Especialistas projetam pior cenário para casos de mortes por coronavírus nos EUA
Entre 160 milhões e 214 milhões de pessoas nos Estados Unidos podem ser infectadas ao longo da epidemia, de acordo com uma projeção. De 200 mil a 1,7 milhão de pessoas podem morrer
- Data: 14/03/2020 08:03
- Alterado: 14/03/2020 08:03
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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Funcionários do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC na sigla em inglês) e especialistas em epidemias de universidades de todo o mundo conversaram no mês passado sobre o que poderia acontecer se o novo coronavírus ganhasse força nos Estados Unidos. Quantas pessoas podem morrer? Quantos estariam infectados e precisariam de hospitalização?
Um participante de uma das principais agências que modelam dados de doenças, Matthew Biggerstaff, apresentou ao grupo por telefone os quatro cenários possíveis – A, B, C e D – com base nas características do vírus, incluindo estimativas de quão transmissível é e a gravidade do problema causado pela doença. As suposições, analisadas pelo The New York Times, foram compartilhadas com cerca de 50 equipes de especialistas para formular como o vírus poderia infectar a população – e o que poderia impedi-lo.
Os cenários do CDC foram representados em termos de porcentagens da população. Traduzidos em números absolutos por especialistas independentes, usando modelos simples de como os vírus se espalham, o pior cenário seria surpreendente se nenhuma ação fosse tomada para retardar a transmissão.
Entre 160 milhões e 214 milhões de pessoas nos Estados Unidos podem ser infectadas ao longo da epidemia, de acordo com uma projeção. Isso pode durar meses ou mais de um ano, com infecções concentradas em períodos mais curtos, escalonadas ao longo do tempo em diferentes comunidades, afirmaram os especialistas. De 200 mil a 1,7 milhão de pessoas podem morrer.
E, os cálculos baseados nos cenários do CDC sugeriram que 2,4 a 21 milhões de pessoas nos Estados Unidos poderiam precisar de hospitalização, potencialmente aniquilando o sistema médico do país, que possui apenas cerca de 925 mil leitos hospitalares. E menos de um décimo deles são destinados a pessoas gravemente doentes.
As premissas que alimentam esses cenários são atenuadas pelo fato de que cidades, estados, empresas e indivíduos estão começando a tomar medidas para diminuir a transmissão, mesmo que algumas estejam agindo menos agressivamente do que outras. O esforço liderado pelo CDC está desenvolvendo paradigmas mais sofisticados, mostrando como as intervenções podem diminuir os números dos piores cenários, embora suas projeções não tenham sido divulgadas publicamente.
“Quando as pessoas mudam de comportamento”, disse Lauren Gardner, professora da Escola de Engenharia Johns Hopkins Whiting, que monitora epidemias, “esses parâmetros não são mais aplicáveis”, portanto as previsões de curto prazo provavelmente serão mais precisas. “Há muito espaço para melhorias se agirmos adequadamente.”
Essas ações incluem testes para detecção do vírus, rastreamento de contatos e redução das interações humanas interrompendo reuniões de grandes grupos, trabalhando em casa e restringindo as viagens. Nos últimos dois dias, várias escolas e faculdades fecharam, os eventos esportivos foram interrompidos ou atrasados, os teatros da Broadway apagaram suas luzes, as empresas impediram os funcionários de irem ao escritório e mais pessoas disseram que estavam seguindo as recomendações de higiene.
O Times obteve capturas de tela da apresentação do CDC, que não foi divulgada publicamente, com uma fonte que não participou das reuniões. Então, o Times verificou os dados com vários cientistas que participaram do evento. Os cenários foram marcados como válidos até 28 de fevereiro, mas permanecem “praticamente os mesmos”, de acordo com Ira Longini, codiretor do Centro de Estatística e Doenças Infecciosas Quantitativas da Universidade da Flórida. Ele participou das reuniões.
