Mundo das artes perde uma grande artista: Tomie Ohtake
A artista plástica Tomie Ohtake morreu às 12h45 desta quinta-feira (12), em São Paulo, aos 101 anos. Em nota, a família informa que a causa foi choque séptico causado por broncopneumonia.
- Data: 12/02/2015 16:02
- Alterado: 16/08/2023 16:08
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Tomie Ohtake e uma de suas obras-Monumento ao Trabalhador-2013 em Santo André/SP
Crédito:Denise-Andrade
Frases de Tomie Ohtake sobre sua arte
“Minha obra é ocidental, porém sofre grande influência japonesa, reflexo de minha formação. Esta influência está na procura da síntese: poucos elementos devem dizer muita coisa”
“Tudo o que tenho a dizer está dito em meu trabalho. Nunca planejei de modo racional as minhas formas; elas simplesmente surgiam”
“Não gosto de coisas pequenas, nem de pintar com a ponta dos dedos. Uso o corpo todo”
“O (crítico) Mario Pedrosa disse: Tomie, você não quer experimentar pintar umas telas com os olhos fechados? Fiz e quando abri os olhos, uma imagem apareceu e não era uma forma certa”
“Foi a luz amarela daqui – me apaixonei logo ao desembarcar no porto de Santos” “No Japão, é tudo zen. Falam zen, zen. Eu nem pensava nisso. Zen é o que você está fazendo. É o movimento de uma pessoa”
Tomie Ohtake marcou definitivamente a arte brasileira da segunda metade do século 20 e primeiras décadas do século 21, mantendo-se ativa até o fim da vida. Nascida em Kyoto, no Japão, Tomie veio para o Brasil em 1936, com 21 anos, e acabou ficando por aqui. Casou-se, teve dois filhos, Ruy e Ricardo Ohtake. Começou a pintar tardiamente, em 1952, depois do término do casamento. Como poucos, Tomie conseguiu romper a barreira que costuma separar a criação contemporânea do grande público, tornando-se ao mesmo tempo uma artista respeitada pela crítica e admirada e reconhecida pelo grande público e sendo referência não apenas na área da pintura, mas também dedicando-se à gravura e escultura.
Avessa a grupos e movimentos e com uma formação praticamente autodidata, suas obras são marcadas por uma pesquisa permanente, quase obsessiva, de questões próprias à pintura – como a investigação da cor, da textura e da estruturação geométrica e lírica do espaço. Seus primeiros trabalhos, do início dos anos 1950, se inseriam todavia no campo da figuração. Paisagens delicadas, mas já claramente estruturadas por tramas geométricas e uma evidente relação com artistas em destaque no período, como Alfredo Volpi.
Uma de suas telas desse período mostra uma paisagem urbana distante, que pode ser vista de uma tomada elevada, por entre as árvores. Trata-se claramente de uma geometrização da natureza, que pouco a pouco vai se radicalizando até a completa dissolução da aparência do mundo em elementos sintéticos de trama, textura, movimento.
A partir do final dos anos 1950, período que marca o auge da abstração informal no Brasil, Tomie abraça de forma resoluta o abstracionismo, sem, no entanto, aderir ao tachismo, à busca da expressão pela sobreposição de manchas e gestos, como seu conterrâneo Manabu Mabe. A artista parece sempre buscar um equilíbrio suave entre contenção e expressão; parece estar “dosando em partes quase iguais a razão e a emoção”, como escreve Olívio Tavares de Araújo.
Dentre as várias fases exploradas pela artista – que passam das formas mais definidas e dos campos imantados de cor e textura, nos anos 1960, para contenção formal quase minimalista da transição para os anos 1970 e para a explosão de cores, formas e transparências, com um forte toque de sensualidade, que vão invadir sua produção nas duas décadas subsequentes -, uma questão das questões que parece sempre perturbar a crítica é o fato de a pintura de Tomie, tão claramente alinhada com as pesquisas construtivas, formais, trazer tanto do mundo real.
