(Pra Frente) Brasil no Cinema Vira-lata

Cinema brasileiro ainda luta para encontrar seu lugar na premiação do Oscar

  • Data: 13/10/2024 12:10
  • Alterado: 18/10/2024 15:10
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC
(Pra Frente) Brasil no Cinema Vira-lata

Crédito:Reprodução

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A proximidade de estreia do filme Ainda Estou Aqui (2024), em território brasileiro, somou-se a uma enxurrada de palpites positivos no cenário internacional sobre o novo longa de Walter Salles. A imprensa e repercussão internacional, junto a escolha do filme para representar o país, têm conseguido resplandecer um auspicioso panorama de novas esperanças para a disputa do Oscar. A mera possibilidade, conseguiu reascender uma velha discussão sobre traumas e a forma como nos enxergamos frente a indústria cinematográfica.

Há quase 30 anos, tivemos a estreia do último filme brasileiro que mais perto nos deixou de arrematar uma estatueta para o Oscar de “Melhor Filme Estrangeiro” e Melhor Atriz” por Central do Brasil (1998), no ano seguinte ao seu lançamento. Antes mesmo de uma indicação, conhecida até hoje como o maior feito rumo a um reconhecimento mundial, nosso país vivia mergulhado sob um conturbado período que afetou diretamente a sétima arte brasileira, trata-se da ditadura do regime militar, ocorrida entre 1964 até 1985.

Neste período, diversas formas de arte ou produtos culturais eram cortados ou completamente vetados pela censura. Portanto, o país logo precisou encontrar na repressão, um terreno fértil para o nascimento de suas obras frequentemente perseguidos pelo regime militar. Foi o que ocorreu com um dos responsáveis pelo movimento “Cinema Novo” no país, o cineasta Glauber Rocha. O diretor do longa Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), foi um dos nomes que precisou se exilar, dando início uma debandada de realizadores que temerosos, foram obrigados a se “reinventar” para não serem marcados pelos militares.

Por este trilho, o cinema brasileiro conseguiu sobreviver e emergir com alguns diretores que resistiram e denunciaram as torturas e censuras através de suas produções. Entre os precursores, surgia o nome de Roberto Farias, responsável pelo filme Pra Frente, Brasil (1982), lançado quando o regime já não exercia tamanha “mão de ferro” de outrora. Mesmo assim, após a ditadura, as cicatrizes deixadas em meio a repressão, já davam sinais de prejuízo, a exemplo do que ocorreu com outra fase complicada do nosso cinema, com as chamadas “pornochanchadas”, na década de 70.

É neste jogo de palavras que descende um misto de subgêneros, como no termo “chanchada” – descritas com comédias populares dos anos 40, de fácil acesso ao público –, trazendo nomes como Oscarito e Grande Otelo. Deste modo, as pornochanchadas, também possuíam influência e similaridade direta com produções italianas de soft-porn (de baixo orçamento), realizadas na década anterior. Surgiam assim os malfadados (e malfeitos também) filmes de subgênero, algo como “comédia-erótica”, que infelizmente só reforçavam a imagem distorcida do cinema nacional.

A certa altura, grande parte da fama das produções nacionais foi manchada (ao serem classificarem como “filmes de sacanagem”) frente a opinião pública. Muito por conta dessas obras possuírem um alto grau de nudez gratuita e exploração do corpo feminino, que as envelopava em um gênero cansado, machista e sobretudo, banal em sua proposta, ainda que imposto pelo contexto de sua época. Com a chegada da redemocratização e o movimento das “Diretas Já” no final da década de 80, os ensaios para um novo cenário do cinema nacional começavam a se descortinar. Dessa forma, os estereótipos só começariam a ser desmantelados após a chamada “Era Collor”, na década de 90, quando finalmente nosso cinema passa a chamar atenção, o período é conhecido como “Retomada”.

Com a criação das leis de captação e incentivo ao audiovisual, o país passa a produzir obras de alto calibre, trazendo clássicos instantâneos como O Quatrilho (1994), O Que É Isso, Companheiro (1997), Central do Brasil (1998), O Auto da Compadecida (2000), Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003), Tropa de Elite (2007), entre outros sucessos de bilheteria. Ainda que com divergências político-ideológicas, não há dúvidas que auxilio estatal nestas produções, possibilitou um aporte de recursos finalmente compatíveis com o tamanho e ambição de seus realizadores, e assim, passando a fomentar a chegada de mais e melhores filmes, recuperando-se e obtendo prestígio no cenário nacional e até internacional.

O que pode ser um limiar de contradição, serve também de elemento chave para uma importante reflexão acerca da busca por reconhecimento que muito funciona no ato de fazer o “bom cinema”. Ao incorporar nosso universo a tramas de raízes no âmbito sociocultural (com a tal brasilidade), juntamente as estranhas do mesmo DNA que nosso cinema é realizado, passamos a chamar atenção internacional, ou seja, somos nós falando de nós mesmos. Então aí, repousa a beleza do contrassenso, ao passo que, apesar do reconhecimento, podemos ficar presos novamente a determinadas temáticas de gêneros cansados, e ainda assim, correndo o risco de esquecer a gênese que faz de nós brasileiros.

Nesta jornada, usando o título e cenário de uma marchinha da Copa de 70 – símbolo da ditadura nascida para criar um falso ambiente de positividade e euforia nacional –, em obra homônima, refletida no rompimento do status quo em forma de crítica, fomos ultrapassando o centenário do surgimento das primeiras películas da sétima arte no país. Foi assim, como no caso do longa Pra Frente, Brasil (1982), que passando por exibições complicadas, por vezes reguladas, a história de nosso cinema atravessou transmutações em busca de seu lugar, sempre à procura da famosa cadeira VIP da mais bela vista que um lugar ao sol poderia chegar, o Oscar.

