Bolsonarismo encara reveses, mas segue forte com votação expressiva e empurrão de Trump
Por outro lado, eleições sinalizam abertura para contestação da liderança de Bolsonaro no campo da direita radical
- Data: 10/11/2024 09:11
- Alterado: 10/11/2024 09:11
- Autor: Redação
- Fonte: Ana Luiza Albuquerque/Folhapress
Bolsonaro fala a seus apoiadores em São Bernardo
Crédito:Rodilei Morais/ABCdoABC
As eleições municipais deixaram um saldo positivo para o bolsonarismo, que encarou reveses e teve dificuldades de eleger prefeitos, mas ainda assim garantiu votações expressivas de norte a sul.
A vitória do norte-americano Donald Trump, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também dá fôlego ao movimento, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.
O centrão se consagrou como o grande vencedor do pleito de 2024, que teve a maior taxa de reeleição desde a redemocratização.
O sucesso do bloco, composto por partidos em geral alinhados a um conservadorismo mais tradicional, não indica, porém, que os eleitores tenham se afastado da plataforma de direita radical, como a representada por Bolsonaro.
“[A eleição municipal] É um voto muito mais da máquina, do fundo eleitoral, do que o prefeito conseguiu entregar”, afirma Daniela Costanzo, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo).
“Quando essa discussão vai para o plano federal, fica muito mais radicalizada. As pessoas vão para os grandes temas da política”, completa.
Também não é suficiente olhar apenas para os candidatos vitoriosos, diz Jorge Chaloub, professor de ciência política na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Nas principais capitais não foi a ultradireita que ganhou, mas ela demonstrou ter voto”, diz.
Ele também ressalta que candidatos alinhados à centro-direita tradicional, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB), precisaram fazer acenos a pautas radicalizadas para ganhar eleitores. “A necessidade de fazer esses movimentos já me coloca um pé atrás sobre achar que foi uma vitória da moderação.”
Candidatos do bolsonarismo ou identificados com pautas da direita radical alcançaram largas votações. Foi o caso de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, de André Fernandes (PL) em Fortaleza, de Bruno Engler (PL) em Belo Horizonte, de Cristina Graeml (PMB) em Curitiba e de Fred Rodrigues (PL) em Goiânia.
“Para Bolsonaro é muito importante manter a base dele”, afirma Costanzo. “Só o fato de irem para o segundo turno já significa muito. O Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] ganhou mais que o Bolsonaro, mas isso não significa que o bolsonarismo esteja fraco.”
Por outro lado, afirma Chaloub, Bolsonaro falhou como estrategista político. “São Paulo marca isso. Não soube escolher brigas, ampliar alianças. Foi uma derrota na estratégia, mas ele mostrou capacidade de influenciar o eleitor.”
A maior novidade destas eleições, que ameaça Bolsonaro como referência da direita radical, foi a onda provocada por Marçal, diz David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita e professor de relações internacionais na PUC-SP.
O influenciador teve um crescimento vertiginoso nas eleições em São Paulo, se vendendo como o único político antissistema no pleito e desbancando Nunes, candidato oficial de Bolsonaro, entre eleitores do ex-presidente. Quando Bolsonaro finalmente tentou conter o crescimento de Marçal, seus próprios seguidores inundaram suas redes com críticas.
“Marçal mostrou uma alternativa em termos de liderança para a direita radical, e fez questão de estabelecer esse contraste colocando Bolsonaro ao lado das forças da política profissional”, afirma Magalhães.
Para Chaloub, o influenciador é um sintoma dos movimentos atrapalhados do ex-presidente, e a inelegibilidade de Bolsonaro também abre caminho para que outras figuras contestem sua liderança.
Marçal, que já afirmou concorrer à Presidência ou ao Governo de São Paulo em 2026, deve disputar novamente a partir do discurso antissistema, contra um candidato de linhagem bolsonarista, como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), projeta Magalhães.
Ele afirma que a ascensão do influenciador também pode ser explicada pela ausência de um partido de direita orgânico e ideológico, capaz de aglutinar o campo em torno de um único candidato.
“Nossa direita sempre foi fragmentada e dependeu de uma liderança carismática. Bolsonaro conseguiu aglutinar várias tendências da direita. A Faria Lima, a neopentecostal, os nostálgicos da ditadura”, diz. “Na medida em que essa liderança se afasta e surge uma outra, a direita se divide entre quem deve apoiar.”
Se o bolsonarismo deu sinais de força nas eleições municipais, agora ganha um empurrão extra com a eleição de Trump. Para Magalhães, considerando a influência dos Estados Unidos, o primeiro efeito será a normalização do discurso radical.
“Com o Senado e a Suprema Corte nas mãos, essas práticas tendem a ser ainda mais normalizadas. Acho que [a vitória] é um recado muito forte a respeito da aceitação dessas ideias”, diz. “As forças progressistas estão em recuo e, as conservadoras, em avanço. É um conservadorismo com traços autoritários, xenofóbicos, racistas.”
Ele afirma que a vitória de Trump deve aumentar o apoio da opinião pública a Bolsonaro e energizar sua base. Por outro lado, não deve ter efeitos práticos sobre uma pouco provável reversão de sua inelegibilidade, ou sobre decisões do Supremo Tribunal Federal.
Chaloub concorda que a eleição do republicano é positiva para todas as lideranças da ultradireita global, incluindo Bolsonaro. Ele afirma, porém, que Trump adota uma postura mais refratária à intervenção em outras nações e, por isso, a influência em prol do aliado também pode ser restrita.
“Por um lado tem a aplicação de valores da ultradireita. Por outro, não é um governo que vá defender uma intervenção fortíssima”, diz. “Nesse sentido, não sei se dá para esperar o tamanho da ajuda que por vezes figuras próximas ao Bolsonaro esperam.”
Ainda assim, Chaloub lembra que os recados do presidente Joe Biden de que os Estados Unidos não apoiariam uma intervenção antidemocrática foram um dos motivos que frustraram a tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro em 2022. Com Trump, o cenário provavelmente teria sido diferente, afirma. “Uma intervenção para dissuadir um golpe da ultradireita me parece improvável. Não me parece que Trump se moveria contra isso.”
Diagnóstico do bolsonarismo, segundo especialistas
1. Vitória do centrão nas eleições municipais não aponta para moderação do eleitor. Pleito tem uma perspectiva muito local, com grande influência da máquina, e teve taxa de reeleição histórica neste ano. Discussão no plano nacional é mais radicalizada
2. Ainda que candidatos radicais da direita tenham perdido nas grandes cidades, muitos deles alcançaram votação expressiva, o que indica que o bolsonarismo segue forte
3. Falta de traquejo e de estratégia de Bolsonaro, associadas à sua inelegibilidade e à ausência de um partido de direita orgânico capaz de aglutinar o campo, abre caminho para que outras figuras desafiem sua liderança, como Pablo Marçal
4. Eleição de Donald Trump fortalece Bolsonaro por potencializar e normalizar valores da ultradireita global. Além disso, é difícil esperar do republicano a mesma disposição do presidente Joe Biden, que deixou claro que os Estados Unidos não apoiariam tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro. Isso poderia abrir caminho para investidas autoritárias no Brasil
5. Por outro lado, vitória de Trump não deve influenciar a pouco provável reversão da inelegibilidade do ex-presidente ou decisões do STF