O indulto natalino e a humanização da política penal brasileira
Decreto prioriza grupos vulneráveis, combate a superlotação prisional e reforça o compromisso com a dignidade humana
- Data: 24/12/2024 14:12
- Alterado: 24/12/2024 14:12
- Autor: Arthur Richardisson
- Fonte: Assessoria
O advogado criminalista Arthur Richardisson
Crédito:Divulgação
O indulto natalino de 2024, concedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa um marco no esforço contínuo de humanização da política criminal e penitenciária no Brasil. Publicado em edição extra do Diário Oficial, o decreto deste ano prioriza indivíduos em situações de alta vulnerabilidade social, como idosos, gestantes, pessoas com deficiência, portadores de doenças graves, incluindo HIV, ou em estágio terminal de saúde.
Entre os grupos contemplados pelo perdão da pena estão mulheres grávidas com gestação de alto risco, bem como mães e avós que cumprem pena por crimes sem grave ameaça ou violência. Para acessar o benefício, essas mulheres devem comprovar que são indispensáveis para o cuidado de crianças de até 12 anos, ressaltando a importância da preservação dos laços familiares e do bem-estar das crianças.
O indulto também inclui pessoas privadas de liberdade que apresentam transtorno do espectro autista severo ou condições como paraplegia, tetraplegia ou cegueira. A decisão de priorizar esses grupos reafirma o compromisso do Estado com o tratamento digno e a garantia de direitos fundamentais, mesmo em situações de privação de liberdade.
Previsto na Constituição Federal, o indulto é uma prerrogativa do presidente da República, cuja regulamentação é revista anualmente. Mais do que um ato de clemência, ele é uma ferramenta legítima da política criminal, utilizada para enfrentar desafios estruturais do sistema prisional, como a superlotação e as condições insalubres.
O decreto deste ano foi elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com a validação do Ministro Ricardo Lewandowski. E um primeiro ponto é que o indulto coletivo delineia claramente os crimes que não permitem o benefício, como crimes hediondos, tortura, lavagem de dinheiro com penas superiores a quatro anos, crimes de organizações criminosas, terrorismo, racismo, tráfico de pessoas, genocídio, corrupção com penas superiores a quatro anos, crimes ambientais, crimes contra a administração pública, entre outros.
Destaca a inovação ao vedar o indulto para o crime de abuso de autoridade, diante da violência policial. Além disso, pessoas que fazem parte de facções criminosas, estão sob o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) ou cumprem pena em estabelecimentos de segurança máxima também não são beneficiadas. O objetivo é encontrar um equilíbrio entre a concessão do instrumento humanitário e a manutenção da segurança pública. Há uma preocupação clara em não conceder indulto a crimes de alta gravidade ou que violem direitos humanos e o Estado Democrático de Direito.
Além disso, destaca-se a manutenção do perdão das penas de multa, mesmo diante da posição do Ministério Público, que defendia em diversas audiências públicas a sua exclusão. Essa decisão representa um forte avanço na luta contra o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.
Ao perdoar as multas, o decreto reconhece que muitos egressos do sistema prisional enfrentam barreiras financeiras que dificultam sua reintegração social. Dívidas decorrentes de multas podem se tornar um fardo insustentável, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão. Com essa medida, busca-se oferecer uma nova chance para que essas pessoas reconstruam suas vidas, consigam empregos e cuidem de suas famílias, sem a sombra de uma dívida impagável.
O impacto positivo dessa decisão vai além do benefício direto aos ex-condenados. Afinal, investir na reintegração social e na redução de obstáculos financeiros pode trazer efeitos duradouros para a sociedade como um todo, diminuindo índices de reincidência e promovendo maior inclusão social.
O indulto natalino não é apenas uma tradição anual; representa um compromisso do Estado em adotar uma abordagem mais humana e justa na aplicação das penas. Medidas como esta ajudam a aliviar a pressão sobre o sistema prisional e garantem que o encarceramento não signifique o abandono da dignidade humana.
Por fim, o decreto de indulto, embora tenha suas raízes no período imperial, legitima-se na Democracia como um instrumento dentro da política criminal e penitenciária que busca enfrentar o grave estado de coisas inconstitucional, aliviando a superlotação das prisões e reafirmando o compromisso com a justiça e os direitos humanos. Este é o melhor caminho.
Arthur Richardisson
Artthur é advogado criminalista, Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão responsável pela elaboração do texto do indulto deste ano e Vice-presidente do ONAC-Abracrim-Nacional.