Cesar Cielo fica fora do Rio 2016
Bruno Fratus e Ítalo Duarte terminaram à frente do campeão olímpico na final dos 50m livre e ficaram com as duas vagas na prova. “... eu perdi para mim mesmo”, diz Cielo
- Data: 21/04/2016 15:04
- Alterado: 16/08/2023 18:08
- Autor: Redação
- Fonte: Carol Delmazo – Brasil2016
Ouro em Pequim e recordista mundial dos 50m livre
Crédito:Gabriel Heusi/Brasil2016
Era o momento mais esperado, a principal definição do Troféu Maria Lenk. Estaria na seleção o único campeão olímpico da história da natação brasileira? O dia começou bem para Cesar Cielo, que fez 21s99, o melhor tempo da eliminatória dos 50m livre, e a segunda marca entre os brasileiros, já que Bruno Fratus tinha os 21s50 da primeira seletiva olímpica, em Palhoça (SC). Naquele momento, na manhã desta quarta-feira (20.04), a vaga era dele, mas Cielo insistiu que nada estava garantido. Era necessário nadar melhor na final. Era mesmo, e o Estádio Olímpico de Esportes Aquáticos presenciou o primeiro grande drama, o drama de um ídolo.
A queda de luz pouco antes da prova dos 50m livre, atrasando o início das finais, acrescentou ansiedade a uma situação que já era de muita expectativa. Em vez de 17h, as disputas foram remarcadas para 17h45. Foi como em um teatro. Diante do público, acendem-se as luzes e entram as atrações.
“Cesar Cielo”, anunciou o narrador para o festival de aplausos. Na raia 4, o medalhista de ouro em Pequim 2008 e bronze em 2012 nos 50m livre teria ali o capítulo final de um dos maiores momentos de pressão da carreira. Ao lado dele, na raia 5, Ítalo Duarte precisava recuperar a vaga que, antes do Maria Lenk, era dele, com o tempo de 22s08 de Palhoça. Bruno Fratus demorou a se levantar quando teve o nome mencionado pelo locutor. Após ler os oito nomes, o silêncio reinou no estádio por alguns instantes.
Foi dada a largada. A partir dali, eram pouco mais de 20 segundos. Com a segunda vaga pelo tempo da manhã, bastava a Cielo ganhar a prova. Ele queria baixar dos 21s99 para 21s70, 21s60. Foi determinado a isso. À medida que os nadadores se aproximavam do fim da prova, os gritos dos amigos e convidados na plateia aumentavam. A tensão também. Foram segundos intermináveis até o placar eletrônico confirmar: 1 – Bruno Fratus, 21s74; 2-Ítalo Duarte, 21s82; e 3- Cesar Cielo, 21s91. Um nadador de 24 anos, mineiro de Belo Horizonte, foi melhor que o mito da natação brasileira nos segundos exatos em que precisava ser. Cielo ficou fora dos Jogos.
E do lado de fora da tão cobiçada piscina olímpica, dando entrevista para um canal de televisão que transmitia a prova, o público ovacionou o ídolo. Uma homenagem a quem tanto fez pela natação. Desta vez, as lágrimas desceram em agradecimento ao carinho, mas também lamentando o resultado que, apesar não desejado, não foi completamente inesperado.
“É difícil absorver, mas não vou falar para vocês que é completamente uma surpresa. O ano passado foi um ano muito ruim. Este ano continuou e não tive força para levantar. Tentei o máximo que podia, mas realmente não consegui. Fiquei bem aquém dos meus melhores tempos. Olhando hoje, a primeira vez que nadei para 21s foi em 2007. O tempo que ganhou o Pan do Rio foi melhor que o de hoje. O esporte de performance é assim, não pode parar no tempo. Os adversários vão crescendo, todo o mérito é do Ítalo e do Bruno, e eu perdi para mim mesmo”, disse Cesar Cielo.
RESIGNAÇÃO
O pódio foi mera formalidade. A medalha saiu do peito rapidamente e foi parar nas mãos da torcida. Na zona mista, enquanto conversava com os jornalistas, os pais Flávia e Cesar, sempre presentes, observaram por uma porta entreaberta o filho campeão olímpico um pouco mais resignado, em um tom que começa a ganhar ares de despedida.
“O importante é que o Brasil vai com os dois melhores. Esse ciclo Thiago (Pereira)/Cesar está chegando ao fim, e para mim meio que chegou ao fim no ano passado. A moçada vai ter que se preparar. O ano que vem são esses caras que vão tocar a natação: é o Bruno, o Ítalo, é o Henrique Rodrigues, Matheus Santana, João De Lucca. Espero que representem tão bem quanto a gente fez nesses oito, nove anos”, disse, lançando o desafio para a nova geração.