O CDC recusou as solicitações de entrevista sobre o esforço de modelagem dos impactos do vírus e encaminhou um pedido de apreciação à força-tarefa da Casa Branca contra o coronavírus. Devin O’Malley, porta-voz da força-tarefa, disse que as autoridades de saúde não apresentaram as conclusões ao grupo, lideradas pelo vice-presidente Mike Pence, e que ninguém no escritório de Pence “viu ou foi informado sobre esses modelos”.
As premissas nos quatro cenários do CDC e as novas projeções numéricas vão de encontro com outras desenvolvidas por especialistas independentes.
Longini disse que os cenários que ele ajudou o CDC a refinar não foram divulgados publicamente porque ainda havia incerteza sobre certos aspectos-chave, incluindo quanta transmissão poderia ocorrer em pessoas que não apresentavam sintomas ou apenas sintomas leves.
“Você pode apagar um incêndio em seu fogão com um extintor de incêndio, mas se sua cozinha estiver em chamas, esse extintor provavelmente não funcionará”, disse Carter Mecher, consultor médico sênior de saúde pública do Departamento de Assuntos de Veteranos e ex-diretor de política de preparação médica da Casa Branca durante as administrações de Obama e Bush. “As comunidades que usam o extintor mais cedo são muito mais eficazes.”
Da gripe ao coronavírus
Biggerstaff apresentou seus cenários em uma reunião realizada semanalmente para modelar os efeitos da pandemia nos Estados Unidos, disse Longini. Seus participantes estavam trabalhando há vários meses antes do surgimento do vírus, modelando uma possível pandemia de influenza. “Nós meio que reformulamos o foco, mudamos de lugar”, disse Longini. “A prioridade agora é o coronavírus.”
Os quatro cenários têm parâmetros diferentes, razão pela qual as projeções variam tão amplamente. Eles assumem de maneira diversa que cada pessoa com o coronavírus infectaria duas ou três pessoas; que a taxa de hospitalização seria de 3% ou 12%; e que 1% ou um quarto de 1% das pessoas com sintomas morreriam. Essas suposições são baseadas no que se sabe até agora sobre como o vírus se comportou em outros contextos, inclusive na China.
Outras reuniões semanais sobre a modelagem de dados do CDC se concentram em como o vírus está se espalhando internacionalmente, o efeito de ações comunitárias, como o fechamento de escolas e a estimativa do suprimento de respiradores, oxigênio e outros recursos que podem ser necessários ao sistema de saúde do país, disseram os participantes.
Na ausência de projeções públicas do CDC, especialistas externos intervieram para preencher o vazio, especialmente na área da saúde. Os líderes dos hospitais pediram mais orientações do governo federal sobre o que pode estar reservado nas próximas semanas.
Até as temporadas de gripe mais graves estressam os hospitais do país a ponto de eles terem de montar tendas em estacionamentos e manter as pessoas por dias em salas de emergência. O coronavírus provavelmente causará de cinco a dez vezes esse ônus da doença, disse James Lawler, especialista em doenças infecciosas e em saúde pública do Centro Médico da Universidade de Nebraska. Os hospitais “precisam começar a trabalhar agora”, disse ele, “para se prepararem para cuidar de muitas pessoas”.
Lawler apresentou recentemente suas próprias projeções de “melhor palpite” aos executivos dos hospitais e sistemas de saúde dos Estados Unidos em um webinar privado convocado pela Associação Americana de Hospitais.
Ele estimou que cerca de 96 milhões de pessoas nos Estados Unidos seriam infectadas. Cinco em cada 100 precisariam de hospitalização, o que significaria perto de 5 milhões de internações, quase 2 milhões daqueles pacientes que necessitam de cuidados intensivos e cerca de metade daqueles que precisam do apoio de ventiladores pulmonares.
