Oscar: um festival de mancadas, falta de noção e protestos
Depois dos escândalos envolvendo nomes importantes da indústria cinematográfica, resolvemos relembrar antigas saias justas, protestos e barracos que rolaram no Oscar nos últimos 90 anos.
- Data: 01/03/2018 11:03
- Alterado: 01/03/2018 11:03
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Lilian Trigo
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O Oscar costuma ter momentos de pura emoção – e constrangimento – durante aqueles minutos do discurso de agradecimento do vencedor. São vários os casos de ganhadores que agradeceram aos produtores, diretores, agentes e esqueceram os cônjuges. Outros usam o tempo para chorar e dizer bobagens como o famoso: “Vocês gostam de mim! Vocês realmente gostam de mim!”, de Sally Fields.
Nem todo mundo procura fama acima de tudo e muitos já recusaram o prêmio por defender ideias e crenças. O primeiro foi Dudley Nichols que, em 1936, boicotou a cerimônia e recusou o Oscar por “O Delator” para apoiar os protestos do recém-criado sindicato dos roteiristas. George C. Scott foi mais além, em 1971. Ele disse ao jornal Los Angeles Times que “As cerimônias são um desfile de carne com duas horas de duração, uma exibição pública com suspense artificial por razões econômicas”. Mesmo se recusando a participar, o ator ganhou o prêmio de melhor ator por “Patton, Rebelde ou Herói?”. Dois anos, quando Marlon Brando foi anunciado como melhor ator por sua interpretação de Don Corleone, o público ficou surpreso ao ver subir ao palco em seu lugar a atriz e ativista Sacheen Littlefeather. Vestida com trajes típicos da tribo Oglala Lakota, Littlefeather foi vaiada e retirada do palco sem conseguir ler o discurso de 15 páginas escrito por Brando.
A partir dos anos 70, os ganhadores mais politizados usavam seu momento de gloria para protestar. Em 1972, Jane Fonda compareceu à cerimônia usando um uniforme semelhante ao do líder comunista chinês Mao Tsé-Tung, para protestar contra a guerra do Vietnã e apoiar o movimento de liberação feminina. Depois disso, ela passou a ser chamada de Hanói Jane. Já Vanessa Redgrave, em 1979, usou seus preciosos minutos para fazer um contundente discurso. No ano anterior a atriz tinha financiado e narrado um documentário sobre a OLP – Organização para Liberação da Palestina – e assim que foi indicada ao Oscar passou a ser vítima de uma campanha comandada pelo radical líder Liga de Defesa dos Judeus da América, o rabino Meir Kahano. No filme, ela interpreta Júlia, a personagem título, uma milionária que vai para Viena estudar medicina e acaba se envolvendo em atividades antinazistas, durante a Segunda Guerra. No dia da premiação, fotos da atriz foram queimadas na frente do teatro. Vanessa subiu ao palco e disse que se recusava a ser intimidada por ameaças de arruaceiros sionistas, que são “um insulto aos judeus de todo mundo e à grande luta deles contra o fascismo e a opressão”. Tim Robbins, Susan Sarandon e Richard Gere chegaram a ser banidos da cerimônia por fugirem do roteiro. O casal causou desconforto ao falar sobre como são tratados os pacientes HIV positivo no Haiti. Já Gere, budista e amigo do Dalai Lama, usou os minutos antes de apresentar o prêmio para declarar seu repúdio à invasão chinesa ao Tibet. Em 2017, o diretor iraniano, Asghar Farhadi, não pôde comparecer porque teve sua entrada nos Estados Unidos proibida pelo recém-empossado presidente Donald Trump. Asghar ganhou o Oscar pelo filme “O Vendedor”, e seu discurso de agradecimento foi lido pela astronauta Anousheh Ansari, cidadã americana, nascida no Irã.
Hattie McDaniel, a primeira atriz negra a ganhar o Oscar, por seu papel de Mammy em “E o Vento Levou”, foi vítima de um dos mais escandalosos casos de racismo de que se tem notícia. Na época, o prêmio era entregue em um jantar no hotel Ambassador, em Los Angeles, que proibia a entrada de negros. O produtor David O. Selznick pediu uma permissão especial para que a atriz pudesse comparecer à cerimônia. Isso não comoveu os organizadores, que só concordaram quando Selznick ameaçou boicotar a premiação. Hattie compareceu, ganhou o prêmio, comoveu a todos com seu discurso, mas teve que se sentar em uma mesa nos fundos do salão, muito distante de seus colegas de elenco acomodados bem na frente do palco. Só 62 anos depois outra atriz negra ganharia o papel: Halle Berry. Halle, por sinal, passou por um perrengue quando foi entregar o prêmio no ano seguinte. Sem conseguir conter a alegria pela vitória, Adrian Brody tascou um beijo na atriz, que não pode fazer nada, além de levar na esportiva.
