Por que muitas capitais brasileiras ainda não têm planos contra mudanças climáticas?
Levantamento mostra que apenas 11 das 27 capitais, incluindo o Distrito Federal, possuem plano concluído
- Data: 29/05/2024 14:05
- Alterado: 29/05/2024 14:05
- Autor: Texto: João Guilherme Bieber | Edição: Bruno Fonseca
- Fonte: Agência Pública
Crédito:Marinha do Brasil/RS
Fonte: Agência Pública
Um caminho para as cidades reduzirem as emissões de gases de efeito estufa e prevenirem mortes, danos à infraestrutura e perdas materiais decorrentes de desastres relacionados às mudanças climáticas: essa é a essência de um plano de enfrentamento às causas e consequências das mudanças climáticas. Uma espécie de “receita de bolo” do que fazer diante da perspectiva de que tempestades, ondas de calor, secas e outros eventos extremos se tornem cada vez mais frequentes e destruam cidades.
A importância dessa receita já era clara – e ficou ainda mais evidente com o desastre no Rio Grande do Sul. Contudo, a maioria das capitais brasileiras não tem esse plano, ou ainda o estão construindo.
Ao todo, 16 capitais das 27 não têm o plano concluído, segundo a reportagem apurou com as prefeituras. As capitais que não possuem plano finalizado são: Aracaju, Belém, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis, Goiânia, Macapá, Maceió, Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, São Luís e Vitória.
As prefeituras de Belém, Florianópolis, Macapá, Manaus, Natal, Porto Alegre e Vitória estão elaborando seus respectivos planos de enfrentamento às mudanças climáticas.
As respostas completas de todas as prefeituras consultadas podem ser lidas aqui.
Em 2023, a Agência Pública havia mostrado que somente dez haviam terminado seus planos. Nesse intervalo de um ano, somente Teresina entrou no grupo das capitais com plano.
(Bruno Fonseca/Agência Pública)
Por que isso importa?
- Planos de adaptação às mudanças climáticas são feitos para ajudar a reduzir os impactos de desastres junto à população e podem salvar vidas e diminuir perdas materiais nas tragédias.
- Mesmo capitais que possuem planos nem sempre são capazes de implementá-los ou a sociedade não consegue fiscalizar sua execução.
Vários fatores explicam o despreparo das capitais brasileiras para enfrentar as causas e consequências das mudanças climáticas, de acordo com especialistas entrevistados pela Pública.
“O fato de que a maioria das capitais não possui plano reflete uma certa negligência política”, afirma Rodrigo Perpétuo, secretário executivo da Icle iAmérica do Sul. A Iclei é uma rede de governos locais e regionais focada no desenvolvimento urbano sustentável e tem trabalhado em conjunto com diversas prefeituras na elaboração de planos de mudanças climáticas.
Perpétuo aponta outras barreiras para a elaboração de planos de mudanças climáticas, como a necessidade de envolver diversas áreas dentro das prefeituras e setores da sociedade (universidades, sociedade civil, iniciativa privada) e o baixo nível de conhecimento técnico relativo às mudanças climáticas no nível municipal.
Patrícia Pinho é diretora adjunta de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e autora líder do grupo de trabalho sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Ela também destaca a insuficiência de recursos financeiros, conflitos de interesses com setores econômicos poderosos, a falta de dados precisos e a descontinuidade nas políticas devido a mudanças na administração. Para ela, o Brasil está atrasado na agenda de adaptação e é preciso correr atrás do tempo perdido.
O atraso tem consequências. Como apontado pelo Relatório Síntese do IPCC, publicado em março de 2023, e reforçado pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul que desalojaram mais de meio milhão de pessoas, as mudanças climáticas já afetam negativamente a infraestrutura urbana, a prestação de serviços públicos e o bem-estar da população.
No total, 468 municípios já foram afetados pelo desastre climático no Rio Grande do Sul
(Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
“Há uma necessidade de redução das emissões. Mas, no curto prazo, medidas de adaptação precisam vir com urgência. Podem salvar vidas”, afirma Perpétuo. “Adaptação envolve, por exemplo, políticas de habitação, reassentamento de pessoas, obras de macrodrenagem.”
José Marengo é coordenador-geral de Pesquisa e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Para ele, o foco deve ser na prevenção, em reduzir os riscos de danos causados pelos desastres. Essas medidas fazem parte do processo de adaptação.
“Os volumes de chuva vão continuar aumentando”, alerta. “Com medidas efetivas de prevenção, é possível reduzir as vulnerabilidades para que, mesmo que chova mais, os impactos sejam menores. O principal é salvar vidas e garantir uma infraestrutura básica. Por exemplo, garantir que não falte água durante estes eventos, que o transporte não seja interrompido.”
No centro do desastre, Porto Alegre não finalizou seu plano
Porto Alegre, que tem sido duramente afetada pelas chuvas há quase um mês, ainda não finalizou seu plano de enfrentamento às mudanças climáticas. As pesquisas iniciais começaram em 2023. A previsão é que esteja concluído em agosto de 2024, segundo informações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus). A Smamus lançou uma pesquisa pública para receber sugestões dos cidadãos para estruturar medidas atenuantes dos efeitos das mudanças climáticas na cidade.
Além de não ter seu plano finalizado, a capital do Rio Grande do Sul lida com outros problemas de planejamento urbano. O sistema que deveria proteger a cidade de cheias falhou. Além disso, o Plano Diretor – importante instrumento de planejamento da cidade – não foi revisto dentro do prazo exigido pela legislação.
