Crítica – Gladiador II (2024)

Sequência da saga épica de 2000 é a estreia mais aguardada desta semana nos cinemas brasileiros

  • Data: 15/11/2024 11:11
  • Alterado: 15/11/2024 11:11
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC
Crítica – Gladiador II (2024)

Crédito:Divulgação

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Aviso aos historiadores: apenas apreciem o filme sem deixar que seus olhos saltem das órbitas ou desabem de suas cabeças — aqui, bem mais que uma adaptação ficcional, há também generosas doses de licença (maluca) poética. Gostando ou não, apenas e tão somente divirtam-se, mas tenha em mente algo de suma importância, o filme não é feito para vocês. Dito isso, podem seguir a leitura. Obrigado pela atenção.

Para a maioria dos fãs do filme Gladiador (2000), a mera ideia de uma sequência nunca foi vista com entusiasmo, ainda mais após as diversas declarações do ator Russell Crowe, ao afirmar que não retornaria para uma segunda parte. Pois bem, após mais de duas décadas, Ridley Scott finalmente conseguiu contar a segunda parte do filme na tela grande — e isso, sem ninguém ter pedido.

Pois é justamente nas proximidades desse período em que transcorre o plot do longa, 20 anos após os eventos de seu antecessor, onde acompanhamos o sobrinho do Imperador Commodus do primeiro filme. A trama se passa após Hanno/Lucius (Paul Mescal) ter sua casa tirada pelo império romano e ser tomado como escravo, assim ele precisa lutar na arena e revisitar seu passado na busca por honra e vingança de uma Roma (novamente) corrompida por tiranos.

Logo no primeiro ato, já percebemos a grandiosidade do filme — melhor programa para os amantes de ação, ao passo que ao ajeitar-se na cadeira a obra suscita logo de cara um grande e generoso balde de pipoca —, onde certamente a diversão é mais que garantida. Assim o espectador é recompensado em um desbunde de cenas habilmente criativas e épicas, vistas não somente em batalhas no Coliseu, mas permeadas por toda a extensão do longa, o que só reforça a competência do poder imagético de Ridley Scott em elevar o termo “épico” ao patamar que ele realmente merece. Entretanto, por vezes, o longa parece flutuar saudoso de uma certa uma substância ausente, ao passo em que nitidamente enfraquece o argumento de sua própria existência, se alicerçando em uma nostalgia aparentemente sem propósito.

Já nos créditos iniciais o que vemos parece o anunciar de uma obra grandiosa, repleto de imagens em uma pintura na tela, que confere exatamente o peso nesse tipo de projeto, terreno onde Scott de fato não decepciona ao construir um mundo repleto de camadas e lutas inesquecíveis. Mesmo assim, o longa tropeça na árdua tarefa de passar o bastão para novos protagonistas, justamente por não se equilibrar em suas próprias autorreferências, que ofuscam ao invés de enaltecer seus sucessores. Dentre os principais nomes que conectam o enredo com o antecessor, está o único nome do elenco original, a personagem de Lucilla (Connie Nielsen), agora esposa do general Marcus Acacius (Pedro Pascal), o grande líder das tropas romanas, figura respeitada pelo povo, que entre suas conquistas cruza o caminho de Hanno/Lucius. O novo protagonista desenvolvido por Pascal se esforça ao máximo (e isso não é piada), mas sente o peso de herdar o manto deixado por Russell Crowe ao interpretar o filho de Maximus.

E assim, como receita de bolo espelhada do primeiro filme, se desenvolve uma trama em meio a conluios, intrigas e vingativas traições, e neste escopo, surge o seu maior acerto, Denzel Washington na pele do ambicioso mentor de Lucius, é onde temos o personagem de Macrinus. Em um trabalho shakespeariano, Washington brilha ao evocar Macbeth para dentro da tela, onde desfila comedido seus trejeitos, sem exageros, mas igualmente genial, entregando um potente vilão como deve ser. A exemplo do realizado na franquia Mad Max pelo diretor George Miller, aqui Scott consegue criar e expandir o universo de Gladiador. Veja no caso dos Irmãos Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger), onde temos o encontro de gêmeos, que mais parecem o “bizarro” junto de “seu pior pesadelo”, se complementando entre sorrisos insanos e atos sombrios em dose dupla. Não entendeu, talvez seja melhor testemunhar em tela. Está aí outro grande acerto, o de uma maravilhosa loucura do Império Romano construída pelo diretor.

