O ABC do Rock – Rock do ABC – Rock de Verdade! (S1 – A3)
Existe cultura regional do Grande ABC? Como nossa regionalidade é percebida fora dos limites das sete cidades? No terceiro artigo da série, Paulo Porto aborda a origem do rock de verdade
- Data: 15/04/2019 17:04
- Alterado: 15/04/2019 17:04
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Paulo Porto - pesquisador cultural, músico contrabaixista, letrista e roqueiro do ABC
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Olá pessoal! Venho registrando a partir de entrevistas, relatos, levantamentos, imagens e muitas reuniões de bate-papo, um Livro sobre a história do Rock da região do ABC paulista em sua primeira geração (anos 50 até final dos anos 70).
É importante destacar que a intenção desse trabalho é mostrar que o ABC possui uma identidade, uma cultura própria que une o ABC e que é capaz de nos trazer reconhecimento e respeito por meio dela. O ABC paulista é conhecido hoje por muitos como “terra de roqueiros” ou a terra “dos camisas pretas”. E eu acredito muito que é por conta de nossa primeira geração.
No entanto, parcos são os registros escritos ou fonográficos desta pequena, mas eficiente e referencial história cultural de revolução e fidelidade musical universal que, de modo consuetudinário, resistiu aos tempos e por que não dizer, aos ataques dos “poderosos” homens de seu tempo. E a que se deve essa resistência?
A razão desta continuidade cultural (vivemos hoje a nossa 4ª geração roqueira) reside no fato de que o ABC está conectado ao rock do mundo, posto que aqui no Brasil, manteve-se original, preservado e isento de regionalismos tropicais até os dias de hoje, sendo, inclusive, influente.
Na prática, naquela época primeira, podemos dizer que o ABC ingressou em um processo de assimilação cultural exterior, vindo de fora do País, tendo absorvido características de outros grupos sociais pelo mundo, adquirindo costumes e (principalmente) atitudes, na busca de contato e comunicação entre as sociedades desenvolvidas que, por sua vez, buscavam novos traços culturais por meio do rock, miscigenando etnias e classes sociais em prol de nada além do que simplesmente a música.
Era o que o jovem do ABC – quase sempre filhos de operários – queriam; para encaixar sua rebeldia incontida; para ter voz própria e livre, apesar das necessidades mercantis, das hegemonias políticas, da vigília eclesiástica e da censura militar. Pela arte que fascina. Pelo puro conceito de que cultura não se vende; se troca.
Uma molecada do ABC Paulista – a então desenvolvimentista, rica e próspera região brasileira, cujo parque industrial abrigava empresas e culturas do mundo todo, já ali, nos anos 60, buscava se livrar da fuligem, da graxa, das forjas, da poluição e da suburbanidade para fazer ali àquela mesma nova sociedade que parecia surgir naqueles Países de mesma pegada de crescimento; naqueles Países que assimilavam e incorporavam o rock para criar um divisor de águas capaz de tornar uma nova geração irreconhecível em relação às antigas. Uma ruptura cultural, sem dúvidas.
Outra molecada atrevida e cheia de atitudes com suas ‘bandas de rock’ começava a ocupar os Clubes, Salões Paroquiais, Associações de Bairro por toda a região, franqueando o acesso do tal rock’n’roll aos jovens do ABC que, por sua vez, assimilavam o surgimento desse movimento de uma vez só e com dois de nossos cinco sentidos: eles não só ouviam, como viam o rock, enraizando, desse modo, uma forte tendência de aculturação em tempo real, pari passu à que nascia no mundo.
As bandas locais ocupavam-se de reproduzir com boa fidelidade e em primeira mão os lançamentos roqueiros daquele mundo desenvolvido, contribuindo, dessa forma, na moldagem do que viria a ser o roqueiro do ABC. Bandas como Matchless e Porão 70 – de São Bernardo do Campo e; Os Fanáticos e Os Botões – de Santo André, por exemplo, não só quebravam paradigmas de conservadorismo musical, como interferiam fortemente na formação musical do jovem local.
A Banda Os Botões (The Buttons), foi uma das mais influenciadoras dos anos 60 no ABC, tocando Beatles. Destaque para Carlão, que ficou mundialmente conhecido nos anos 70 como Dave Maclean, com hits como “Me and You” (tema da novela Os ossos do Barão) e “We said goodbye”. Sobre os Botões – e as outras bandas citadas, assim como muitas outras bandas da época – contaremos sua história pelos capítulos que seguem essa série.
Molecada daqui e molecada de lá
Em 1965, com muito mais ousadia e bem mais chocante que os Beatles, uma garotada arrebentava com as paradas de sucesso dos EUA com uma música chamada “(I Can’t Get No) Satisfaction”. Uma canção de três acordes considerada preocupante por conter ‘conotações sexuais’ à época, portanto, rompia com as já novas barreiras, inclusive as comerciais, tendo em vista que era tocada inicialmente somente por rádios piratas, se alheando, desse modo, de qualquer controle midiático ou político que se tentasse impingir ao rock já ali, basicamente em seu nascedouro.
Pois bem. Antes mesmo do hit chegar à Inglaterra, terra de origem dos garotos – onde também alcançaria o topo das paradas – algumas bandas do ABC já executavam esse arroubo dos ‘The Rolling Stones’, dentro daquele conceito das bandas daqui em levar ao público a novidade e em primeira mão.
As bandas estavam antenadas. E precisavam estar. Não era raro algum lançamento acontecer numa quinta-feira pelos EUA ou Inglaterra que, no sábado, já havia alguém a tocando aqui, pelos ‘Bailes da Madrugada’ do ABC. E as bandas que saíam na frente nesse quesito, iam conquistando o respeito de um público que já era mesmo sedento por rock, pois já assimilava isso como uma cultura sua, como algo sob medida e desejado desde sempre; e que vinha sendo incorporado ao seu cotidiano para, mais tarde, deixar de ser apenas um movimento ou um modismo, mas, senão, uma identidade própria, uma característica cultural que une o ABC, para ser o que é hoje: Uma terra de roqueiros de verdade!
Na próxima semana, destacarei outro ponto importante para reforçar que tão importante quanto nossas bandas de rock do passado, também o era o próprio jovem e suas circunstâncias em nossa região, cultivando em sintonia fina um produto bom em terra boa. Só podia dar certo, não é mesmo? E já que estamos falando de origens, me permitam me agarrar a isso mais um pouco: o título de nosso próximo artigo é “Nomadismo”. Até lá e vamos fazendo!!!