Os cálculos de Lawler sugeriram 480 mil mortes, o que ele disse ser um cenário conservador. Por outro lado, cerca de 20 mil a 50 mil pessoas morreram de doenças relacionadas à gripe nesta estação, segundo o CDC. Ao contrário da gripe sazonal, acredita-se que toda a população seja suscetível ao novo coronavírus.
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, em uma audiência no congresso na quinta-feira, disse que previsões baseadas em modelagem de dados devem ser tratadas com cautela. “Todos os modelos são tão bons quanto as suposições que você coloca neles”, disse Fauci.
“Avaliar esses dados com testes agora não vai me dizer quantos casos existirão. O que dirá quantos casos o país terá será como ele responderá com contenção e atenuação ”, disse ele, respondendo a uma pergunta da deputada Rashida Tlaib, D-Mich, sobre a estimativa de um médico do Congresso de que os Estados Unidos podem ter de 70 a 150 milhões de casos de coronavírus.
INDICAÇÕES DE 1918
Os especialistas disseram que essas projeções são extremamente importantes para agir e agir rapidamente. Se novas infecções puderem se espalhar ao longo do tempo, em vez de atingir o pico de uma só vez, haverá menos ônus para os hospitais e menor contagem final de mortes. Diminuir a propagação paradoxalmente fará com que o surto dure mais, mas fará com que seja muito mais suave, disseram os modeladores de dados.
Um estudo preliminar divulgado quarta-feira pelo Instituto de Modelagem de Doenças projetou que na área de Seattle, aumentar o distanciamento social em 75% – limitando o contato com grupos de pessoas – poderia reduzir as mortes causadas por infecções adquiridas no próximo mês de 400 para 30 na região.
Um artigo recente, citado por Fauci em uma entrevista coletiva na terça-feira, conclui que as medidas rápidas e agressivas de quarentena e distanciamento social aplicadas pela China em cidades fora do epicentro do surto tiveram sucesso. “A maioria dos países apenas tenta intervenções de distanciamento social e higiene quando a transmissão generalizada é aparente. Isso dá ao vírus muitas semanas para se espalhar”, afirma o artigo, com o número médio de pessoas que cada novo paciente infecta maior do que se as medidas estivessem em vigor muito antes, mesmo sem o vírus ser detectado na comunidade. A pandemia mais letal a atingir os Estados Unidos foi a gripe espanhola de 1918, responsável por cerca de 675 mil mortes no país, segundo estimativas citadas pelo CDC.
O Instituto de Modelagem de Doenças calculou que o novo coronavírus é praticamente igualmente transmissível como a gripe de 1918 e apenas um pouco menos clinicamente grave, e é maior tanto na transmissibilidade quanto na gravidade em comparação com todos os outros vírus da gripe no século passado.
Mecher e outros pesquisadores estudaram as mortes durante essa pandemia há um século, comparando as experiências de várias cidades, incluindo os que eram então o terceiro e o quarto maiores centros dos Estados Unidos, Filadélfia e St. Louis. Em outubro daquele ano, Rupert Blue, cirurgião-geral dos Estados Unidos, maior autoridade da saúde pública do país, persuadiu os governos locais a “fechar todos os lugares de reunião pública se sua comunidade estiver ameaçada com a epidemia”, como escolas, igrejas e teatros. “Não há como pôr em prática uma ordem de fechamento nacional”, escreveu ele, “pois essa é uma questão que depende da situação individual de cada comunidade”.
O prefeito de St. Louis aceitou rapidamente esse conselho, fechando por várias semanas “teatros, cinemas, escolas, salões de sinuca e de bilhar, escolas dominicais, cabarés, lojas, associações, funerais públicos, reuniões ao ar livre, salões de dança e convenções até aviso prévio.” A taxa de mortalidade aumentou, mas permaneceu relativamente estável durante o outono.
Por outro lado, a Filadélfia não tomou nenhuma dessas medidas; a epidemia havia começado antes do aviso de Blue. E sua taxa de mortalidade disparou.