O Estatuto das Cidades exige que o Plano Diretor seja revisto, no máximo, a cada dez anos. No caso de Porto Alegre, a revisão deveria ter sido feita até 2020, o que não ocorreu.
Em abril deste ano, o secretário da Smamus, Germano Bremm, afirmou que um dos cinco objetivos do novo Plano Diretor será adaptar a cidade para os efeitos das mudanças climáticas e zerar as emissões de gases do efeito estufa.
Questionada pela reportagem, a secretaria informou que o principal motivo para o atraso foi a pandemia de covid-19 e que a revisão do Plano Diretor deve ser concluída no final do ano. Leia aqui a resposta completa da Smamus.
Recuperação de Porto Alegre pode levar meses
(Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
Sede de COP30, Belém não tem plano concluído
Preparando-se para sediar em 2025 a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o evento global mais importante sobre o tema, Belém é mais uma das capitais brasileiras que ainda não possui seu plano. Em elaboração, o plano de enfrentamento às mudanças climáticas deve ficar pronto e ser apresentado à Câmara dos Vereadores até outubro deste ano, segundo informou a prefeitura.
“O plano está em processo de revisão. O objetivo é transformar o plano em lei para garantir sua continuidade nas gestões seguintes. Queremos que o plano vá até 2050”, explica Sérgio Brazão, coordenador do Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas de Belém.
Mapeamento realizado pelo Serviço Geológico do Brasil em 2021 revela a dimensão da ameaça e a urgência de preparar Belém para enfrentar chuvas cada vez mais fortes. De acordo com o estudo, mais de 172 mil pessoas estão em áreas classificadas como de risco alto e muito alto de inundações, alagamento, erosão costeira/marinha e deslizamento planar.
De acordo com ele, mesmo sem o plano estar pronto, ações que vão constar no planejamento já estão sendo implementadas, como aquisição de ônibus mais eficientes e o fechamento da usina termelétrica na Ilha de Cotijuba previsto para o segundo semestre. Essas medidas são de mitigação e visam reduzir as emissões de gases que causam as mudanças climáticas.
Devido sua localização geográfica, Belém enfrenta altos índices de chuvas
(Bruno Cecim/Ag.Pará)
Em relação às medidas de adaptação, que preparam as cidades para os efeitos das mudanças climáticas, Brazão destaca a necessidade de obras de drenagens em Belém, formada por 14 bacias hidrográficas, para evitar alagamentos e inundações.
“As bacias precisam de intervenção para garantir a drenagem natural. Foram concluídas as obras em uma (bacia do Una); neste ano, serão concluídas obras em duas (bacias da Estrada Nova e do Tucunduba) e iniciadas as obras na bacia do rio Mata-Fome”, afirma Brazão.
“As outras dez bacias necessitam de intervenção de drenagem, deslocamento de pessoas para habitações e, fora do ambiente, drenagem, elaborações de marginais arborizadas, dentre outras intervenções necessárias. O plano incluirá a necessidade de ação nas bacias como prioridade. Embora seja uma intervenção dispendiosa, o prazo provável de 2050 torna sua execução possível.”
Como o caso de Belém mostra, a inexistência de um plano não significa a completa ausência de medidas de enfrentamento às mudanças climáticas. Contatadas pela reportagem, outras prefeituras que não possuem plano de mudanças climáticas também informaram a adoção de diversas medidas de mitigação e adaptação.
A prefeitura de Maceió, por exemplo, criou o Previne Maceió, voltado para o enfrentamento ao período chuvoso, e a prefeitura de Boa Vista afirmou estar “implantando o Plano Municipal de Resíduos Sólidos, que prevê a mitigação de impactos climáticos a partir da destinação adequada dos resíduos sólidos na capital”.
A inexistência de um plano, contudo, significa que não há coordenação entre as diferentes ações adotadas para a consecução de metas e objetivos climáticos previamente estabelecidos com base nas necessidades específicas de cada cidade.
Sala de monitoramento das condições climáticas da Defesa Civil em Maceió
(Jonathan Lins /Secom Maceió)
Planos devem sair do papel
Mesmo entre as capitais que possuem plano, a situação está longe da ideal. É preciso implementá-lo, assim como acompanhar as ações feitas e os resultados obtidos, inclusive pela sociedade. No entanto, como os exemplos de Rio Branco e Fortaleza ilustram, nem sempre os planos saem do papel ou a sociedade pode fiscalizar sua implementação.
No caso da capital acreana, como revelado no levantamento anterior, a prefeitura possuía um plano que não saiu do papel e anunciou a necessidade de criação de um Comitê Intersecretarial de Mudanças do Clima para revisão do plano e sua posterior implementação. Depois de quase um ano, o comitê foi criado em abril de 2024. A reportagem questionou a prefeitura de Rio Branco se havia adotado as demais medidas, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação da prefeitura.
Fortaleza é outra das 11 capitais que possuem um plano de mudanças climáticas. Publicado em 2020, o documento apresenta 98 iniciativas para tornar Fortaleza sustentável, resiliente, de baixo carbono e inclusiva.
Questionada pela reportagem quanto à implantação do plano, a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente informou que o monitoramento é realizado por meio do Gabinete de Governança Climática e que mais de 40% das 98 iniciativas do plano estão em andamento, como os Microparques, Plantando Ciclos e revisão do Plano Diretor. No entanto, a secretaria não disponibiliza ao público relatórios de monitoramento e avaliação do plano.