Atípico, fogo no pantanal em novembro assusta e cerca moradores em meio à seca
O bioma já tem certa adaptação ao fogo, mas a situação em novembro é consideravelmente diferente
- Data: 16/11/2023 22:11
- Alterado: 16/11/2023 22:11
- Autor: PHILLIPPE WATANABE, EDUARDO KNAPP E NICHOLAS PRETTO
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Reprodução/BDF
“As estações estão completamente diferentes. É tempo de chuvarada. A gente está vendo que está mudando tudo, o clima mudou.”
Seu Elias, ou Elias Francisco Xavier, 69, resume assim a situação atual do pantanal, que passa pelo seu pior novembro de queimadas na história, em meio à falta da “chuvarada” típica do período.
São décadas vivendo no pantanal -ou, ao menos, em um pantanal que ele já não enxerga mais com tanta clareza. “Vamos ver disso aí para pior, pode prestar atenção. Esse pantanal já era. Se continuar nessa, já era, isso aqui já foi”, diz ele, que mora em um barraco na beira da BR-262, na região de Miranda (MS). Além de sua moradia há 16 anos, o local serve como sua borracharia e vendinha.
A conversa com a Folha de S.Paulo é interrompida algumas vezes por ligações recebidas no celular. São pessoas de barracos vizinhos perguntando onde estão as chamas que castigam o bioma.
Seu Elias está sozinho. Apesar das ligações, os outros barracos estão vazios e sem cuidados, com acúmulo de sujeira em volta, uma situação que incomoda e preocupa o agora único morador do entorno.
A preocupação tem motivo: as frentes de fogo empurradas pelo vento forte na região não estão tão distantes, como ele mesmo conta ao telefone.
Uma delas parou, pelo menos por enquanto -há ainda alguns locais onde se vê fumaça-, após varrer parte da região conhecida como Passo do Lontra, a cerca de 8 km da casa de Elias.
A comunidade do Passo do Lontra está a poucos passos de uma área com vegetação completamente queimada, às margens do rio Miranda. Nos momentos mais críticos, o fogo e a fumaça fizeram com que as crianças na comunidade passassem mal e tivessem que ser evacuadas para algumas pousadas próximas.
Julio Cesar Silva Parronchi, 36, que nasceu no Passo do Lontra, é guia de pesca e também líder de brigada de incêndio na comunidade.
“A gente achou que nem ia pegar fogo este ano”, diz. Ele se refere aos meses anteriores, agosto e setembro, especialmente, quando se espera que haja uma maior presença de fogo na região. Em 2023, porém, a situação dos focos de incêndio estava abaixo das médias históricas para esses meses.
O bioma já tem certa adaptação ao fogo, mas a situação em novembro é consideravelmente diferente. Desde o início deste século, o recorde de focos de queimada no bioma para o mês havia sido em 2002, com 2.328 focos. O mês atual, ainda na metade, já soma 3.024.
Considerando o início da série histórica, em 1998, a média para novembro é de 441 focos. Novembro deste ano já supera 6,8 vezes essa média. Todos esses dados são provenientes do Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Julio conta que, até onde lembra, nunca viu um novembro de fogo como esse. Sua fala repete a impressão de diversas pessoas que estão na região há décadas, inclusive bombeiros.
“É atípico esse tamanho de área queimada para novembro”, diz Leonardo Gomes, diretor de relações institucionais da ONG SOS Pantanal, que está ajudando no combate às chamas em Mato Grosso.
“Por outro lado, eu não diria que é uma surpresa, em função dos eventos climáticos que estamos presenciando. É uma novidade, mas não deveria ser uma surpresa. As mudanças climáticas são uma realidade. Todos nós vamos sofrer, de maneiras diferentes, esses efeitos.”
Análise da pesquisadora Ana Paula Cunha, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), mostra que no último mês (de 15 de outubro a 15 de novembro) a seca é predominante no bioma. As imagens de satélite indicam que quase a totalidade do bioma foge ao padrão de chuvas para o período.
A própria hospedagem onde Gomes e outras pessoas que combatem as chamas estão instaladas em Mato Grosso está cercada pelas chamas. Ele classifica a situação como grave.
Em Mato Grosso do Sul, próxima a uma das pontes que são parte da BR-262, o receio da proximidade do fogo com casas se concretizou e virou cinzas. Uma pequena construção onde moravam vendedores de iscas de pesca foi consumida pelas chamas que corriam paralelamente à rodovia.
Geladeira, cama, fogão, tudo foi queimado. Os moradores do local, às margens de um pequeno corpo d’água onde, como de costume na região, moram alguns jacarés, deixaram para trás pratos e talheres sujos sobre uma mesa de plástico, além de óculos de leitura.
Em meio à destruição da casa, sobreviveram, sem sinais de ferimentos, dois gatinhos, que estavam escondidos entre caixas d’água no local no momento em que a reportagem esteve na área. A Folha de S.Paulo buscou informações sobre o que será feito com os animais. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, os moradores já foram avisados sobre os bichanos sobreviventes.
A situação das entidades envolvidas no combate às chamas no pantanal melhorou, segundo Gomes, em relação a 2020, ano em que o bioma viveu outro período histórico de queimadas.
“Mas ainda está muito aquém do precisaria para fazer frente a esse desafio. Alguns pontos ainda não avançaram, como a comunicação, a logística, porque você não tem acesso a muitas áreas.”
Para Alexandre Bossi, presidente do SOS Pantanal, o pantanal precisa de um plano de manejo conjunto entre o governo federal e os governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “As secas serão mais severas e mais longas, e o pantanal será atingido em cheio”, diz. “Em 2023 já perdemos a batalha, e precisamos da chuva. Para 2024, precisamos nos preparar.”