Redução das desigualdades sociais, desafio inadiável
Artigo assinado por Samuel Hanan engenheiro, empresário e ex vice-governador do Amazonas (1999-2002)
- Data: 07/02/2022 16:02
- Alterado: 17/08/2023 09:08
- Autor: Redação
- Fonte: Samuel Hanan
Samuel Hanan
Crédito:Divulgação
Quando foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal brasileira foi considerada uma das mais avançadas do mundo na questão dos direitos e garantias individuais. Entretanto, passados 33 anos, constatamos que o país ainda não conseguiu cumprir um dos princípios fundamentais da República, elencado logo no início da Carta Magna: a redução das desigualdades regionais e sociais.
É chocante o que nos mostram os indicadores. Apesar de estar entre as 12 maiores economias do mundo, o Brasil é o nono país mais desigual entre 164 nações, conforme o ranking World Development Indicators (em português, Indicadores de Desenvolvimento Social), publicado pelo Banco Mundial em 2020.
Em um intervalo de 60 anos, entre 1960 e 2020, o Brasil registrou aumento de 133,82% da concentração de renda em favor de 1% dos mais ricos da nação, segundo estudo elaborado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Em 1960, essa minoria de 1% detinha 12,10% da renda nacional. Em 2010, esse percentual havia subido para 17,20% e, em 2020, atingiu 28,30%. O fenômeno se repete em outras faixas da população mais abastada. Os 5% mais ricos, que concentravam 27,70% da renda nacional em 1960, acumulavam 36,30% em 2010, acréscimo de 30,3%. Na faixa dos 10% mais ricos, sua participação pulou de 39,70% em 1960 para 49,80% cinquenta anos depois. Aumento de 22,9%. Nos bolsos dos 20% mais ricos do País estavam 63,30% da renda nacional em 2010, ante 54,40% em 1960. Entre eles, a concentração de renda aumentou 13,2% desde então.
Se analisarmos a evolução das classes sociais no Brasil em período mais recente, de 2008 a 2020, fica evidente o significativo empobrecimento da maior parte da população nacional. Em 2008, as Classes “A” e “B” somavam 11,6% da população. Em 2020 alcançavam 15,3% da população. Já a Classe “C”, composta por 48,9% dos brasileiros em 2008, não somava nem 40% em 2020. E a soma das classes “D” e “E” passou de 39,6% em 2008 para 44,9% da população em 2020. Ou seja: a Classe “C” perdeu para as classes “D” e “E” cerca de 31,9 milhões de pessoas. Os ricos estão cada vez mais ricos, a classe média vem sendo reduzida e empobrecida, e os pobres estão se tornando miseráveis.
Reportagem da BBC News Brasil, veiculada em 13 de dezembro de 2021, mostrou que 70% da população brasileira adulta ganharam em média, em 2019, menos de R$ 2.000,00/mês, o que equivale a cerca de 2 salários mínimos da época. Os dados também comprovam que 90% da população de brasileiros adultos ganharam, em 2019, menos de R$ 3.500,00/mês. Por outro lado, quem se insere entre o 1% da população brasileira mais rica, teve renda média mensal de R$ 28.659,00, o correspondente a 28,5 salários mínimos da época (2019), muito mais que a renda mensal de 99% da população.
Os dados também comprovam que 89,16% da população brasileira adulta com renda mensal de até R$ 4.990,00, menos que 5 salários mínimos (em 2019), respondem por 66,44% do total da arrecadação tributária do país. Aqui está a comprovação definitiva de que o Sistema Tributário Brasileiro é um verdadeiro manicômio tributário.
As desigualdades sociais e regionais vêm sendo fomentadas pelo Governo Federal há mais de 20 anos. Esse abismo se acentua graças, primeiramente, à tributação elevada, injusta e progressiva sobre o consumo. Ao optar por tributar fortemente o consumo, e não a renda/capital, o Brasil escolheu o caminho errado. Essa sinuosa estrada arrecadadora não é nada segura e sacrifica o bolso dos mais pobres. É a aceleração das desigualdades ladeira abaixo.
Se por um lado o governo se mostra sensível à situação dos menos favorecidos implementando o programa Auxílio Brasil no valor de R$ 400,00 mensais, por outro tira quase o total do benefício do trabalhador assalariado com renda de até 2 salários mínimos por meio da abusiva tributação imposta sobre o consumo da alimentação básica, higiene pessoal, vestuário e transporte, que lhe custam R$ 390,14 por mês.
O abismo se aprofundará se os cidadãos que ganham menos continuarem sofrendo os efeitos mais perversos desse modelo tributário, pelo qual a carga tributária recai mais em quem ganha menos. Esta é uma nação Robin Hood às avessas!
Outra causa importante desse agravamento é a benevolência do Governo Federal na concessão de renúncias fiscais. A receita da qual o Brasil abre mão todos os anos soma R$ 300 bilhões. Ou nada menos do que 4% do PIB Nacional. As razões para essas concessões não são apenas questionáveis; significam escandaloso descumprimento da Constituição, porque são concedidos sem a observância do princípio da impessoalidade e se destinam não para a redução das desigualdades sociais e regionais, mas para as regiões Sudeste e Sul, justamente as mais ricas e desenvolvidas do país. Como se não bastasse, o Brasil ainda perde outra significativa do PIB para a evasão fiscal. São U$$ 280 bilhões que deixam de entrar anualmente nos cofres federais por pessoas físicas e jurídicas que sonegam tributos. Um rombo de 13,4% do PIB.
Antes de se falar em reforma tributária e do restabelecimento do pacto federativo, existem caminhos urgentes, necessários e factíveis para o Brasil reduzir suas desigualdades sociais. O ponto de partida deve ser a redução da tributação sobre o consumo, diminuindo as alíquotas de ICMS, IPI, PIS, COFINS e outros impostos.
Outra medida essencial é fazer uma mudança profunda no Imposto de Renda, começando pela correção anual da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, evitando-se tributar inflação e aumentar a tributação das pessoas físicas sem lei autorizativa. Além disso, é imprescindível aumentar a tributação sobre a renda – por meio do IRPJ -, criando novas e mais elevadas alíquotas, de modo a tributar maiores salários e rendas.
Também é urgente aumentar a tributação sobre herança, hoje fixada em 4% a 7%, muito aquém do que é cobrado em outros países. Por fim, o País precisa estabelecer política de aumento real anual do salário-mínimo, com percentual ditado pelo aumento da produtividade, além, é claro, da obrigatoriedade da correção anual pelo índice inflacionário.
O dramaturgo paraibano Ariano Suassuna (1927-2014) há muito tempo alertou: “O que é muito difícil é você vencer a injustiça secular que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.”
Sempre é tempo de ouvir a voz dos sábios e de encarar os desafios, enfrentando o poder das elites e reduzindo privilégios. Sem isso, o Brasil continuará sendo uma fonte inesgotável de desigualdades sociais, penalizando a população mais pobre.