Filme ‘Manifesto’ revê a militância de Frans Krajcberg pela Grande Floresta
Em seus anos de Brasil, Frans Krajcberg aprendeu a conhecer e a amar esse país
- Data: 11/10/2019 14:10
- Alterado: 11/10/2019 14:10
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Divulgação
Polonês, tornou-se um artista brasileiro, mas nunca dominou a língua. Falava um português de estrangeiro e no caso do documentário de Regina Jehá, que estreou nesta quinta, 10, ainda fala pausadamente, com dificuldade, porque estava muito debilitado. De cara, Regina informa que está chegando à casa dele com uma equipe de filmagem e não sabe como será recebida. Ele está sentado, convalescendo. Conversam e Regina ganha autorização para acompanhá-lo.
Vale a pena seguir o artista em sua jornada final. Regina entrevistou-o em 2016 e ele morreu no ano seguinte. Krajcberg em casa, no ateliê, preparando sua participação na 32.ª Bienal de São Paulo, que o homenageou.
Krajcberg que fala de suas perdas – veio para o Brasil fugitivo do nazismo – e que briga com a organização da Bienal, porque o espaço que lhe foi prometido não é exatamente o que ele está tendo para expor suas obras.
Uma tomada particularmente bela o mostra na cadeira de rodas sendo levado embora, enquanto as pessoas chegam para assistir à exposição.
O filme é sobre Krajcberg, mas recusa todo didatismo. “Não é me prendendo a datas que vou conseguir abordar o homem e artista que ele foi”, diz a diretora. Mas está tudo lá. O filme dá uma ideia de suas peregrinações, mas é muito mais Krajcberg visto pela diretora.
Ele se alistou no Exército soviético, combateu o nazismo. Foi amigo de artistas em Paris – Léger, Mondrian, Chagall. Veio para o Brasil em 1948 e, no começo dos anos 1950, ajudou na montagem da 1.ª Bienal. Era pintor, mas algo se passou quando descobriu a natureza no Brasil, e a Amazônia. A bidimensionalidade da pintura não dava mais conta da sua estética. Tornou-se não apenas um escultor – brutalista -, mas também um defensor da floresta e dos povos indígenas.
O título – Manifesto – dá conta dessa luta de Krajcberg. Em 1978 fez uma viagem pelo Rio Negro com amigos – o artista Sepp Baendereck e o crítico de arte Pierre Restany – que resultou na criação do Manifesto do Rio Negro ou Manifesto do Naturalismo Natural. Regina usa material de arquivo para dar voz ao manifesto, mas o próprio filme é outro manifesto – dela -, em defesa da grande floresta.
Considerando-se que o filme demorou anos para ser feito, é no mínimo curioso, até irônico, que chegue ao circuito no momento em que as queimadas no Brasil alcançam ressonância internacional.
As queimadas, muito justamente. O filme acompanha Krajcberg em áreas incendiadas, muito próximo ao fogo. Sua angústia é transparente. Ele chora a ignorância e a violência. Denuncia o lucro, as madeireiras, a exploração da monocultura. Tinha câncer de pele, e a exposição ao calor lhe era muito prejudicial, mas, como um profeta, avança bradando contra a barbárie.
Walter Salles dedicou-lhe um documentário revelador – O Poeta dos Vestígios. Entendeu que, em Krajcberg, o artista, o homem e o cidadão eram indesligáveis. A obra é toda ela essa poética dos vestígios que o homem deixa como registro de sua passagem pela Terra. Toda a parte, digamos, didática que não aborda no filme, Regina Jahé transformou numa exposição no saguão do Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca. São complementares, o filme e a exposição.
Sem cronologia, Manifesto (o filme) dá conta dessa personalidade grandiosa. As expedições à Amazônia, o ateliê Natura que ele montou num sítio do sul da Bahia, a militância ecológica, o amor pelo Brasil. Não era o fato de não dominar o português que fazia dele menos ‘brasileiro’. Ver o filme, ler os textos, olhar as fotos permitem avaliar quanto essa luta é urgente. Não é por acaso que a questão do meio ambiente está mobilizando multidões em todo mundo.
Virou luta das pessoas de bem, a única, talvez, a ultrapassar rótulos políticos. Dela, depende o futuro – dizem Krajcberg e Regina, em seus manifestos. A beleza de Frans Krajcberg – Manifesto está nesse registro íntimo e pessoal, que só a ligação do artista com a diretora tornou possível. Como diz o texto de apresentação do filme, o documentário é “o retrato de um homem extraordinário, preso na história, engajado em sua arte e profundamente vivo para sempre”.