A árvore de Rafik, um conto arabesco

Uma breve história alegórica que nos transporta às sabedorias orientais. Conto de Nelson Albuquerque Jr.

  • Data: 10/04/2020 08:04
  • Alterado: 10/04/2020 08:04
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
A árvore de Rafik, um conto arabesco

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Rafik subiu o morro. Grama baixa, pouco verde, mais amarelada, marrom, um descampado imenso. Caminho sem fim. No alto, uma árvore solitária. Como dizem, para elogiar, frondosa. Sombra hospitaleira. Amiga. Ele andava sob um sol de castigar. Subida seca. Suor salgado. Andava. Como um camelo resiliente ou desesperançado. Andou. Até chegar. Parou, bem perto, a observar a árvore. Braços largados ao lado do corpo sofrido. Dominou o desejo de se estirar logo na terra fresca à sua frente. Esperava pelo fim da ansiedade. Teimoso, sob o sol. Controlava o cansaço e a euforia. A respiração assentava aos poucos. E notou um leve vento nas folhas. Soprava à esquerda. A árvore rompeu o silêncio. “Ou sopra à direita ou sopra à esquerda. Sempre assim”. Rafik não percebeu de onde vieram as palavras. Pensou: “O que é isso?” “Sou eu, rapaz, Muliat, bem à sua frente”. Rafik ainda não entendia e se perguntava de onde vinha a voz. “Daqui. De mim mesma, a sua árvore”. Sem abrir a boca, ele conseguia ser ouvido. Seus pensamentos estavam soltos no ar. Livres, até se dissiparem. Mas, tão perto, Muliat podia absorvê-los, lê-los, interpretá-los. Rafik não ouvia sons, mas sentia as palavras. “Já pode se deitar e descansar”. “Obrigado”.

Deitado e tranquilo, ele sentiu seu corpo se dissolver no solo fresco. As pernas eram como sorvete no calor. As costas também se derretiam e se moldavam à terra. Suspirou, e a árvore riu. “Vocês, humanos, são muito fracos. Não aguentam um solzinho”. “Não temos raízes que nos refrescam por baixo”. “Mas são muito bons em respostas”. Rafik fechou os olhos. E percebeu que, de olhos fechados, não ouvia Muliat. Assim permaneceu. Optou pelo silêncio para poder descansar melhor.

Ao acordar, viu uma única fruta na árvore. Esticou o braço até alcançá-la. Comeu e recuperou um pouco de suas energias. “Que delícia!”, pensou. “Que bom que gostou”. O rapaz assustou e logo lembrou que tinha uma árvore lendo seus pensamentos. Ela continuou: “Fiz essa fruta enquanto você dormia”. “Essa coisa consegue ouvir tudo o que eu penso?” “Não estou só ouvindo. Achei que podia ser uma conversa entre nós. E nunca me chamaram assim. Coisa. É um tanto ofensivo”. “Me desculpe, mas eu gostaria de ficar em paz”. “A paz está exatamente dentro de você”. “Será que pode ficar um pouco quieta?” Houve uma breve pausa. Um certo suspense pairou no ar. Até o vento começar a balançar as folhas. “Ou sopra à direita ou sopra à esquerda. Sempre assim”. “Acho que você já disse isso”. “Mas agora está soprando à direita”. “Bom, não estou a fim desse papo, já vou embora”. “O vento está soprando à direita”. “E eu com isso?” “É melhor você ir para a esquerda”.

Irritado, o ingrato foi para a direita. Muliat ainda tentou: “Para a esquerda, a esquerda”. Rafik bufou, fechou os olhos para não ouvir a árvore e seguiu andando com mais velocidade. Sem nada ouvir, sem nada ver, foi se encaminhando para o lado do abismo.

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  • Data: 10/04/2020 08:04
  • Alterado:10/04/2020 08:04
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  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.









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