Cielo deseja que a intensidade, uma de suas marcas, sirva de exemplo. “Sempre entrei de cabeça. Toda vez que me emocionei, como foi o caso de hoje, é porque faço meu 100%, não seguro a onda. Espero que seja um dos legados que deixo da minha carreira. Um cara que trabalhou com intensidade o tempo inteiro e representou o Brasil da melhor forma que pôde e sempre que pôde. Desta vez não vou poder, mas quando pude tentei fazer o melhor”, disse o ainda detentor dos recordes mundiais nos 50m (20s91) e nos 100m livre (46s91), marcas de 2009.
Cesão disse que vai diminuir o ritmo de treinos e pensar nos próximos passos. O campeão olímpico descartou, nesta quarta, a participação no Rio 2016 como reserva do revezamento 4x100m, a possiblidade que resta. “Seria injusto, não seria certo, não seria bom. O Brasil definiu aqui quem são os melhores nadadores”.
REFERÊNCIA
Nadando ele não vai participar, mas foi e é referência inegável para os que agora vão representar o Brasil nos Jogos em casa. “No Mundial de Doha em 2014, em que a gente ganhava uma medalha atrás da outra, o (João) De Lucca me disse: ‘Você acendeu a luz para todo mundo’. Eu não vejo dessa forma, sempre tentei fazer o meu. Sempre pensei da forma mais simples. Meu objetivo era só nadar rápido, fazer o meu melhor. E minha vida mudou por nadar rápido. Aquele 21s30 da Olimpíada (Pequim 2008) mudou a minha vida, indiretamente mudou a natação. Espero que num futuro próximo, não seja o único ouro da natação”, disse Cielo, que está com 29 anos.
O BRASIL NOS 50M LIVRE
Bruno Fratus foi o campeão dos 50m livre no Troféu Maria Lenk com o tempo de 21s74, o quinto melhor tempo de 2016, mas a melhor marca dele em seletivas foi a de Palhoça (21s50). Fratus fez apenas o nono melhor tempo na prova dos 100m livre, ficou de fora do revezamento, e evitou contato com a imprensa até o principal desafio: confirmar a participação na prova que lhe deu o quarto lugar em Londres 2012.
“Essa semana foi um pouco difícil, peço até desculpas por ter passado reto (pelo zona mista, onde ficam os jornalistas). Foi uma semana intensa, de altos e baixos para a equipe, e eu nadando no último dia, tentando não absorver nada dessa energia e concentrar na minha prova. Tive um 100m livre um pouquinho complicado, não consegui entrar no revezamento, que era o objetivo, e os 50m… não gosto muito do tempo, mas estou feliz de ter ganho a prova”, contou Fratus.
Disputar os Jogos em casa é o maior estímulo do nadador do Pinheiros, de 26 anos. “Estou me sentindo bem agradecido e abençoado de estar participando desses Jogos Olímpicos aqui no Brasil e poder representar o meu povo na frente dele próprio. Não podia estar mais motivado, vai ser a competição da minha vida, o ponto máximo da minha carreira”.
O outro classificado, Ítalo Duarte, contou como foi o momento em que viu, no placar, a superação do ídolo que estava na raia ao lado, na primeira vez em que nadou na casa dos 21s. “Eu queria ter nadado para 21s7, nadei para 21s82, fiquei feliz pelo tempo e só depois que olhei que vi que estava na frente do Cesar. Aí foi só comemorar. Estou desnorteado, mas posso dizer que estou muito feliz, e agradeço todo mundo que me apoiou. Essa temporada foi fora do normal. Treinei forte na água, na academia, com a psicóloga, nutricionista, dei o máximo que podia nessa temporada e acabei colhendo os frutos.”
Muito do que Ítalo faz no dia a dia nos treinos foi o que o ídolo Cesar Cielo lhe ensinou. E a motivação surgiu muito antes de dividirem a piscina. “Tenho muito a agradecer a ele, é uma referência, um herói. Eu comecei a nadar cinco dias depois de o Cesar ser campeão olímpico, acho que isso me motivou a chegar até aqui hoje. César é simplesmente um herói pra gente, é uma referência muito forte. É uma realização você poder nadar com seu ídolo, disputar lado a lado com ele é emocionante”, elogiou.
Bruno também comentou a importância de Cielo e como é não tê-lo na equipe.“Parece que o time está incompleto. É estranho, mas essa é a beleza do esporte competitivo, não tem melhor absoluto, não tem invencível. Tudo é fruto de dedicação, de trabalho. Sou fã do Cesar, foi um dos caras que conversou comigo quando eu estava começando a ser nadador profissional. É difícil, mas estava todo mundo competindo em iguais condições”.
A missão de buscar novos ouros e formar novos ídolos agora está nas mãos de 29 atletas, a maior equipe da história da natação brasileira. Cielo, desta vez, ao que tudo indica, será o mais especial dos torcedores.