Durante seus anos de amadurecimento, o cinema brasileiro passou por diferentes etapas, e assim, quanto mais nos aproximamos da maior premiação do cinema mundial, mais e mais veículos especializados na sétima arte, se ouriçam para falar sobre o assunto. Contudo, entra ano, sai ano, dificilmente nosso cinema se vê com chances reais de, ao menos participar da festa com as possibilidades de indicação. Então o que ainda falta?

Outro ponto talvez esteja na mentalidade, por vezes equivocada que fazemos sobre nossas próprias produções. Então, é comum associarmos o termo “sucesso” sedimentado em uma enxurrada de produções que subestimam o espectador. Visto que, boa parte dos longas que fazem barulho na mídia tradicional, apenas reforçam a imagem de que nossas produções se resumem a comédias (românticas ou satíricas) quase sempre estreladas seja pelo Leandro Hassum, ou Tony Ramos (a depender da época), assumindo assim um molde “formulaico”, do jeito Globo Filmes de se fazer cinema.

Existe também uma problemática que distorce nossa percepção, sobretudo pela forma como buscamos, inconscientemente, equiparar nossos filmes às produções norte-americanas, uma comparação que além de injusta, não é saudável. Este erro, seria como acompanhar nosso país em participações nos Jogos Olímpicos, ou nunca se perguntaram a razão de tantos atletas estadunidenses serem medalhistas de ouro? Poder de investimento e mentalidade são palavras-chave. No cinema, o escopo não foge a lógica do esporte, então imagine uma empresa investindo em um filme sem saber se terá retorno. Que garantias esse investidor teria que o dinheiro vai surtir algo de positivo ao seu negócio, arriscado, né?

Já em Hollywood, existem moldes comercialmente orgânicos para a construção de um filme, onde por exemplo, uma celebridade usa um tênis de determinada marca, e assim já se amarram os alicerces de um projeto. Ao passo que no Brasil, precisamos, necessariamente, de auxílio governamental que isenta os impostos de empresas ao aceitarem patrocinar uma obra por meio das leis de incentivo à cultura, e mesmo assim, a modalidade causa controvérsia ideológica.

É também importante que se diga, filmes não se fazem somente com dinheiro, não se engane, muitos se sustentam através de recursos, mas também, por meio de uma diferente mentalidade. Veja no exemplo da Argentina, um país economicamente sofrido e mesmo assim, continua a produzir filmes com a mesma excelência de obras europeias. Por meio de um formato já consolidado, o cinema argentino se retroalimenta, possuindo um mercado que se mantem aquecido, ao trazer em sua filosofia uma cultura alicerçada na autoestima, que fundamentalmente reconhece e admira seu próprio produto.

Dentre as causas para compreender o desinteresse da audiência em nossas produções, podemos encontrar talvez uma falta de autorreconhecimento cultural do espectador, pois nem toda “Cidade de Deus”, é objeto de autorreferência para cada indivíduo, como mencionado. Entretanto, parte da audiência média, busca também um certo distanciamento do real em tela, mesmo que seja pelo puro escapismo que o tire momentaneamente da realidade.

Ou seja, neste escopo, qualquer proposta que fujam dessa estética, pode causar um desconvite a este público, gerando desgastes ao espectador e uma recusa de se enxergar como arquétipo por vezes estereotipado nesse tipo de obra. Por esta razão, filmes de herói ainda possuem tanto apelo para audiências mais casuais (em sua maioria), basta ver as bilheterias e a maneira como essas produções ocupam nossas salas de cinema.

Talvez em termos comparativos, expressão alguma conseguiu tamanha exatidão ao definir um sentimento enrustido acerca do cinema nacional, como na fala de Nelson Rodrigues. Após a derrota traumática de um Brasil favorito, na final da Copa de 50, o jornalista e escritor dramaturgo brasileiro, cunhou uma curiosa expressão ao diagnosticar os brasileiros como aquilo que chamou de “síndrome de vira-lata”.

De acordo com o escritor, nosso país só iria se recuperar, após conquistar uma Copa, fato que ocorreu oito anos mais tarde em 1958, no México. O escritor ainda explicou que “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”, portanto, carrega o viralatismo por qualquer parte onde passe, sentindo-se sempre menor, frente ao resto do mundo.

Assim, não restam dúvidas que é preciso enfrentar este mal endêmico que a tanto tempo assombra o cinema brasileiro feito abutre faminto na carniça. Porém, a resposta não está na “cura”, mas talvez em uma “vacina”. Ainda que pareça que a condição de melhora esteja somente em caso vitórias no Oscar, um alerta é necessário. Sim, vencer é importante (quase invariavelmente), mas antes disso, o que se precisaria, era que o Brasil derrotasse seus próprios complexos internos.

Então, após uma sessão de terapia interna, com uma estatueta na mão, esse tipo de vitória elevaria sim a autoestima do povo brasileiro, sarando o exorcismo de nossas mazelas, até finalmente nos fazer sentir vingados. A exemplo de como acontece no futebol, para que assim possamos, uma vez mais, sentir aquela falsa distância das injustiças diárias de cada brasileiro, ao menos através da arte, a sétima. Dessa forma, com o “jeitinho” que o cinema precisa, podíamos, ao menos de mentirinha, esquecer do passado, e colher no futuro um olhar cínico de aprendizado sem receita de bolo ao pensar: Pra frente, Brasil – bora sair com os três pontos debaixo do braço e garantir essa taça, ao menos até a segunda-feira.

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  • Data: 13/10/2024 12:10
  • Alterado:18/10/2024 15:10
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