Exame genético poderá reduzir indicação de quimioterapia no câncer de mama
Desenvolvido por pesquisadores da FMABC, exame prognóstico será aproximadamente 85% mais acessível do que a principal alternativa atual, o Oncotype DX
- Data: 18/10/2018 14:10
- Alterado: 18/10/2018 14:10
- Autor: Redação
- Fonte: FMABC-FUABC
Crédito:divulgação
Pesquisadores da Faculdade de Medicina do ABC deram início neste ano à segunda fase de um estudo pioneiro sobre nova técnica de perfilhamento genético do câncer de mama. Trata-se de exame que subsidia a equipe médica com o diagnóstico molecular da doença, fornecendo elementos que permitem a indicação de tratamentos mais precisos, melhorando o prognóstico. Hoje o exame mais conhecido do gênero é o Oncotype DX, disponível no país em poucos serviços particulares ao custo de aproximadamente R$ 13,5 mil. A patente para a técnica brasileira já está vigente há dois anos e a expectativa é de que o exame seja lançado no mercado por até R$ 1.800,00 – ou seja, 85% mais barato que o Oncotype DX.
Em junho deste ano, o teste Oncotype ganhou as manchetes do mundo em função de um estudo apresentado no encontro anual da ASCO – American Society of Clinical Oncology (Sociedade Americana de Oncologia Clínica) – o maior evento mundial na área de oncologia. Segundo a pesquisa, batizada TAILORx, grande parte das mulheres com câncer de mama em fase inicial e que seriam submetidas à quimioterapia podem não precisar mais desse tratamento tóxico e agressivo. Publicado no New England Journal of Medicine, o trabalho garante que é possível poupar da quimioterapia até 70% das pacientes diagnosticadas com um tipo de câncer de mama extremamente comum.
MENOS QUIMIOTERAPIA
O estudo norte-americano TAILORx recrutou total de 10.253 mulheres com tumores de mama primários, com dimensão entre 1 e 5 centímetros, receptores hormonais positivos, HER2 negativos (um tipo de proteína) e axila negativa (quando a doença não atingiu os nódulos linfáticos), que realizaram o teste molecular Oncotype DX em diferentes países. Acompanhadas por até nove anos, as pacientes foram divididas em três grupos, conforme o resultado do Oncotype: baixo risco, risco intermediário e alto risco.
Nos extremos, as condutas médicas já eram bem definidas. No grupo de baixo risco, com índice de 0 a 10 no exame, o tratamento após a retirada do tumor apenas com terapia hormonal, sem quimioterapia, é considerado seguro segundo estudos anteriores – ou seja, essas pacientes não se beneficiam da quimioterapia. Já nos casos de alto risco, com índice de 26 ou mais, a quimioterapia é necessária em função da maior agressividade do câncer e do risco aumentado de retorno da doença (recidiva). No entanto, aproximadamente 40% dos resultados do Oncotype DX caem na faixa intermediária, entre 11 e 25, onde não haviam dados consistentes que garantissem segurança ao tratamento sem quimioterapia. Esses dados foram disponibilizados a partir do TAILORx: até 70% das mulheres com câncer de mama conforme o perfil estudado podem deixar de fazer quimioterapia, poupadas de efeitos colaterais importantes, do maior risco de infecções e de prejuízos físicos, psicológicos, sociais e emocionais.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), os resultados do TAILORx “são de extrema importância, sendo evidências robustas de que a maioria das pacientes com câncer de mama, axila negativa, e risco intermediário no Oncotype DX podem evitar a quimioterapia”. Presidente da SBM, Antonio Luiz Frasson completa: “Precisávamos entender o que ocorria com as pacientes de risco intermediário. Ao confirmar que 83% das mulheres que participaram do estudo estão no risco baixo ou intermediário, onde a quimioterapia não foi benéfica, nos anima, porque, desta forma, muitas mulheres poderão ter uma melhor qualidade de vida. Agora os médicos terão mais assertividade para acrescentar ou não a quimioterapia ao tratamento”.
