta e riscou o carro saindo da garagem. Chegou na empresa e a reunião tinha sido cancelada. Foi avisada, mas não olhou a mensagem. Estava ocupada demais com seu atraso. Pelo menos sobrou mais tempo para cuidar do dedo roxo e da boca queimada. O carro ficou pra outro dia.
Temos a impressão de estarmos sempre atrasados, mas não estamos. Parece que o mundo vai acabar, mas não vai. A verdade é que tudo se ajeita. Se fazemos o certo, sempre dá certo. Eu, particularmente, estou cada vez mais como o meu cachorro, cagando e andando pra isso tudo.