Existe também uma espécie de ponto restritivo que diz até onde podem ir, o que infelizmente limita bastante o trabalho e desenvolvimento da dupla de personagens. E o que dizer da cena em que um dos irmãos imperadores, em forma de crítica a certos governos insanos, entre um deboche disfarçado de loucura, releva leves piscadas ácidas —, quase uma caricatura que reverencia Calígula (1979) de Malcolm McDowell, comandado pelo diretor Tinto Brass. Já em Gladiador II, temos um imperador completamente louco carregando um macaco no ombro, e o nomeando ao senado, a exemplo do ocorrido em Calígula, quando o Imperador entrega a honraria ao seu cavalo, Incitatus.

Referenciar ou Reverenciar

É importante que se diga, Ridley Scott não esperava fazer uma obra de estreito compromisso com as linhas históricas, e tão pouco tinha a pretensão de superar seu antecessor, o que de fato não faz. É evidente que as conexões com o clássico de 2000 têm grande importancia, entretanto, existem formas de se conduzir a construção dessa narrativa. Aqui o cineasta parece ter ficado no meio do caminho, ao utilizar suas referências como muletas para o roteiro de Peter Craig de Top Gun: Maverick (2022). Apesar de seguir com a fluidez necessária para um filme de mais de duas horas, a trama não funciona de maneira orgânica, visto que o longa parece deixar claro a todo momento que irá referenciar o primeiro. O nome de Maximus é o eixo, que ao mesmo tempo que o filme parece precisar para se nortear nas beiradas que (en)caminham no andamento da estória, também sufocam a trama servindo de sombra ao invés de enaltecer.

Lidar com a ausência do carismático Russell Crowe em tela tem seus riscos e um preço caro, entretanto, Gladiador II (2024), procurou resolver suas questões com um time novo, precisando se virar mesmo encurralado ao optar por construir sua trama baseada no legado de Maximus. Assim, o cineasta se viu por vezes dependente da incessante autorreferência, quando a todo instante lembrava o espectador que em outrora, ali havia um grande general e até mesmo um pai.

Por outro lado, o longa parece dar toda a pinta de que tomará o caminho da manutenção de um universo próprio, a exemplo do que ocorreu com a franquia Mad Max. Desta forma, como filme de transição ele funciona, mas como sequência possui pouca sustentabilidade existencial, ao repetir exaustivamente todas as rimas narrativas de seu antecessor. Scott tenta de várias maneiras evocar tudo que funcionou anteriormente com o personagem do general Maximus Decimus Meridius (Crowe), ao construir por exemplo um amálgama do personagem juntando dois, aqui vista em personagens centrais da trama, filho e depois escravo/gladiador Lucius Aurelius Verus (Mescal), além, do general romano Marcus Acacius (Pedro Pascal).

No miolo do enredo o texto se prende e se perde no conflito cansativo entre mãe e filho, além da busca pela grandeza que outrora foi de um pai que a todo instante martelado, mas de tal maneira a nos fazer sentir saudade do passado sem nos importarmos tanto com quem ficou no presente. Além das flechas que tomaram de si o mais importava, pode-se imaginar que uma terceira parte aborde também os mistérios acerca do personagem mais carismático da trama, Macrinus.

Efeito Maximus

Há quem diga que o diretor Ridley Scott de 87 anos (no final do mês), encontra-se no ápice de uma jornada pessoal de “Desejos Antes de Partir”, neste escopo o realizador corre contra o relógio dentro da ideia de que se ele mesmo não fizer suas próprias sequências —, futuramente, alguém o fará no seu lugar. Assim, vive um momento em que tem preferido concluir seu trabalhos mais relevantes, pois ao sinal de qualquer negativa, teria de assumir o risco de o projeto cair em outras mãos.

Foi isto que (felizmente) ocorreu com a sequência de Blade Runner – O Caçador de Androides (1982). No ano passado, Scott revelou estar arrependido de não ter comandado a continuação ao preteri-la para dirigir Alien: Covenant (2017). Dessa forma, coube ao diretor Denis Villeneuve comandar a obra de um futuro distópico, que acabou faturando duas estatuetas no Oscar. Talvez a pressa e problemas como a greve dos roteiristas o tenham angustiado além da conta, dizem as más línguas que o realizador está viciado em sequencias, por isso não tem dado conta de tantos projetos simultâneos.

Ainda assim, Gladiador II (2024), consegue imprimir vigor ao futuro do gênero na sequência, além de trazer a força de um épico que somente Scott conseguiria fazer. Mesmo com seus problemas, o diretor apresentar ao público um universo excêntrico, cheio de ação e tons esquisitamente romanos, que conferem novos caminhos a trama, o que demonstra sua clara intenção de construir uma franquia abrindo portas para futuras sequências. Infelizmente o filme é uma frágil e solitária fonte autossustentável, e assim ainda não consegue parar em pé, por isso busca construir novas raízes e achar um caminho longe de seu embrião, para seguir com suas próprias pernas, por isso a dita ‘sequência’, tem mais caráter de emenda que serve de liga para o “daqui para o que virá”, mais à frente.

Por fim, próximo da conclusão em seu infeliz arco derradeiro, o enredo além de previsível se torna hiper cafona — o que gerou algumas risadas constrangidas ao meu lado, sobretudo quando o protagonista, filho e herdeiro de Roma —, em meio a uma cena entre dois grupos rivais (guerreiros que a bem pouco tempo se matavam entre si), logo após um momento de discurso motivacional, unem-se com os punhos em riste com o subir da trilha de Hans Zimmer/Lisa Gerrard e cara de herói olhando para o horizonte, da forma mais brega possível.

Se antes víamos batalha de bigas em alta velocidade, ataque de tigres e grandes sequências de lutas onde banhos de sangue corriam com gosto, de maneira orgânica e honesta, aqui tudo dá lugar a embates com um rinoceronte e decapitações — um Coliseu servindo de batalha naval com direito a tubarões famintos —, além de um confronto com um exército de babuínos assassinos. Sim, você não leu errado, tudo orquestrado em meio as parafernálias de Ridley Scott, e mesmo assim, o diretor se mostrou capaz de (re)criar um épico com “E” maiúsculo, impactando sem deixar de divertir o espectador como se estivéssemos na arena.

Muito além das inconsistências históricas, Gladiador II, é uma sequência que ninguém pediu, e mesmo assim é capaz de deixar o espectador grudado na tela com o show grandioso de belas imagens de ação. Assim, já são 24 anos do clássico instantâneo do anos 2000, enquanto a segunda parte leva, ao menos por hora, o status de “épico pop cult— talvez no futuro possa envelhecer melhor, afinal teve o triplo do orçamento do anterior, resumindo-se por enquanto a espadas, sandalhas e músculos suados com sangue e areia de Coliseu.

Desta forma, o que Ridley Scott e sua equipe fizeram no passado — muito graças ao Maximus de Russel Crowe —, ainda ecoam pela eternidade (do cinema). Assim como para os romanos, que esperavam por uma Roma curada e uma boa dose de verdade, um reforço no aviso. Me desculpem os historiadores, portadores da cruel e desinteressante realidade, mas aqui, fatalmente o polegar será do meio para baixo. Mas explico, não por falta de poderio, mas pela fraqueza em não alcançar os loros merecidos de seu predecessor, ou seja, na arena do cinema não se vive apenas de força, mas de honra, sobretudo aos seus antepassados.

SERVIÇO:
Título:  Gladiador II (2024)
Gênero: Ação/Aventura/Épico
Diretor: Ridley Scott
Roteirista: David Scarpa
Elenco: Denzel Washington, Paulo Mescal, Connie Nielsen, Pedro Pascal
Distribuidor: Paramount Pictures
Duração: 155 min

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  • Data: 15/11/2024 11:11
  • Alterado:15/11/2024 11:11
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC









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