Luna Alkalay e a Revolução do Cinema Feminino na Terceira Idade
Tiradentes celebra o cinema feminino com Luna Alkalay, que desafia estereótipos e aborda relações complexas em "Trópico de Leão".
- Data: 31/01/2025 01:01
- Alterado: 31/01/2025 01:01
- Autor: redação
- Fonte: Folhapress
Crédito:Divulgação
No contexto do festival dedicado à cultura contemporânea, a cidade de Tiradentes tem se destacado este ano por sua homenagem a cineastas de renome, incluindo Antonio Pitanga e Julio Bressane, culminando com a participação de Luna Alkalay, uma figura intrigante e menos conhecida dentro desse seleto grupo.
Em um momento em que o cinema feminino busca espaço equitativo em relação ao masculino, Alkalay surge como uma voz relevante de um passado em que as mulheres cineastas eram frequentemente subestimadas. Sua trajetória é marcada pela luta e pela resistência, tendo dirigido o filme “Cristais de Sangue”, lançado em 1975, que refletia os desafios da época da ditadura. Agora, com “Trópico de Leão”, exibido na última quarta-feira, a diretora apresenta uma nova perspectiva ao contar a história de uma mulher na casa dos 70 anos que se recupera de um relacionamento desequilibrado com um homem significativamente mais jovem.
Luna Alkalay, formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo durante as décadas de 1960 e 1970, utiliza figuras mitológicas como Caronte, Eco, Penélope e Medeia para enriquecer seu enredo. Cada personagem traz consigo um simbolismo profundo que auxilia na jornada da protagonista para se libertar das amarras de seu passado amoroso com o jovem Narciso.
A cineasta se refere a si mesma como “velha”, preferindo o termo “idosa”, e isso ressoa fortemente entre o público feminino. “Trópico de Leão” aborda a vida afetiva e sexual das mulheres mais velhas com franqueza e coragem, retratando uma relação abusiva onde a vulnerabilidade da mulher é explorada por seu parceiro.
O diferencial da obra está na maneira como Alkalay articula sua própria narrativa. Alternando entre sua presença nas discussões do roteiro e as interações das figuras mitológicas, ela constrói uma busca por autoconhecimento que revela os dilemas emocionais enfrentados após um rompimento, inclusive o pensamento sobre suicídio.
Este filme-ensaio reflete a jornada pessoal da diretora, transformando experiências trágicas em dramáticas. As figuras mitológicas são utilizadas para expressar diferentes reações diante do sofrimento: Eco pede a Caronte que a liberte da dor; Penélope destrói sua teia de esperança; e Medeia busca vingança.
O feminismo, que historicamente tem lutado pela emancipação feminina muitas vezes de forma abstrata, encontra no trabalho de Alkalay um novo ângulo para análise e discussão.
Com o tema deste ano sendo “Que Cinema É Esse?”, há uma provocação implícita para reflexão sobre a viabilidade das obras apresentadas em Tiradentes nos circuitos comerciais. A pergunta persiste: essas produções conseguirão alcançar as salas de cinema tradicionais ou plataformas de streaming além do Canal Brasil?
Embora muitos filmes exibidos sejam interessantes ou até mesmo excepcionais, surge o questionamento sobre sua capacidade de serem distribuídos amplamente. Este desafio é colocado pela 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes aos cineastas contemporâneos: criar obras que transcendam as expectativas do público médio sem perder a autenticidade ou apelo.
Na quarta-feira, apesar da chuva intensa que prejudicou algumas exibições, destacaram-se dois filmes: “Deuses da Peste”, dirigido por Gabriela Luiza e Thiago Mata Machado, e “#Sem Título 9: Nem Todas as Flores da Falta”, de Carlos Adriano. Este último é conhecido por sua expertise em montagem e na reinterpretação de arquivos cinematográficos para construir uma autobiografia através da coletânea.
Por fim, embora não tenha sido possível analisar “A Voz de Deus” — que retrata ao longo dos anos a vida e os anseios de dois jovens pregadores — os breves trechos apresentados durante a sessão “Corte Final” prometem um produto final intrigante.