CÂNCER DE MAMA
O carcinoma de mama é a causa mais frequente de mortalidade por câncer em mulheres no país, com risco esperado de 49 casos a cada 100 mil brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). A elevada incidência da doença reforça a necessidade de biomarcadores prognósticos mais efetivos – como é o caso do Oncotype –, capazes de estratificar os riscos de recidivas e preveni-las a partir da personalização dos tratamentos. “Os tumores de mama são heterogêneos do ponto de vista molecular. Dessa forma, a avaliação das características anatomopatológicas, associada ao perfilhamento gênico do tumor e a biomarcadores relacionados ao processo metastático – como a pesquisa de células tumorais circulantes – podem proporcionar visão mais ampla do processo tumoral, fornecendo informações importantes de natureza prognóstica e preditiva”, explica o professor titular de Oncologia e Hematologia da FMABC, Dr. Auro del Giglio.
Atualmente existem três principais plataformas de perfilhamento gênico com utilidade prognóstica potencial – ou seja, que podem influenciar diretamente na definição do tratamento de mulheres com câncer de mama: plataforma de Rotterdam, Oncotype e Mammaprint. Entre as opções, a Oncotype reúne vantagens operacionais que a tornam preferida entre as demais. No entanto, a alternativa brasileira pode entrar em breve nessa lista e tornar o teste mais acessível.
Pesquisa da Medicina ABC busca democratizar exame
O Oncotype DX analisa 21 genes envolvidos em importantes processos ligados ao câncer de mama, como invasão tumoral, proliferação celular e vias relacionadas a receptores hormonais. “O exame permite visualizar todo o perfilhamento genético do câncer de mama. A partir dos resultados é gerado um índice, que indica as possíveis respostas da paciente antes mesmo do início do tratamento. Graças a esse score é possível saber quais pacientes se beneficiariam de quimioterapia para prevenção de recidivas ou aqueles casos em que apenas a hormonioterapia traria melhor prognóstico”, explica o coordenador do Laboratório de Análises Clínicas e vice-diretor da Faculdade de Medicina do ABC, Fernando Luiz Affonso Fonseca.
Segundo o especialista, apesar da grande utilização nos Estados Unidos e Europa, o custo de R$ 13,5 mil no Brasil ainda torna o teste Oncotype distante da realidade da maioria da população. “É uma ferramenta prognóstica fundamental para melhorar os resultados dos tratamentos. No entanto, devido ao alto custo, está restrita à reduzida parcela da população”, lamenta Fonseca.
TESTE BRASILEIRO
A exemplo da plataforma Oncotype, a técnica desenvolvida na FMABC também analisa 21 genes ligados ao câncer de mama. Em outubro de 2015, a revista científica internacional Tumor Biology publicou artigo sobre o novo exame. Em fevereiro deste ano teve início a segunda fase do estudo, que foi aprovada para financiamento da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. “Estamos hoje na chamada fase de validação, aplicando na prática a metodologia desenvolvida na primeira etapa do estudo. Ao todo serão selecionadas 800 amostras no serviço de Patologia da FMABC, provenientes de mulheres já tratadas do câncer de mama. A expectativa é de reavaliar todo esse material até fevereiro de 2020”, planeja o titular de Oncologia e Hematologia, Dr. Auro del Giglio.
Segundo o Dr. Fernando Fonseca, o objetivo agora é verificar o comportamento do score brasileiro neste novo e amplo seguimento de pacientes, para comparar os resultados do teste com as condutas médicas efetivamente adotadas ao longo do curso clínico. “Vamos analisar quais pacientes se beneficiaram do tratamento quimioterápico, assim como aquelas que poderiam ter sido poupadas e até mesmo as que não passaram pela quimioterapia, mas que teriam algum benefício. A partir desses resultados práticos, teremos o produto final validado. Com essa nova técnica, segura e mais acessível, esperamos que o teste seja disponibilizado em larga escala, inclusive com incorporação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por operadoras de planos de saúde privados”, planeja Fonseca, que assina o estudo ao lado dos pesquisadores Auro del Giglio, Beatriz Alves, Flavia de Souza e Renata Kuniyoshi.