Aplicativos de transporte de duas rodas geram queda de braço em São Paulo
Luiz Vicente, novo colunista de Mobilidade do ABCdoABC, analisa o embate entre aplicativos de transporte de duas rodas e a Prefeitura de São Paulo, ressaltando a importância de ouvir os usuários em meio a essa disputa
- Data: 28/01/2025 16:01
- Alterado: 28/01/2025 19:01
- Autor: Luiz Vicente Figueira de Mello Filho
- Fonte: ABCdoABC
Crédito:Bruno Peres/Agência Brasil
Ao longo de duas semanas, presenciamos pelos noticiários uma falta de definição sobre o que pode ou não pode no transporte por aplicativo de duas rodas na cidade de São Paulo.
O fato é que, nesta queda de braço, o passageiro, principal protagonista desta disputa, ficou de lado. Quem gera a demanda do transporte é quem o solicita, e a opinião dessas pessoas, que deveriam ser o foco, nem sequer foi consultada.
As empresas de aplicativos, que são duas na prestação de serviços, se amparam no fato de que o serviço está de acordo com a atividade regulamentada pela Lei Federal 13.640/2018 e prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei Federal 12.587/2012. A Prefeitura de São Paulo, por outro lado, baseia-se em leis locais para argumentar que a prestação de serviços sem autorização do município é considerada clandestina, conforme as Leis 15.676/2012 e 16.344/2016. Dessa proibição, já há uma determinação judicial para que os serviços sejam interrompidos na cidade.
Conflitos históricos e a concorrência no transporte urbano
Vocês se lembram de alguma disputa similar a esta, mas com os taxistas? Pois bem, agora o conflito está relacionado a outra modalidade de transporte: o transporte público por ônibus, que tem uma concessão da prefeitura e concorre por rotas com os aplicativos de duas rodas.
O mesmo ônibus que, nas décadas de 1940 e 1950, foram os desbravadores do crescimento e desenvolvimento da cidade de São Paulo e, de certa forma, contribuíram para o sucateamento dos bondes, que poderiam ter sido os VLTs de hoje, agora sofre concorrência das motocicletas.
A disputa de território entre diferentes modalidades de transporte não é nova, mas a tecnologia que temos hoje, na palma das mãos, muda tudo! E os transportes públicos convencionais não conseguem acompanhar, nem de longe.
Redução de passageiros no transporte público
O que podemos observar ao longo dos últimos dez anos é que o transporte público por ônibus, na cidade de São Paulo e nos grandes centros urbanos do país, perde passageiros anualmente. Essa perda foi de 44% na cidade de São Paulo, e a tendência é reduzir ainda mais.
Mesmo com um longo período sem reajustar as tarifas nos últimos três anos, em média, ocorreram perdas significativas de passageiros. Passadas as eleições municipais e as definições de quem está no comando, o início de 2025 trouxe uma avalanche de reajustes nas tarifas de ônibus pelo país, inclusive nas cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
O impacto nas famílias de baixa renda
No entanto, não se aprofundaram em avaliar que esse aumento nas tarifas, que faz parte do aumento do custo de vida dos brasileiros, poderia ter uma alternativa para balancear o orçamento familiar. O transporte de famílias de baixa renda, que atua na informalidade, representa até 15% do orçamento mensal, e qualquer opção que possa gerar uma diferença expressiva no fim do mês é bem-vinda.
O papel dos aplicativos de duas rodas
Voltando aos aplicativos de duas rodas, antes conhecidos como mototáxi, muito difundidos e aceitos em muitas cidades do país, eles iniciaram suas atividades no século passado e foram aperfeiçoados recentemente por meio dos aplicativos.
São fundamentais para muitas necessidades de quem não tem veículo próprio e precisa chegar em casa, muitas vezes localizada em bairros da periferia, onde a frequência do transporte público por ônibus não é alta, principalmente em horários fora do expediente comercial.
Alguém parou para perguntar por que o público maior de passageiros de aplicativos de duas rodas é do sexo feminino? E que ficar aguardando o ônibus no terminal, para chegar a um ponto próximo de casa, é moroso? E que ainda se corre o risco de assalto e violência sexual na última etapa do percurso após uma jornada de trabalho?
Antes de qualquer disputa, precisamos ouvir o público-alvo, e essa etapa praticamente não existiu. É necessária uma regulamentação? Sem dúvidas! Mas, além da regulamentação, é obrigação do poder público disponibilizar possibilidades que surjam a partir das deficiências do transporte público por ônibus.
As motocicletas bateram recorde de emplacamentos em 2024! Esse dado já deveria ser um indicador de que esse meio está substituindo outras modalidades, e essa onda das duas rodas não pode ser evitada. Deve-se trabalhar para que os riscos de acidentes não aumentem ainda mais.
As pessoas? Deveriam ser as primeiras a serem consultadas. São elas que elegem os governantes e devem ser constantemente ouvidas. Essa é a base de tudo quando pensamos em um ambiente harmonioso, que engloba a mobilidade urbana.
Luiz Vicente Figueira de Mello Filho
Especialista em mobilidade urbana e agente de transformação nesse setor. Atualmente, é colunista de mobilidade do portal ABCdoABC. Atua como pesquisador no Programa de Pós-Doutorado em Engenharia de Transportes e é professor credenciado na Faculdade de Tecnologia da Unicamp. Possui doutorado em Engenharia Elétrica pelo Departamento de Comunicação da FEEC/Unicamp (2020), mestrado em Engenharia Automotiva pela Escola Politécnica da USP (2009) e pós-graduação em Comunicação e Marketing pela Faculdade Cásper Líbero (2005). Formado em Administração de Empresas (2002) e Engenharia Mecânica (1999) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.