O menino, o quintal e a bola
Crônica de Nelson Albuquerque Jr. observa uma bola parada no quintal e toda a meninice em torno da cena
- Data: 14/11/2019 12:11
- Alterado: 14/11/2019 12:11
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Nelson Albuquerque Jr
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Passo todo dia por essa rua. E, naquela casa, vejo sempre o menino, no alto da sua experiência de uns cinco anos, apostando corrida sozinho pelo quintal, jogando água pra todo lado, lançando carrinhos como se fossem aviões, voando descalço para livrar a Terra dos vilões, chutando bola, marcando gols em todas as paredes, ganhando todos os jogos. Somente ele na companhia dele.
Faz quatro dias que a bola está parada no mesmo lugar do quintal. Já se vê um acúmulo de sujeira preta em torno dela. Dá até a impressão de ter murchado um pouco. Certeza que sente falta de umas bicudas. Nunca tinha visto uma bola tão triste.
O quintal também anda quieto demais. Se antes ele cintilava com gotas brilhantes de água pelo ar, agora só se balança moroso com roupas descoloridas no varal. Sem gritos de gol, ouve-se até uma panela de pressão ao longe, trabalhando na obrigação de botar um feijão sem sal à mesa.
Cadê o menino?
Cadê aquele super-herói que atravessa dimensões, desafia a gravidade e não dá a mínima bola para as regras do mundo? Cadê o campeão destemido, o inventor de línguas, o domador de feras, cadê?
Tomara que esteja criando novos mundos em outros quintais. Que esteja por aí chutando bolas sempre pra frente e certeiras. Mas tomara, ainda mais, que volte logo, porque todos nós precisamos de uma criança por perto para nos dar sentido à vida.