Durante décadas Bette Davis foi a atriz mais importante de Hollywood e, em 1941, foi eleita presidente da Academia. Decidida a fazer profundas mudanças na instituição, Davis resolveu acabar com a premiação estilo jantar dançante, e fazer realizar a entrega dos prêmios em um teatro, cobrando 25 dólares por cabeça. A intenção era boa, porque meses antes tinha acontecido o ataque a Pearl Harbor, os Estados Unidos tinham decidido entrar na Segunda Guerra, e todo o dinheiro arrecadado seria destinado ao Fundo de Guerra. A ideia foi descartada e Bette pediu demissão, sendo substituída pelo produtor Walter Wanger.
A década de 70 não foi boa para a Academia. Além dos protestos, o Oscar enfrentou um de seus momentos mais bizarros. Instantes antes do ator David Niven apresentar Elizabeth Taylor, o fotógrafo Robert Opel atravessou o palco completamente nu. O desinibido rapaz ainda teve a chance de fazer o sinal de paz e amor, antes de sair do palco. O britânico Niven não perdeu a pose e ainda fez uma piada sobre o acontecimento. O mais interessante é que Opel não foi preso e ainda participou da coletiva destinada aos vencedores. Só que, desta vez, vestido.
Ingrid Bergman não teve a mesma presença de espírito que Niven e ficou visivelmente chocada quando abriu o envelope e descobriu que o Oscar de melhor atriz de 1969 teria que ser dividido entre Katharine Hepburn e Barbra Streisand. Sorte que Hepburn não costumava comparecer à cerimônia e Babs – com uma roupinha horrorosa – pôde aproveitar sozinha o momento de glória.
No quesito pior vestimenta, outro empate, desta vez entre as cantoras Cher e Bjork. Cher subiu ao palco para receber o prêmio de melhor atriz por “O Feitiço da Lua” com um vestido bastante revelador. Já a islandesa Bjork, concorrente ao Oscar de melhor canção original, surgiu no tapete vermelho com um vestido de ganso, criação do estilista macedônio Marjan Pejoski, que tinha um ovo como assessório. Em 2000, os criadores de “South Park”, Trey Parker e Matt Stone, desfilaram com modelitos idênticos aos usados pelas atrizes Jennifer Lopez e Gwyneth Paltrow no ano anterior.
Até 2011, David Letterman, apresentador de um dos mais famosos talk-shows da América, era o detentor do título de pior apresentador do Oscar de todos os tempos. Ele foi superado por James Franco, que apresentou a cerimônia junto com Anne Hathaway. Franco completamente chapado, não conseguiu ler o teleprompter e esqueceu as piadas. Um verdadeiro desastre.
Em 2014, coube a John Travolta apresentar Idina Menzel, que apresentaria a canção indicada pela animação “Frozen”. No afã de elogiar os dotes vocais da moça, ele acabou inventando um novo nome pra ela: Adele Dazeem. Antes do final da cerimônia já tinha surgido na internet um gerador de nomes bizarros em homenagem à mancada de Travolta. No ano seguinte, a cantora tentou dar o troco, apresentando o ator como um nome inventado. Ele tentou ser simpático, mas acabou causando certo mal estar quando passou a tocar o rosto da pobre coitada, que começou a rir pra não chorar.
Nada vai conseguir superar a confusão feita por Warren Beatty no ano passado, quando o ator anunciou “La La Land” como melhor filme, quando, na realidade, o vencedor era “Moonlight”. Mas Beatty está muito bem acompanhado. Ninguém menos que Sir Laurence Olivier deu uma derrapada na hora de entregar o Oscar para o melhor filme de 1985. Emocionado com a ovação da plateia, Sir Olivier simplesmente esqueceu de ler os nomes dos indicados e anunciou o vencedor: “Amadeus”. Na festa oficial do Oscar, o Baile do Governador, ele passou o resto da noite se desculpando pela falha.
