Fóssil de preguiça grávida com filhote preservado é revelado
A preservação do feto contendo mais de 200 ossos, inclusive o crânio com dentes, é única e desconhecida do registro fóssil no mundo
- Data: 07/07/2023 15:07
- Alterado: 07/07/2023 15:07
- Autor: Redação
- Fonte: Ana Bottallo/Uol/FolhaPress
Crédito:J. Gonzalez/PUC-MG
Um achado excepcional de uma preguiça fóssil grávida com o filhote preservado ainda no útero foi divulgado nesta semana por pesquisadores do Museu de Ciências Naturais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) Minas.
A preservação do feto contendo mais de 200 ossos, inclusive o crânio com dentes, é única e desconhecida do registro fóssil no mundo. O material foi escavado há mais de 40 anos pelo paleontólogo e professor do museu, Cástor Cartelle Guerra, mas o estudo minucioso e divulgação do achado só foram feitos agora.
“A espécie fóssil é conhecida para outros lugares, mas é a primeira vez que foi encontrada uma fêmea grávida com o filhote com esse tipo de preservação excepcional, muito melhor do que a mãe até”, disse o paleontólogo à Folha.
O fóssil, que tem aproximadamente 25 centímetros, foi encontrado na Toca da Boa Vista, próximo ao município de Campo Formoso, no interior da Bahia. O material está depositado na Coleção de Paleontologia do Museu de Ciências Naturais da PUC, em Belo Horizonte.
A preguiça é da espécie Nothrotherium maquinense, tinha hábitos terrícolas e viveu há pelo menos 40 mil anos, no final do Pleistoceno. A mesma espécie já foi encontrada em outras grutas na região e também em São Paulo e Minas Gerais, além do Uruguai.
O primeiro a descrever a espécie foi o paleontólogo dinamarquês-brasileiro Peter Lund, considerado o pai da paleontologia no Brasil. Ele encontrou restos da preguiça na Toca de Maquiné, próximo ao município de Cordisburgo, em Minas Gerais, em 1836, onde hoje há um museu em sua homenagem.
Segundo Guerra, o artigo descrevendo a morfologia em detalhe do feto e da mãe foi enviado para publicação na revista científica Journal of Mammalian Evolution. O trabalho deve ser publicado nos próximos dias. Coassinam o estudo pesquisadores do Canadá e da Argentina.
As preguiças terrícolas viveram de 2,6 milhões de anos há aproximadamente 10 mil anos, quando foram extintas após a última Era Glacial. Fósseis de preguiças são conhecidos de diversas localidades do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Estados Unidos, conta Guerra. Elas fazem parte do grupo de mamíferos conhecidos como xenartros, que incluem os tatus, os tamanduás e as preguiças arborícolas.
“Existiam dois tipos de preguiças, as arborícolas, que incluem as espécies de bicho-preguiça que existem até hoje, e as terrícolas, que incluíam espécies com até seis metros de altura, como as preguiças-gigantes [gênero Megatherium]. Esta preguiça da Toca da Boa Vista é considerada a menor espécie das preguiças terrícolas, chegando a dois metros de comprimento da ponta do focinho até a cauda”, explica.
Embora seja uma espécie relativamente comum no registro fóssil, encontrar um indivíduo com o filhote preservado, incluindo os ossos do ouvido -de preservação rara-, é extremamente incomum, disse.
De acordo com Guerra, é possível que o filhote pesasse cerca de 1,5 kg a 2 kg, enquanto a mãe, com cerca de dois metros, podia chegar a 250 kg. “O estudo minucioso de ossos do crânio e dentes nos permitiu desvendar hábitos ecológicos antes desconhecidos, como o fato de o feto já ter todos os dentes formados ainda no útero, indicando que faziam o desmame muito precocemente após o nascimento”, explica.
A paleontóloga Fabiana Rodrigues Costa, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), que não participou da pesquisa, disse que o registro é muito importante e vai ajudar a esclarecer, por exemplo, aspectos do ciclo de desenvolvimento das preguiças.
“Até hoje tinha-se o registro de no máximo quatro ou cinco restos fósseis de fetos, então encontrar um esqueleto assim é raríssimo”, afirma. “Fósseis tão bem preservados podem ajudar em estudos de biomecânica e comportamento animal usando a modelagem de 3D para simular o movimento do animal em ambiente virtual, já que não podemos ver as preguiças caminhando por aqui nos dias atuais.”
Guerra, hoje com 85 anos, mais de 60 atuando como pesquisador, espera conseguir fazer uma cópia tridimensional do fóssil para exibição no Museu da PUC Minas, mas falta apoio financeiro para o projeto. “Enquanto isso, fazemos a divulgação com a foto e material de apoio”, disse. Sobre a possibilidade de continuar trabalhando mesmo com a idade avançada, ele afirma que, “enquanto a cabeça estiver boa, não vai parar”. “Aqui ainda tem material para estudo por mais de cem anos.”