Conselheiro de educação diz que bolsas causam ‘impacto negativo’ e devem ser revistas
Em reunião, empresário usou caso de suicídio no Colégio Bandeirantes para defender maior rigor na concessão de auxílio para filhos de funcionários
- Data: 28/08/2024 14:08
- Alterado: 28/08/2024 14:08
- Autor: Redação
- Fonte: Isabela Palhares/Folhapress
Claudio Mansur Salomão
Crédito:Reprodução/Instagram
O empresário Claudio Mansur Salomão disse, em uma reunião do CEE-SP (Conselho Estadual de Educação), que bolsas de estudo causam impacto negativo na vida social dos alunos mais pobres e defendeu que haja uma “triagem melhor” nas escolas particulares para conceder a gratificação a filhos de funcionários.
Salomão é conselheiro estadual de educação e também mantenedor da Faculdade Eduvale de Avaré. Ele criticou a concessão de bolsas de estudos ao comentar caso de suicídio de um bolsista do Colégio Bandeirantes, que havia ocorrido dois dias antes da reunião. O estudante era bolsista.
“Eu sistematicamente tenho sido combativo e tenho sito até ‘persona non grata’ nos sindicatos [por defender que] nós precisamos parar para pensar sobre algumas conquistas em convenções coletivas. Como por exemplo, bolsa de estudos para filhos de funcionários. Há que ter uma triagem melhor, porque o impacto negativo na vida social existe e não é considerado”, disse Salomão na reunião de 14 de agosto.
A reportagem procurou Salomão por meio do conselho, pela faculdade e por suas redes sociais, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
As reuniões do conselho são transmitidas ao vivo pelo Youtube e depois ficam gravadas na plataforma.
Antes da fala do empresário, o ex-diretor do Colégio Bandeirantes Mauro Salles Aguiar, que também é conselheiro do órgão, disse que gostaria de falar do caso do aluno aos colegas.
Aguiar, que hoje atua como assessor do núcleo de estratégia e inovação da escola, relatou que a direção da unidade fez uma reunião com os outros bolsistas para tratar do caso. Ele disse que ficou chocado com a reação dos estudantes, que classificou de agressiva.
“Fizemos uma reunião com os alunos do Ismart [ONG que tem parceria com o colégio para ofertar bolsas de estudos] e foi muito chocante a reação deles. A agressividade dos alunos foi de tal ordem, misturando assuntos que nada têm a ver com a tragédia”, disse Aguiar.
“Eles diziam que a gente precisa diminuir as diferenças sociais do país, bom a gente está tentando. É uma gota d’água no oceano, mas a gente está tentando”, continuou.
Em nota, a direção do colégio disse que Aguiar não ocupa mais o cargo de diretor. “As declarações do educador, integrante do CEE-SP, ocorreram no âmbito do conselho. No momento, o colégio não tem mais comentários a acrescentar sobre o assunto.”
Após a fala de Aguiar, Salomão disse se solidarizar com o ex-gestor por entender que as bolsas de estudo têm impacto negativo.
“Eu sustento isso há anos, desde que o meu filho, que estudou num colégio particular, tinha como coleguinha o filho do porteiro. É óbvio que aquele menino socialmente não tinha condições de acompanhar a vida social que todos os demais tinham”, contou.
“Era um tênis, era uma ida no cinema, era uma ida no McDonald’s. Eu na época tinha recursos e ainda contribuía, mas era humilhante para aquele menino. E essas parcerias que nós temos feito com o intuito de aproximá-lo, trazer mais dignidade para esse aluno carente no processo de aprendizado, às vezes trazem um prejuízo muito grande no campo social”, continuou.
Salomão diz ainda que o estudante muitas vezes não tem “maturidade” para entender que a vida apresentou a ele aquele cenário social. “Ele acaba se julgando injustiçado, ele acaba se julgando excluído. Quando ele vê o coleguinha ir a uma festa, ele não tem nem roupa para ir naquela festa.”
“Ele não pode ir numa festinha de filhinho de papai, curtir ou aproveitar, porque não tem nem roupa para ir. Ou ele não tem nem forma para se comportar naquele ambiente. Nós também temos que reavaliar isso, começar a repensar esse tipo de atitude, muitas vezes com o intuito de ajudar ou de proporcionar ao aluno uma melhoria no aprendizado. Nós estamos causando um mal no aspecto social”, disse o conselheiro.
O CEE é um órgão normativo e deliberativo sobre o funcionamento do sistema educacional público e privado. Ele é composto por 24 conselheiros, indicados pelo governador, a quem cabe por exemplo autorizar o funcionamento de escolas ou avaliar ações pedagógicas ou de funcionamento, como o cumprimento do calendário escolar.
O conselho, no entanto, não tem interferência em acordos entre as escolas e professores, como no caso da convenção coletiva que garante aos docentes o direito a bolsas de estudo integrais para os filhos.
Ao menos desde a década de 1980, os docentes de São Paulo têm esse direito garantido em convenção coletiva com os sindicatos da categoria.
A convenção coletiva assinada entre o Sinpro e o Sieeesp (sindicato das escolas particulares) estabelece que os professores têm direito a bolsas de estudo integrais nas escolas onde lecionam para seus filhos ou dependentes legais. As escolas são obrigadas a conceder até duas bolsas por docente no caso de unidades com menos de 100 alunos, elas podem limitar a uma única bolsa.
“É um absurdo que um conselheiro de um órgão, que deveria prezar pela qualidade da educação no estado, se aproveite de uma tragédia tão grave para investir contra uma conquista trabalhista de anos. É um aproveitamento imoral”, disse Celso Napolitano, presidente do Sinpro (sindicato dos professores de escola particular).
A reportagem procurou o Sieeesp, mas não obteve resposta. O CEE-SP disse que o presidente do órgão estava em compromisso externo na tarde desta terça-feira (27) e não foi localizado para comentar sobre as declarações na reunião.