Federação Israelita do RS se manifesta sobre o desfecho do Júri dos Skinheads
Presidente da FIRS lamenta absolvição de dois dos três últimos réus do crime de três tentativas de homicídio
- Data: 05/04/2023 14:04
- Alterado: 05/04/2023 14:04
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
Federação Israelita do RS se manifesta sobre o desfecho do Júri dos Skinheads em Porto Alegre
Crédito:Foto: divulgação FIRS
Na última semana, entre terça-feira, 28 de março, e sexta-feira, foi realizado o júri de mais três réus do caso do ataque de skinheads a judeus em Porto Alegre em 8 de maio de 2005. O processo, que tramita há 18 anos no Tribunal de Justiça do RS, já condenou a outros cinco réus pela autoria dos fatos.
Na decisão, Leandro Maurício Patino Braun foi condenado por tentativa de homicídio duplamente qualificado. A pena é de 12 anos, 8 meses e 13 dias de prisão em regime inicialmente fechado. Os jurados afastaram a qualificadora de meio cruel. Já os réus Valmir Dias da Silva Machado Júnior e Israel Andriotti da Silva foram absolvidos.
Para o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (FIRS), Marcio Chachamovich, a absolvição de dois dos réus, mesmo com provas e testemunhas da participação dos mesmos no crime, é lamentável: “a sensação é de impunidade. Mas, infelizmente, os jurados, que são o espelho da sociedade, entenderam que o crime sofrido pelos réus não partiu destes dois que foram absolvidos, o que, para mim, causa muita estranheza.”
O diretor jurídico da FIRS, Daniel Báril, ressalta a importância pedagógica do júri, mesmo 18 anos após o ocorrido: “é uma pena precisarmos estar aqui por causa de um crime de ódio no Rio Grande do Sul. O mundo já podia ter superado esta etapa, e passar a respeitar as minorias. Mas, por outro lado, temos que ter esperança, porque há uma representatividade pedagógica social nisso, que pode evitar que tenhamos que nos deparar com situações como essa novamente no futuro.”
O caso
Na madrugada de 8 de maio de 2005, Rodrigo Fontella Matheus, Edson Nieves Santanna Júnior e Alan Floyd Gipsztejn caminhavam no Bairro Cidade Baixa, na capital, quando foram atacados por um grupo de skinheads, de ideologia neonazista. As vítimas usavam quipás (chapéu usado pelos judeus). O grupo de agressores estava dentro de um bar quando avistaram os rapazes.
Rodrigo Fontella Matheus foi golpeado com arma branca, socos e pontapés. O crime não se consumou porque a vítima contou com a intervenção de terceiros e com pronto atendimento médico.
Edson Nieves Santanna Júnior também foi atacado pelo grupo, mediante golpes de arma branca. Ele conseguiu escapar e buscar abrigo dentro do bar. Por último, Alan Floyd Gipsztejn foi atacado, e também conseguiu fugir para o interior de um estabelecimento.
Júri
O julgamento, que durou quatro dias, foi realizado no plenário de grandes júris da Capital, localizado no Foro Central I. Os réus Valmir e Israel participaram do julgamento. Já Leandro não se fez presente.
Na terça-feira, foram ouvidas as três vítimas de agressão, Rodrigo, Edson e Alan, e duas testemunhas arroladas pela acusação, ambos médicos, à época estudantes de Medicina que estavam próximos ao local do fato e prestaram primeiros-socorros a vítimas.
“Meu irmão, que não sofreu agressão, teve trauma ainda maior do que o meu. Ele é mais velho do que eu e me levou para o hospital, gritando que eu estava morrendo. E nunca mais pisou na Cidade Baixa”, relata Edson.
“Havia uma barreira de pessoas protegendo outras, que estavam batendo em alguém (Rodrigo). Eles chutavam e pisavam na cabeça dele. Achei que a vítima havia morrido”, lembra a testemunha, que prestou socorro a Rodrigo.
Na quarta-feira, segundo dia do julgamento, mais seis testemunhas foram ouvidas pelo Júri de Sentença. “Nenhuma agressão era leve, só coisas pesadas, pra machucar. Eram ataques constantes, sem parar. Covardia. Ele (a vítima) estava caído no chão e eles continuavam agredindo”, falou a terceira testemunha do caso, que define o momento presenciado como massacre.
Outra testemunha do fato, namorada de Paulo (irmão da vítima Edson Nieves Santanna Júnior) à época, presenciou o momento das agressões e revisitou detalhes do fato ocorrido há 18 anos: “passamos (a testemunha e Paulo) a noite no hospital. Depois, fomos para casa para contar para a mãe do Júnior (Edson), que estava hospedada na minha casa pelo Dia das Mães, que o filho dela estava no hospital, porque havia sido atacado por neonazistas. Depois disso, passamos mais de um ano “presos”, sem sair de casa. Nós é que ficamos presos. Por medo e porque recebíamos ameaças. Acordei, um dia, e tinha uma suástica desenhada na frente da minha casa”.
Na quinta-feira, as duas testemunhas restantes prestaram depoimento ainda pela manhã. Uma delas, arrolada pelo advogado do réu Israel Andriotti da Silva e esposa do réu, à época dos fatos, confessou a autoria de cartas e dedicatórias amorosas (para Israel) contendo símbolos neonazistas.
À tarde, teve início o interrogatório dos réus que se fizeram presentes em plenário, Israel e Valmir. Valmir afirmou em seu testemunho já ter feito parte de um movimento separatista chamado Carecas do Brasil. Ele preferiu não responder a questionamentos do Ministério Público e da assistência de acusação.
No interrogatório de Israel, o réu confessou já ter sido um neonazista e ter feito tatuagens com símbolos que fazem alusão ao nazismo: “na minha cidade (Guaíba), eu sempre me dei bem com todas as pessoas. Mas quando estava com eles (neonazistas) em Porto Alegre, eu era outra pessoa, eu era “deles””.
A fase de debates do júri foi realizada na sexta-feira. Os debates entre acusação e defesa começaram pelas falas dos promotores do Ministério Público e da assistência de acusação.
O Promotor de Justiça Luiz Eduardo Azevedo explica a tese de que os álibis apresentados pela defesa dos réus não são sustentáveis para comprovar a possibilidade de que os réus não cometeram o crime em questão, pois nenhum pôde provar estar com os réus no momento das agressões.
A Promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari dá seguimento à explanação do promotor: “o que “a gente” (jurados) responder hoje, é o que “a gente” quer lá fora. É o que “a gente” quer mostrar pro mundo”. Lúcia Helena elucida sobre os diversos reconhecimentos dos réus feitos por testemunhas que estavam presentes no local no momento das agressões. Ela traz as evidências, a partir dos reconhecimentos, que levam a crer que os réus fizeram parte dos atos criminosos, de acordo com a tese da acusação.
Próximos passos
A Federação Israelita do RS espera que o Ministério Público entre com recurso para revisão da sentença, devido às robustas provas de participação no crime por parte dos dois réus que foram absolvidos.