Abin apontou Trump como liderança global antivacina e minimizou movimento no Brasil
Documento considerou grupos brasileiros desarticulados e disse que americano recrudesceu teses contra a imunização
- Data: 18/10/2024 10:10
- Alterado: 18/10/2024 10:10
- Autor: Redação
- Fonte: Mateus Vargas/Folhapress
Donald Trump
Crédito:Alan Santos/PR
Em relatório elaborado em 2017, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) avaliou que Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos e agora novamente candidato à Casa Branca, reanimou o movimento antivacina global.
O mesmo documento afirmou que havia relatos na imprensa sobre resistência à imunização no Brasil, mas minimizou o grau de articulação de grupos nacionais antivacina.
“Tal crescimento pode estar associado ao recrudescimento internacional do movimento antivacinal. Entretanto, o movimento no Brasil é restrito a relativamente poucos indivíduos e não conta, até o momento, com o apoio ostensivo de organizações, políticos ou personalidades de destaque”, disse o documento obtido pela reportagem via Lei de Acesso à Informação.
O relatório de inteligência foi elaborado antes da pandemia da Covid-19, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL), eleito em 2018, tornaria-se um vetor de desinformação sobre a vacinação.
Inspirado em Trump, o brasileiro abraçou a hidroxicloroquina como bandeira contra o coronavírus -o remédio não tem eficácia contra a doença e seria deixado de lado pelos EUA.
A agência de inteligência apontou que Trump, ainda em 2014, usou dados falsos para associar a vacinação infantil ao desenvolvimento do autismo.
“O movimento antivacina mundial recrudesceu desde as eleições de Donald Trump, que defendeu publicamente a relação entre autismo e vacinação e é crítico da política vacinal dos EUA. Outras personalidades do meio artístico e político estadunidense contribuem para o aumento de popularidade do movimento”, afirmou a agência.
A análise da Abin tem cinco páginas e o título “as origens do movimento antivacinal no mundo e o panorama preliminar do movimento antivacinal no Brasil”. O documento recebeu carimbo de reservado, tornando-se sigiloso por cinco anos.
O órgão brasileiro disse que Trump impulsionou o argumento negacionista de Andrew Wakefield, que teve licença médica cassada devido a estudo fraudulento que vinculava a tríplice viral ao autismo.
“Trump teria se reunido com Wakefield e outros ativistas antivacinais pouco antes de ser eleito. O trailer do documentário [Vaxxed, relacionado ao artigo de Wakefield] promove o depoimento antivacinal de vários políticos do Partido Republicano, o mesmo partido de Trump. Além de Trump, outras personalidades defendem argumentos antivacinais e ajudam a proliferar o movimento internacionalmente”, disse a Abin.
Apesar de ter minimizado a força dos grupos brasileiros que disseminavam dados falsos sobre a vacinação, a agência apontou que o movimento “ameaça a erradicação de doenças como o sarampo, mesmo em países com alta cobertura vacinal, como o Brasil”.
“O movimento antivacinal brasileiro não é organizado e se restringe a poucos grupos abertos em redes sociais, mas envolve alguns milhares de perfis que supostamente são simpáticos à não vacinação das crianças”, afirmou a agência.
A Abin concluiu que medidas para reforçar a obrigatoriedade da vacinação no Brasil seriam “eficazes contra a ampliação do movimento”.
O relatório de inteligência foi elaborado em agosto de 2017, durante o governo Michel Temer (MDB), e encaminhado ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e aos ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social e da Educação.
O relatório dedica pouco mais de uma página para tratar do movimento antivacina no Brasil. A agência apontou que os integrantes se organizavam em grupos no Facebook. Em um deles, com cerca de 8 mil membros, havia depoimentos de pais brasileiros que se recusavam a vacinar os filhos, segundo a Abin.
“No grupo são publicadas dicas, por exemplo, de como burlar a exigência de apresentar a carteira de vacinação da criança nas escolas: ‘dizer que perdeu e apresentar boletim de ocorrência’. Como a vacinação das crianças é obrigada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), membros do grupo estão claramente incitando o descumprimento de uma obrigação legal”, afirmou ainda a agência.
A Abin também acompanhou dois grupos brasileiros contra a vacinação para HPV e rotavírus, com mais de 5.000 membros cada. “Ambos não mostram vinculação com personalidades ou com organizações que defendem a causa.”
Como a Folha de S.Paulo revelou, a Abin criticou a gestão Trump durante a pandemia da Covid-19. Em relatório de março de 2020, a agência disse que o presidente dos EUA “minimizou a gravidade do surto e tomou medidas limitadas para enfrentá-lo”.
Parte da base de apoiadores de Trump é contrária à vacinação. Em 2021, o ex-presidente chegou a ser vaiado durante evento depois de confirmar que havia tomado dose de reforço da vacina.
Em vídeo vazado em julho de 2024, Trump repetiu teorias da conspiração sobre imunização.
O Brasil reverteu a tendência de queda e ampliou a vacinação infantil em 2023. Isso fez com que o país saísse da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo.