PMs réus por mortes na Operação Escudo são levados a júri popular
Policiais alegam que agiram em legítima defesa
- Data: 10/09/2024 11:09
- Alterado: 10/09/2024 11:09
- Autor: Redação
- Fonte: Tulio Kruse/Folhapress
Operação Escudo na Baixada Santista
Crédito:Divulgação/Rota
Dois policiais militares serão levados a júri popular pela acusação de matar um homem e forjar provas durante a Operação Escudo, uma das mais letais da PM paulista. O sargento Eduardo de Freitas Araújo e o soldado Augusto Vinícius Santos de Oliveira, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), são os primeiros réus da operação a receber uma sentença de pronúncia, quando a Justiça considera que há o mínimo de provas para encaminhar o caso a um tribunal de júri.
O caso ocorreu no terceiro dia de operação, às 7h47 de 30 de julho, no Morro do Macaco, em Guarujá, no litoral paulista. A vítima era Rogério Andrade de Jesus, que morreu dentro de casa, com um tiro de fuzil no tórax.
Entre as provas consideradas para levá-los a julgamento está o fato de as câmeras corporais usadas pela equipe policial terem registrado indícios de que os policiais teriam colocado uma arma e um colete a provas de balas no barraco onde o homem foi morto. Eles também teriam deixado de acionar os equipamentos durante a ocorrência – as imagens foram captadas no modo de gravação ininterrupto, com menos qualidade de imagem e sem som – e bloqueado parcialmente as filmagens, desrespeitando protocolos da própria PM.
As câmeras também não gravaram nenhum indício de confronto. Jesus, que morreu com um tiro de fuzil no peito, não aparece nas imagens antes do momento do disparo.
A companheira da vítima disse à Justiça que lhe contaram que ele foi baleado enquanto dormia. Jesus estava sozinho no barraco no momento da morte.
Os policiais dizem no processo que agiram em legítima defesa. Eles afirmam que o suspeito apontou um revólver em sua direção e desobedeceu a ordens de largar a arma. A defesa afirma que a Promotoria não conseguiu comprovar nenhuma conduta irregular dos policiais.
Os policiais afirmaram que chegaram ao local após moradores sugerirem a presença de criminosos no bairro – apontando para uma parte do morro, mas sem relatar nada – e achar suspeita a atitude de vizinhos, que “desconversaram” ao serem questionados sobre o barraco em questão, segundo o relato em juízo.
As imagens de uma câmera corporal mostram um volume na farda do sargento Araújo antes da ocorrência que, segundo promotores do Ministério Público estadual, era o colete balístico que seria plantado na cena da mais tarde. Questionado durante o processo, o sargento mudou de versão sobre esse ponto, diz a sentença.
Inicialmente, Araújo afirmou que se tratavam de munições que ele trazia no corpo. Depois, disse que o volume era uma placa de seu próprio colete. Quando foi questionado porque o volume desapareceu quando ele deixou o local da ocorrência, como mostram as imagens, o sargento afirmou que o volume era “consequência de sua postura corporal”.
Segundo a acusação, as imagens também mostram que o sargento teria colocado um objeto em cima de um armário da casa.
“Mostra-se inviável, ao menos no presente momento, o acolhimento da tese defensiva de legítima defesa, pois não restou inequivocamente demonstrado que a vítima tenha, de fato, investido ou tentado investir contra os policiais”, afirma o juiz Thomaz Corrêa Farqui na sentença. “Difícil crer, por sinal, que, mesmo que tivesse a entrada policial sido anunciada, fosse a vítima se arriscar a alvejar o primeiro miliciano, quando sabido que atrás dele viriam, como de fato vieram, vários outros, todos fortemente armados, sem que tivesse o ofendido para onde correr (pois estava em um cômodo fechado).”
Na época dos fatos, na delegacia, a equipe foi entrevistada em grupo. O sargento Araújo afirmou que gritou que o homem havia apontado uma arma em sua direção e que gritou para ele a largasse. O cabo e os dois soldados disseram ter ouvido o aviso.
Além de Araújo e Oliveira, há outros seis PMs que se tornaram réus pelas mortes de outras três pessoas durante a Operação Escudo. A Justiça deve decidir se arquiva essas acusações ou se também leva os casos a tribunais de júri. Outras mortes ainda são investigadas.
O último caso denunciado pelo Ministério Público se refere à primeira morte pela PM na operação. Um dos réus, o capitão Marcos Corrêa de Moraes Verardino, era coordenador operacional da Operação Escudo, responsável por planejar a atuação da Rota em Guarujá, segundo os promotores.
A Operação Escudo, que se tornou uma marca do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segurança pública, teve início um dia após a morte do soldado Patrick Bastos Reis, 30, que integrava a Rota, batalhão de elite da PM conhecido pelo alto índice de letalidade. Em pouco mais de cinco semanas, ao menos 28 pessoas foram mortas.
As operações na região foram retomadas neste ano após novas mortes de policiais. Três PMs foram mortos em menos de duas semanas, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro.
Diferentes fases da operação, que neste ano passou a ser chamada de Operação Verão, deixaram um saldo oficial de 93 mortos por policiais na Baixada Santista. Se considerados todos os casos em que a PM matou nas cidades da região, inclusive quando policiais estavam de folga, chega-se ao total de 110 óbitos.