Alguns amantes de cinema não perdoam injustiças cometidas pelos membros da Academia. Até hoje, fãs de “Star Wars” não se conformam em perder o Oscar de melhor filme para “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de Woody Allen. Em 1999, foi a vez do aclamado filme de Steven Spielberg, “O Resgate do Soldado Ryan”, ser trocado por “Shakespeare Apaixonado”. Jack Nicholson pareceu surpreso ao anunciar a vitória de “Crash”, quando todos davam como certo o Oscar para “Broakback Mountain” de Ang Lee. E o que dizer do Oscar de 1976? “Rocky”, do então desconhecido Sylvester Stallone, desbancou filmes como “Taxi Driver”, “Todos os Homens do Presidente” e Rede de Intrigas e ainda consagrou John G. Avildsen como melhor diretor, tendo Ingmar Bergman concorrendo na mesma categoria.
Jack Palance protagonizou dois inusitados episódios. Em 1992, antes de receber seu prêmio de coadjuvante pelo filme “Amigos, sempre Amigos”, o ator fez uma série de flexões com um braço só, para mostrar que ainda estava em forma. No ano seguinte, coube a ele entregar o Oscar de melhor atriz coadjuvante. As concorrentes eram Vanessa Redgrave, Judi Davis, Miranda Richardson, Joan Plowright e Marisa Tomei. Palance abriu o envelope e anunciou Tomei como a vencedora, diante de uma plateia boquiaberta. Até hoje dizem que ele não conseguiu ler o nome da verdadeira vencedora, e disse o nome que lembrou na hora. Os auditores e a Academia negam, mas no ano seguinte, os ganhadores passaram a receber os envelopes, junto com a estatueta dourada.
Por alguns minutos, Sophia Loren e Roberto Benigni transformaram o classudo auditório do Dorothy Chandler Pavilion em um verdadeiro cortiço napolitano. Sem conseguir conter a alegria, Sophia anunciou o vencedor com um sonoro: “Roberto!”. Benigni não deixou por menos e abriu caminho até o palco andando por cima das cadeiras.
Oscar honorário é a chance da Academia se redimir por não premiar grandes atores. Enquanto atores, como Charles Chaplin, comparecem felizes da vida por receber o merecido reconhecimento, outros não aceitam muito bem a honraria. Em 2003, Peter O’Toole foi informado que, finalmente, teria seu talento premiado. Indicado oito vezes, sempre pelo papel principal, O’Toole enviou uma divertida carta dizendo que ainda estava na ativa e que os membros do comitê deveriam esperar ele fazer 80 anos para desistir dele definitivamente. Foi preciso muita conversa para convencê-lo a aceitar o prêmio. Já o diretor francês Jean-Luc Godard não se deu nem ao trabalho de atender ao telefonema da Academia. O caso mais problemático, no entanto, é o de Elia Kazan. Considerado um dos grandes diretores do cinema americano, ele fez muitos inimigos aos entregar os colegas comunistas na época do macarthismo. O ator Morris Carnovsky e o dramaturgo Clifford Odets tiveram suas carreiras completamente arruinadas, depois que foram parar na lista negra. Em 1999, Kazan, com 89 anos, subiu ao palco para receber das mãos de Robert De Niro e Martin Scorsese, o prêmio pelo conjunto de sua obra. Embora a maioria da plateia tenha aplaudido, atores como Ed Harris, Amy Madigan e Nick Nolte, não esconderam seu desapontamento.
Em 2013, nem bem ouviu seu nome, Jennifer Lawrence correu para receber seu homenzinho dourado por “O Lado Bom da Vida”. O único problema foi pisar na barra do vestido e cair na escadaria. Não faltaram cavalheiros para ajudá-la, como Jean Dujardin e Hugh Jackman, mas ela preferiu se levantar sozinha. Ao posar para a foto oficial, a atriz surpreendeu os jornalistas mandando um dedo do meio. Depois ela se desculpou, dizendo que tinha tomado umas antes de encarar a coletiva.
Em 2016, Brie Larson recebeu diversos prêmios, inclusive o da Academia, por sua brilhante atuação em “O Quarto de Jack”. O filme conta a história de uma jovem mantida em cárcere privado, que sofre abusos de seu sequestrador. Ironicamente, no ano seguinte, coube a Brie entregar diversos prêmios para Casey Affleck, acusado de assédio sexual por duas mulheres. Na noite do Oscar, ao anunciar o nome de Affleck, a atriz se recusou a aplaudi-lo, assim como tinha evitado abraçá-lo nas outras premiações. Como é costume o vencedor do ano anterior entregar o prêmio no ano seguinte, todos esperavam pra ver como Casey se comportaria, depois das denúncias que derrubaram produtores, diretores e até seu irmão mais velho, Ben Affleck, mas ele já anunciou que não vai comparecer à cerimônia.