Brasil terá programa emergencial para repatriar cientistas, mas não sabe quantos estão no exterior

Chamada de "Conhecimento Brasil", a iniciativa deve ser lançada em novembro, com duração prevista de três anos e dois eixos, academia e empresas.

  • Data: 28/09/2023 21:09
  • Alterado: 28/09/2023 21:09
  • Autor: Stefhanie Piovezan
  • Fonte: FOLHAPRESS
Brasil terá programa emergencial para repatriar cientistas, mas não sabe quantos estão no exterior

Crédito:Reprodução

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O MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) planeja lançar um programa emergencial de repatriação de pesquisadores sem, contudo, saber quantos cientistas brasileiros atuam no exterior. Chamada de “Conhecimento Brasil”, a iniciativa deve ser lançada em novembro, com duração prevista de três anos e dois eixos, academia e empresas.

As informações foram antecipadas à Folha de S.Paulo pelo secretário-executivo do ministério, Luis Manuel Rebelo Fernandes. “Nós continuamos formando muitos mestres e doutores, mas sem a criação de oportunidades para fixar esses talentos e esse conhecimento no qual o país investiu, reverter isso para atividades dentro do Brasil”, diz.

“Os nossos jovens pesquisadores estão indo para o exterior em busca de melhores condições para a produção científica”, afirma Vinícius Soares, presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos).

A percepção de que houve uma grande fuga de cérebros no país nos últimos anos é compartilhada por todos os entrevistados, mas não há dados estruturados sobre o quantitativo de cientistas brasileiros no exterior. Pesquisadores, CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), escritórios especializados em imigração e o próprio MCTI reconhecem que a dimensão da diáspora científica é um mistério.

“Esse levantamento não existe”, sintetiza Fernandes. Além do plano emergencial, ele afirma que a pasta planeja financiar estudos para mensurar a perda de talentos. “De qualquer maneira, uma vez lançado o programa, a própria demanda apresentada vai nos dar uma dimensão do problema”, acredita.

Uma pista sobre a saída de cientistas é a emissão de vistos EB1 e EB2, concedidos para profissionais com habilidades extraordinárias, incluindo professores e pesquisadores com destaque internacional em sua área acadêmica, que desejam atuar nos Estados Unidos.

Um levantamento do grupo AG Immigration mostra que, em 2021, foram concedidos 206 vistos EB1 e 390 vistos EB2, contra 385 e 1.499 no ano passado. A concessão do chamado green card, que garante residência permanente em solo americano, também subiu. Em 2018, antes da pandemia, foram 4.103 emissões, ante 5.848 em 2022.

CEO do escritório de imigração, Rodrigo Costa avalia que o desafio do governo é grande porque as causas para a saída do país são múltiplas e envolvem aspectos além da área acadêmica, como maior segurança das cidades de destino. “Às vezes, o cientista tem uma carreira, uma vida estável no Brasil, mas devido à falta de segurança não consegue usufruir o ele conquistou aqui”, afirma.

Diana Quintas, sócia da empresa de imigração Fragomen, destaca também o esforço de alguns países para atrair jovens interessados por ciência ainda na fase de formação e retê-los como mão de obra especializada.

Ela menciona, por exemplo, o programa de facilitação de vistos no Reino Unido e iniciativas para atração e permanência de talentos na Austrália, Canadá e Singapura. No caso da ação britânica, chamada de “visto para indivíduos de alto potencial”, recém-formados nas melhores universidades do mundo podem solicitar vistos de trabalho mesmo sem uma oferta de emprego, a análise do pedido é acelerada e o custo, reduzido. “A estimativa, no ano passado, era de que cerca de 14 mil brasileiros estudavam nessas universidades, fora os formados nos últimos cinco anos”, diz Quintas.

“Há uma guerra tecnológica pela frente e vários países estão usando a imigração como ferramenta de atração”, avalia Gustavo Kanashiro, diretor da Fragomen. Atualmente, o Brasil figura na posição 73 do Índice Global de Competitividade de Talentos, atrás de Botsuana (70o), Mongólia (71o) e Jordânia (72o).
Situação dos pesquisadores.

De acordo com a Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em 2021, o país formou aproximadamente 80 mil pessoas em cursos de pós-graduação stricto sensu, incluindo doutorado (20.671), doutorado profissional (12), mestrado (45.359) e mestrado profissional (13.943).

