Estrela de Amor

Um conto sobre uma moça de família humilde que tem a grande chance de subir na vida e realizar o sonho da mãe. Texto de Nelson Albuquerque Jr.

  • Data: 13/06/2020 09:06
  • Alterado: 13/06/2020 09:06
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
Estrela de Amor

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Era sua grande chance de vencer na vida. Poderia finalmente encher a mãe de orgulho.

Estrela de Amor nasceu em família humilde, em casa de buraco no teto, sala de chão de terra, panela mais vazia que cheia, banho de bacia fria. Pai levantou uma escola, bonita, e uma dezena de muros do bairro, pintou casa de quase todo mundo por aqui, consertou esgoto mesmo sem saber. E sua casa ainda tinha furos no teto. Damião era só conhecido por Linguiça, desde a época do trema, por causa da sua magreza comprida. Trabalhava duro para pagar o sonho de Maria do Socorro, ou só Dona Maria por aí, ou Véia para o Linguiça, ou Mãinha. Que só queria era ver a filha doutora, não exatamente médica ou advogada. Doutora queria dizer pessoa estudada, alguém na vida. Foi Maria do Socorro que escolheu Estrela de Amor para nome da filha. A pequena pegou gosto pelos estudos, lia até na luz da vela. Mãe rezava em gratidão, achava bonito ver a menina com a cara nos livros. A menina achava tudo o que a mãe achava. Linguiça achava mais um caroço na canela. E derrubava outra cachacinha.

Tempo corre que só. E o sonho vai maracujando, perdendo cor, viço, murchando, se encolhendo. Menina precisa trabalhar. A vida ainda tem os livros, mas agora também ônibus lotado, esfrega, marmita de ovo ou pão de queijo na lanchonete, o chão agora tem piso, o teto sem buracos, chiado de televisão, sono, cansaço e os olhos descansam pela janela em movimento, de volta pra casa, mais um dia de luta. No espelho, no banheiro, cabelo seco, olheiras que não conseguem enxergar a doutora de Dona Maria.

Inteligente, Estrela trabalha muito bem e ganha uma promoção. Sai da organização de estoque e vai para o escritório. O escritório! Com ar-condicionado e café. Ganha mais e mais serviço, resolve tudo muito bem. Cansada, mas feliz. Estudos vão ter que esperar um pouco. Que esperem!

Dr. Arnaldo a chamou para uma conversa. Outra promoção à vista. Gerente. Mesa própria ao lado da sala do Dr. Arnaldo, que tanto a elogiava, incentivava. Era hora de crescer. E ainda poderia voltar a estudar. Uma faculdade!

– Senta aqui. Do lado. Hoje você está mais bonita do que nunca.

– Obrigada.

– Sabe que o salário aqui é três vezes mais.

– Sim.

– Vai ter mais responsabilidades também. Outros tipos de trabalho.

– Certo.

– Mas nem sempre.

Estrela de Amor só inclinou a cabeça.

– Dá uma voltinha! Não, não precisa. Já vi tudo. Acho que podemos falar dos seus novos serviços. Está me entendendo?

Ela não estava, ou achava que estava, preferiu apenas balançar a cabeça novamente em sim.

– Já sei – ele continuou, levantando-se. – Vamos sair hoje à noite e eu explico tudo.

Ela sorriu sem jeito, entre duas breves e duras piscadas. Sentia um tremor nervoso, incontrolável. Ainda havia suco dentro do maracujá murcho. Tão perto do sonho. Era sua grande chance de vencer na vida. Poderia finalmente encher a mãe de orgulho. Foi quando ela disse “não”, com os pés no chão de terra, de mãos dadas com Linguiça e Dona Maria, não mais menina, agora mulher, mais que doutora, com o caminho livre para ser a Estrela de Amor que nasceu para ser.

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  • Data: 13/06/2020 09:06
  • Alterado:13/06/2020 09:06
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  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.









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