Uma estação na curva do tempo

Num piscar de olhos, o tempo passa. Conseguimos dizer tudo o que gostaríamos? Ou esperamos demais? Conto de Nelson Albuquerque Jr.

  • Data: 04/12/2019 12:12
  • Alterado: 04/12/2019 12:12
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.
Uma estação na curva do tempo

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Desculpe! Não tenho como explicar o que aconteceu. Só posso contar.

O rapaz estava ali, pronto para colocar um ponto final em seu namoro. Ele queria mesmo é fazer isso por WhatsApp. Dino era meio covarde. Até tentou por telefone, mas a menina havia sentido algo de diferente em sua voz. Ela o convenceu de conversarem pessoalmente.

Então ele estava ali, naquela estação rodoviária fria, agregada a uma estação de trem. Decidido a não pronunciar uma única palavra. Escreveu tudo em uma folha de caderno, que agora estava dobrada em sua mão. Tudo o que queria dizer estava escrito naquele bendito bilhete.

Pra variar, Carolina estava atrasada. “Vai ser seu último atraso. Mesquinha!”. O rapaz remoía raiva enquanto caminhava de uma ponta a outra da estação. Já havia passado meia hora do horário combinado. Ônibus iam e vinham, pessoas robóticas em todas as direções. O trem que trazia Carolina não chegava nunca. A cada embarcação, apito das portas e uma manada pra lá e outra pra cá. O bilhete umedecia em sua mão suada.

Como estariam ali dentro suas palavras? Ele tentava lembrar: “Acho que nunca ia dar certo mesmo. Os meus defeitos não combinam com os seus. Somos novos. Cada um segue o seu caminho.”

Dino imaginava Carolina lendo o bilhete. Ela lia, e ele apreciava sua cara bochechuda se avermelhando e se salgando em lágrimas. Sentiu um breve prazer ao vislumbrar a cena.

A impaciência o tomara de vez, mas ele era covarde também para ir embora. Sentou na mureta de cimento. Levantou. Andou até a banca de jornal. As pessoas passavam mudas. Voltavam sérias. Combinando com o ar seco. Ele voltou a se sentar. Levantou. Caminhou até as Casas Bahia. Voltou. Não olhava mais o relógio.

A estação era fria e tinha som e cheiro de leva e traz de carne congelada. Distraiu-se.

Absorto, se assustou quando viu ao longe uma figura pálida e enrugada. Pôs-se de pé num pulo. Espichou os olhos. As pernas tremeram. Ela se aproximava, vinha em sua direção. Era Carolina? Ele não tinha certeza. Era uma senhora, cabelos brancos como glacê.

Uma velha.

E era Carolina. Num andar falho e corcunda. Chegou bem perto e sorria com doçura e rugas esticadas.

O que havia acontecido naquele instante? Quanto havia esperado naquela estação? O que havia ocorrido? Magia? Fissura no tempo?

Ela pegou Dino pela mão e o levou até o café, que estava no exato lugar onde tempos atrás tinha uma banca de jornal. Dino girou a cabeça, reparando em sua volta e percebeu mais verde, jardins e um chafariz de livros acrílicos. Pessoas alegres. Uma quentura gostosa. A cidade parecia ter alma.

Aquele sorriso murcho, sentado bem à sua frente, deixava-o feliz. Havia nele uma sinceridade boba e cativante.

Tomaram o café em silêncio.

Carolina se levantou, deu a volta na mesa lentamente, deixou um beijo na testa de Dino e andou em direção à estação. Embarcou. E o trem partiu.

Ainda sentado, Dino baixou a cabeça e viu o bilhete amarrotado em sua mão. A mão, agora, enrugada e trêmula.

Ele o abriu.

“Valeu a pena. Superamos tudo… do nosso jeito. Ajustamos nossos defeitos até encaixar uns nos outros. Fico feliz por não ter desistido. Eu te amo”.

Tudo o que o covarde Dino queria dizer estava escrito naquele bendito bilhete. Mas Carolina já havia partido.

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  • Data: 04/12/2019 12:12
  • Alterado:04/12/2019 12:12
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Nelson Albuquerque Jr.









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