As belíssimas “pinturas cegas”, feitas pela artista com os olhos vendados em busca de uma expressividade genuína, remetem a grandes incêndios; a forma como trata a dissolução do pigmento na água, em busca de um controle quase impossível sobre a matéria, traduz uma busca incessante por uma transparência diáfana. Trata-se, como bem definiu o amigo e crítico Miguel Chaia, de uma síntese fascinante entre geometria e informalismo, que “situa-se no entrecruzamento de uma dupla e paradoxal relação entre arte e natureza: por um lado, afasta-se da natureza, não buscando representá-la imediatamente e reconhecendo as regras próprias da arte; por outro lado aproxima-se dela ao tomar como referência unidades e padrões naturais que são transformados em signos plásticos estruturadores do espaço pictórico”.
Tal aspecto é absolutamente perceptível, por exemplo, nas obras de caráter mais público da artista: as grandes esculturas que realizou nos anos 1980 e 1990 no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Impossível não associar a grande estrutura metálica que ela cria para o centro da Lagoa Rodrigo de Freitas com a forma tentacular de um polvo ou de uma estrela; ou não adotar imediatamente o apelido de as “ondas de Tomie” para suas grandes estruturas em concreto armado instaladas na 23 de maio, diante do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
Muitos procuram explicar a obra da artista, nascida em 1913, por meio da filosofia zen. Há evidentemente uma sintonia entre sua pesquisa e elementos importantes dessa escola oriental, como a ênfase dada à síntese, à contemplação, à meditação.
No entanto, a própria Tomie, em uma de suas raríssimas declarações, procura relativizar a importância dada à sua origem: “Minha obra é ocidental, porém sofre grande influência japonesa, reflexo de minha formação.
Esta influência está na procura da síntese: poucos elementos devem dizer muita coisa. Na poesia haicai, por exemplo, fala-se do mundo em 17 sílabas”. Num estranho paradoxo, essa artista intuitiva, que trabalhava tenazmente e sempre foi muito ativa socialmente, falava muito pouco. E não apenas porque tinha dificuldades com a língua portuguesa. No entanto, expressava-se muito, seja no equilíbrio buscado em suas telas, seja no volteio sedutor de suas últimas espirais de metal. Na falta de palavras, Tomie falava pelo gesto delicado, caloroso, e pelo olhar. Falava pelos olhos e para os olhos.
Veja repercussão da morte de Tomie Ohtake
MIGUEL CHAIA, colecionador “Tomie era aberta para o mundo e completamente ligada ao campo da arte. Ela trouxe uma contribuição importante para a arte brasileira, desenvolveu permanente equilíbrio entre a geometria de tradição construtiva e a abstração informal e incorporou a luz solar do Brasil nos trabalhos. Pessoa que foi sentido de mestra. Para mim, minha referência na arte”.
AGNALDO FARIAS, professor e curador “Tomie ocupa lugar especial dentro do nosso panorama artístico e a contribuição dela para a cor e o gesto apurou o nosso olhar”.
PAULO SÉRGIO DUARTE, crítico: Eu acho que a perda de Tomie é muito grande. Não somente foi uma das pintoras mais importantes das últimas décadas no Brasil, como uma pessoa extraordinária, uma grande dama, uma pessoa que contribuiu além disso, fixando-se no Brasil. Teve dois grande filhos: o Ruy é inevitavelmente um capítulo na história da arquitetura moderna no Brasil. E o Ricardo conduziu a Cultura no estado de SP e conduz hoje muito bem um centro importante de difusão das artes visuais, o Centro Tomie Ohtake. Ela vai ficar pra sempre em nossas memórias.
MARCELO ARAUJO DE MATTOS, Secretário de Estado da Cultura Com enorme tristeza a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo recebeu a notícia da morte de Tomie Othake. Mais do que uma artista de qualidade inigualável, Tomie era ela própria um símbolo da nossa identidade cultural: imigrante, mas paulistana de coração; versátil em sua arte e empreendedora em suas técnicas, trabalhadora incansável – uma síntese de São Paulo.
Com uma obra sofisticada, Tomie alcançou o reconhecimento popular reservado a poucos artistas contemporâneos. No ano passado, a Secretaria da Cultura teve a honra de homenageá-la como Destaque Cultural do Prêmio Governador do Estado de São Paulo para a Cultura. Uma singela lembrança perto do legado que ela deixa para a arte e para a cultura paulista. Tomie segue presente em nossos museus, ruas e praças, e no trabalho do Instituto Tomie Othake, que continuará preservando e difundindo seu legado. Neste momento, toda a equipe da Secretaria da Cultura oferece seu conforto e sua solidariedade à família e aos cidadãos de São Paulo.