Porém a taxa de empregabilidade de mestres e doutores apontada na última pesquisa do CGEE, lançada em 2019, foi de 74%. Além disso, dos 166.129 doutores empregados no Brasil em 2017, 124.564 (75%) estavam na educação, área que sofreu graves cortes no orçamento no passado recente. “Vivemos condições adversas para a produção científica nos últimos anos. Houve toda a condição política do país, inclusive de perseguição aos cientistas, o desmonte no orçamento”, lembra Soares.

Nesse cenário, o presidente da ANPG conta que, além da saída de pesquisadores, houve a interrupção de carreiras. “Muitos dos pesquisadores que foram ou estão indo para o exterior já têm alguma condição. Por outro lado, aqueles que vieram de uma classe mais baixa acabam ficando no país e migrando para outras profissões”, diz. “De 2019 para 2020, o Brasil deixou de titular 4 mil doutores.”

Para a ANPG, a reversão desse quadro passa pela garantia e ampliação do orçamento para pesquisa no país e por valores mais competitivos das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Atualmente, um doutorando com bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ganha R$ 3,1 mil por mês.

A entidade também defende a criação de 50 mil bolsas de pós-doutorado para fixação de recém-doutores no país; o reconhecimento da pesquisa científica como trabalho, com garantia de direitos trabalhistas como férias e licença-maternidade; a inclusão dos anos de mestrado e doutorado na contagem da Previdência Social; e a adequação dos currículos da pós-graduação a necessidades do setor produtivo para incentivar a contratação de pesquisadores por empresas.

As demandas estão em linha com os desejos de mais de 1,2 mil pesquisadores brasileiros que vivem no exterior. O grupo indicou as razões para a diáspora e as medidas necessárias para o retorno em um estudo do Nepp/Unicamp (Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade de Campinas) liderado pela professora Ana Maria Carneiro e concluído em agosto.

“São três principais motivos que levaram à saída: oferta de trabalho ou pós-doutorado no exterior, melhores condições de financiamento para pesquisa e outras atividades acadêmicas, e melhor acesso à infraestrutura de pesquisa. Em quarto lugar aparece a melhor qualidade de vida”, conta Carneiro.

Para ela, não se trata de uma “fuga de cérebros”, mas de uma “diáspora científica” já que os pesquisadores no exterior podem ser encarados como um ativo do Brasil e não necessariamente como uma perda. “Não é um jogo de soma zero em que, para um ganhar, o outro tem que perder. Há várias formas de retribuição e cada diáspora tem uma característica. A região de Bangalore, por exemplo, se beneficiou dos indianos que retornaram e que mantiveram conexões com outros indianos e americanos no Vale do Silício”, exemplifica.

O que o governo pretende oferecer
No pilar voltado para as universidades e instituições de ciência e tecnologia, Fernandes afirma que o novo programa oferecerá bolsas de fixação com duração de cinco anos e “valores competitivos”. Além disso, no caso das instituições públicas, haverá o esforço para a oferta de concursos públicos nas áreas de atuação dos repatriados após o período de fixação.

Já no eixo das empresas, a Finep deverá oferecer subvenção àquelas que empregarem mestres e doutores em projetos de inovação. Outras ações em estudo são iniciativas para criação de startups e retenção de recursos humanos qualificados em competições de mercado agressivas, como a observada na contratação de engenheiros brasileiros pela Boeing.

De acordo com o secretário, o programa de bolsas será operado pelo CNPq, com lançamento de editais englobando as diferentes áreas do conhecimento. Para o setor empresarial, a expectativa é que as propostas possam ser submetidas em fluxo contínuo, com maior financiamento para áreas relacionadas ao complexo industrial do setor de saúde, defesa, transição energética, descarbonização e digitalização.

“O desenvolvimento do país depende da estruturação de cadeias produtivas que agreguem valor e que se refiram a conhecimento desenvolvido aqui”, diz Fernandes. “Reter a capacidade de geração de conhecimento, na medida em que haja vontade desses recursos humanos em que o país investiu de desenvolver as carreiras no Brasil, é fundamental para dar solidez e sustentabilidade ao desenvolvimento nacional.”

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  • Data: 28/09/2023 09:09
  • Alterado:28/09/2023 21:09
  • Autor: Stefhanie Piovezan
  • Fonte: FOLHAPRESS









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