Pelas Barbas do Profeta reflete a Ética Cidadã
Momentos conturbados ... a diferença entre o falar e o calar ... a crença, a moral e os costumes... a mudança que a gente quer fora, começa dentro. Para refletir. Imperdível!
- Data: 29/11/2016 19:11
- Alterado: 29/11/2016 19:11
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Paulo Porto é roqueiro do ABC. Músico, Compositor, Pesquisador Cultural e Advogado
O contrário do amor não é o ódio. O ódio até é uma forma de amar… O contrário do amor é a indiferença. Os gritos, as caras feias, as ameaças e as ações das pessoas más, nunca assustou o pacífico Martin Luther King. O que ele temia mesmo era o silêncio das pessoas boas…
Isso porque quando homens bons se calam e não se envolvem contra as causas malévolas que corrompem e distorcem nosso cotidiano, acabamos por aceitar essa nova forma de viver em sociedade. Para seguir com nossas vidas individuais, tendemos sempre a nos desviar dessas flechadas, por desconhecer nossa força coletiva de povo.
Uma pessoa que vive ao lado de um aeroporto ou com uma linha de trem ao fundo, dorme tranquilamente, praticamente sem notar o barulho. A exposição a um esforço repetitivo, como o barulho de um trem, torna-o banal, ou seja, não se percebe mais. E a banalização leva a indiferença. Na política, a escolha pelo silêncio é a banalização da forma da vida do brasileiro, acostumando-o a conviver com a corrupção, a violência, a falta de respeito, etc.
Bloqueador de sinal de celular em presídios é um belo exemplo para o que estou falando. Ora, se os celulares são proibidos nas cadeias, porque razão nosso dinheiro é destinado para compra de bloqueadores? Tentamos bloquear sinal de celular porque somos indiferentes à lei que os proíbe naquele lugar…
Mas o que nos deve chocar não são as banalizações, mas a indiferença a elas. Sobra motivação para que tudo isso se desfaça, no entanto, falta desejo para transformar. Estigmatizamos a indiferença às leis para aceitar sem perceber, o simpático avesso do avesso…
Luther King lutou contra a discriminação racial nos EUA porque somos indiferentes não ao negro ou qualquer outra raça ou, ainda, ao credo, mas somente ao amor. Eu diria que ele teve a sorte de ser negro para que pudesse ser ouvido nesse sentido, posto que ele buscasse a igualdade dos homens e, certamente, porque nunca entendeu essa diferença de cor como dominação entre os próprios homens.
Uma dura luta, é verdade, contra homens maus, é verdade, mas também contra uma sociedade indiferente que carregara o estigma da escravidão humana por 5.000 anos…. Em sua luta, só o amor falaria mais alto. Só o amor faria e fez a diferença…
O calar da sociedade contra atos maus que assustam, agridem e prejudicam nosso próprio modo de vida em sociedade, minimamente retardam nossa evolução como homens humanos e, mui corriqueiramente, nos faz homens maus também. Maldades regularmente implantadas com o adubo de nosso silêncio são capazes de mudar nosso jeito de ver e aceitar as coisas. Mudam nossos costumes e nosso jeito de viver. Assim, nosso silêncio é um convite a homens maus a transformar nossa moral… (Afinal, aceitar conviver 5.000 anos com a escravidão não é pouca coisa…).
A moral indica um comportamento exclusivo do humano. No entanto, não é natural. Não nascemos com ela. A construção histórica e social de uma realidade humana determina nossos costumes. Esse modo de viver surge a partir das relações coletivas (sociedade) de onde nascemos e vivemos.
Note que a moral (o modo de vida de uma sociedade, seus costumes e tal), o homem adquire conforme vai crescendo no local em que vive. Logo, não nasce com ela. E, normalmente, a aceita. Por outro lado, muitos filósofos debatem e debateram se o homem em sua essência é bom ou mau. Ora mau (Hobbes), ora bom (Rousseau), o bacana é que não se discute se o homem possa nascer sem ser bom ou mau. E hoje prevalece o pensamento de que o homem é bom em sua natureza, ou seja, nasce bom.
E é aí que entra a Ética, finalmente: do grego ethos, significa caráter, o meu modo de ser. E se eu nasci bom, sozinho, tenho boa moral e todo o pensamento que eu desenvolver partirá dessa premissa, coletivamente tenderá a ser lei onde vivo. Aquilo que carrego em meu DNA para viver naquela sociedade cultural em que nasci, será a cultura daquela sociedade.
Platão, citando Sócrates, escreveu que o homem justo, enquanto justo, não será diferente de uma cidade justa, mas semelhante a ela. Cada cidadão justo de uma cidade será ético e a cidade será justa e igual para todos.
Na crença dos mortais não há confiança genuína, como diria Parmênides, um Pré-Socrático. Então, quando vemos algo injusto, mesmo que seja um costume local, como a desigualdade racial de Luther King, como a corrupção e a violência aqui de nossas terras, achamos que isso, apesar de banal, não está em nós, homens bons, e se nos fizermos indiferentes a ela, ou seja, banalizando-as, não seremos justos e, assim, deixaremos de ser esse cidadão local ou faremos da cidade uma má cidade. Seremos, pois, igualmente racistas, corruptos, violentos…. Igualmente maus…
Desde os tempos em que atuei no terceiro setor, aprendi que a mudança que a gente quer fora, começa dentro da gente. Só cada homem justo produzirá uma sociedade justa. Ora, se já possuímos uma moral, se somos bons ao nascer, se desejamos praticar essa nossa ética, fundada em nossa moral, não podemos permitir que os isolados “antiéticos” nos tomem por suas crias, indiferentes ao bem comum. Não se pode permitir…
E assim o Brasil foi às ruas. Em grandes, notórias, silenciosas e assustadoras manifestações. Por ética. Histórico. E esse sussurro deporá pela segunda vez, um presidente. Deixemos de lado aqui as ideologias políticas. Hão de ser, acima de tudo, os brasileiros, cidadãos íntegros e ambiciosos de bem comum.
Somos um povo que não faz política, mas que introjeta seu pensamento social e coletivo, obrigando aos seus delegados decidirem eficazmente por ele… A integridade é o maior valor de preservação da ética. Não importa o resultado disso tudo, quando o ponto de vista é justamente a ética. François Rabelais, um escritor e pensador do Renascimento cravou uma bela frase que vale o fim dessa coluna: “Conheço muitos que não puderam, quando deviam, porque não quiseram quando podiam”.