Movimento antivacina preocupa autoridades médicas
A edição de setembro da revista da Academia Americana de Pediatria trouxe mais um ataque das autoridades contra os partidários da não imunização
- Data: 06/09/2016 16:09
- Alterado: 16/08/2023 19:08
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
A partir de agora
Crédito:
A partir de agora, pediatras norte-americanos podem se recusar a atender pais com filhos não imunizados.
Vacinar é uma das formas mais efetivas e de menor custo para reduzir a mortalidade infantil, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, Europa, Estados Unidos e, aos poucos Brasil, precisam lidar com uma pedra no sapato: pais que se recusam a vacinar as crianças.
A escolha, aparentemente individual, afeta todo mundo: a lógica da vacina é que imunizar uma população impede que o vírus se propague. Portanto, quanto mais pessoas vulneráveis, mais chances o agente invasor tem de causar doenças.
Conforme o médico Guido Levi, ex-vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, escreve no livro “Recusa de Vacinas: causas e consequências”, entre as ações pregadas pelo movimento antivacina estão retardar o início da vacinação até que o sistema imunológico esteja mais maduro, separar as vacinas para absorver o remédio isoladamente (não em uma única dose) e aumentar o tempo entre as imunizações.
‘Natureba’
Se antes o movimento antivacina era encampado por religiosos ou conspiradores contra a indústria farmacêutica, hoje ele está cada vez mais “natureba”. O esforço agora também é contra a “artificialidade” da vacina, que supostamente desregularia o sistema imunológico da criança a partir de um remédio não natural (na verdade, a vacina é feita com agentes encontrados na natureza).
“Isso é um mito. O sistema imunológico é capaz e deve ser estimulado com a vacina para proteger a criança. Só porque a doença não existe mais no país você não vai vacinar? Ainda há doenças que existem em outros países, como a pólio ou o sarampo” afirma Carla Domingues, coordenadora-geral do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde.
O sapato começou a apertar o pé das autoridades em 1982, com o documentário “DPT: Vaccine Roulette”. O filme causou uma grande polêmica ao associar a vacina tríplice bacteriana, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, a danos cerebrais. A partir de então, as desconfianças passaram a entrar de vez em pauta.
Um avanço histórico na medicina passou a ser associado a consequências bem mais complicadas do que uma simples dor no braço. Ali, a chama começou. Mas o fogo só foi virar incêndio com o médico britânico Andrew Wakefield.
Em 1998, ele espantou a comunidade científica com um estudo publicado na prestigiadíssima revista científica “The Lancet”. Ele analisou 12 crianças portadoras de autismo, das quais oito manifestaram os primeiros sintomas da síndrome apenas duas semanas após tomarem a tríplice viral, que protege contra caxumba, sarampo e rubéola.
Conforme Wakefield, o sistema imunológico delas entrou em “pane” após os estímulos “excessivos” da vacina ao sistema imunológico. Como resultados, foi diagnosticada uma inflamação do intestino que levaria toxinas ao cérebro. Os resultados apareceram em jornais e tevês do mundo inteiro.
Wakefield, no entanto, pouco a pouco começou a ser desmascarado. Uma série de investigações descobriu que algumas crianças voluntárias do estudo haviam sido indicadas por um escritório de advocacia que queria entrar com ações contra a indústria farmacêutica.
Em 2010, a “The Lancet” retirou o estudo de seu site. No mesmo ano, o Conselho Britânico de Medicina cassou a licença de Wakefield e ele não pôde mais atender pacientes no Reino Unido.
Mas o estrago havia sido feito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sarampo atingiu 189 pessoas em 2013, após estar erradicado há quase 15 anos, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Para controlar o estrago, vários Estados não permitem a matrícula de alunos sem a apresentação da carteira de vacinação completa. A nova posição da Academia Americana de Pediatria, que autoriza pediatras a não receberem crianças não vacinadas no consultório, com o intuito de conter uma possível infecção de crianças não vacinadas por serem alérgicas ou imunossuprimidas, é outra tentativa. Apesar disso, quase todos os Estados permitem a isenção de vacinas em crianças caso a família alegue motivos religiosos.
O assunto ainda desperta a curiosidade em pais de primeira viagem. Em 2014, o médico francês Bernard Dalbergue, ex-funcionário do laboratório Merck, Sharp and Dohme (MSD) publicou o livro ‘Omerta dans les labos pharmaceutiques: confessions d’un médecin’ (Omerta nos laboratórios farmacêuticos: confissões de um médico), no qual supostamente revela as entranhas da indústria farmacêutica.
No livro, Dalbergue afirma que muitas das vacinas vendidas carecem de estudos aprofundados e que não entregam o que promete. Como resposta, ele foi acusado de querer se vingar da empresa após ser demitido.
Questionamentos dessa ordem acontecem em um contexto no qual a medicina avança e a população não convive mais com a doença e, é claro, seus efeitos, afirma Lessandra Michelin, coordenadora do comitê de imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia. “As pessoas falam contra a vacina porque não têm mais contato com essas doenças, não viram seus efeitos”, diz.
O medo das autoridades é que nós comecemos a voltar séculos atrás, quando doenças relativamente simples causavam milhares de mortes. “O desenvolvimento das vacinas, no século 20, foi um dos grandes avanços da medicina, junto com antibióticos. Ela é de extrema importância para todos e traz benefícios não só para a criança vacinada, mas para todos que entram em contato com ela”, ressaltou Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.