Espanha retira embaixadora da Argentina após Milei atacar governo em Madri
Argentino fez críticas à esposa do premiê Pedro Sánchez em evento da ultradireita e se recusou a pedir desculpas
- Data: 21/05/2024 14:05
- Alterado: 21/05/2024 14:05
- Autor: Redação
- Fonte: Mayara Paixão/Folhapress
Presidente da Argentina, Javier Milei
Crédito:Reprodução/Twitter
O tom pouco diplomático que o presidente da Argentina, Javier Milei, adota para se referir a desafetos internacionais gerou sua maior consequência até aqui: o governo da Espanha anunciou nesta terça-feira (21) a retirada de sua embaixadora de Buenos Aires.
O presidente ultraliberal deflagrou aquela que vem sendo considerada a mais grave crise diplomática com Madri na história recente quando criticou, em solo espanhol, o governo local e, na sequência, disparou mais ataques aos governantes em suas redes sociais.
O imbróglio se estendeu desde o último domingo (19), até que o chanceler espanhol, José Manuel Albares, anunciou a retirada definitiva da embaixadora María Jesús Alonso de Buenos Aires.
Ele já havia a convocado para consultas, o que no rito diplomático é sinal de uma grave reprimenda, e também chamou o embaixador argentino em Madri para uma conversa. A Espanha exige um pedido de desculpas, que o governo de Milei já reiterou que não ocorrerá.
Ao LN+, canal do La Nacion, o argentino classificou a decisão de “um disparate próprio de um socialista arrogante”, referindo-se ao premiê Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE). Ele diz que não há planos de retirar o embaixador argentino em Madri como resposta.
Durante o fim de semana, o chefe da Casa Rosada esteve em Madri e ignorou a possibilidade de encontros com autoridades do governo socialista de Sánchez. No lugar, afagou a ultradireita local, personificada no partido Vox, e abriu uma crise diplomática.
Em discurso em um evento do grupo, fazendo menções críticas ao socialismo e a elites políticas, ele fez também uma menção indireta à esposa do premiê Sánchez, Begoña Gómez, alvo de uma investigação sobre tráfico de influências que quase derrubou o marido do cargo.
Milei se referiu a um político “que tinha mulher corrupta”, em uma fala entrecortada e confusa. Ele disse: “As elites globais não percebem o quão destrutiva pode ser a implementação das ideias do socialismo, não sabem que tipo de sociedade e país podem produzir, e que tipo de pessoas apegadas ao poder e que níveis de abuso podem gerar. Quero dizer, mesmo que tenha a mulher corrupta, por assim dizer…”
O argentino foi amplamente aplaudido, e agora tem apregoado que sua ida à Espanha apenas comprovou que ele é “o máximo expoente da liberdade a nível mundial”, como disse em entrevista ao canal TN.
Pouco depois, o chanceler espanhol afirmou que não havia precedente do tipo na relação Espanha-Argentina e que Javier Milei respondeu a “hospitalidade e boa fé” ofertados para recebê-lo em Madri com “um ataque frontal à democracia e às instituições”.
“O respeito mútuo e a não interferência em assuntos internos são princípios fundamentais das relações internacionais e é inimaginável que um presidente em exercício visite a Espanha e ofenda o governo da Espanha”, seguiu o ministro em entrevista coletiva.
Já nesta terça, ele afirmou que “não existem precedentes de um chefe de Estado que vá à capital de outro país para insultar suas instituições e fazer uma interferência flagrante em assuntos internos”.
O próprio premiê Pedro Sánchez se manifestou, afirmando que o episódio certamente não reflete a opinião dos argentinos, mas “mostra o risco que uma internacional ultradireitista representa para sociedades como a espanhola, que sustentam a democracia com pilares de progresso econômico, justiça social e convivência”.
Enquanto isso, em Buenos Aires, ministros e porta-vozes de Javier Milei reiteravam que ele não atacou o governo do premiê Sánchez.
“Ele não nomeou Pedro Sánchez nem absolutamente ninguém do governo espanhol. Vestiram a carapuça e relacionaram o que disse Milei com a esposa de Sánchez”, afirmou o porta-voz Manuel Adorni.
Há muito caldo na relação Madri-Buenos Aires desde que Milei assumiu a Casa Rosada, em dezembro. Há poucas semanas, um dos ministros de Sánchez sugeriu que o presidente argentino fazia uso de drogas.
Em Buenos Aires, houve muitas críticas a Milei, notadamente pela oposição, por abrir um conflito diplomático com um dos países de relação mais sólida com a Argentina. Mas, entre as conversas do governo e mesmo da chancelaria argentina, predomina a visão de que comentários pessoais feitos por presidentes não deveriam ser desculpas para arruinar relações comerciais entre diferentes países.
Além de uma carga histórica relevante entre os dois países, desde a colonização, há, é claro, o peso econômico. A Espanha pode não estar entre os principais sócios comerciais da Argentina (em março, por exemplo, aparecia na posição 15ª de um ranking com Brasil, China e EUA à frente), mas tem enorme peso e investimentos.
Segundo os últimos relatórios oficiais de investimento externo na Argentina, o país europeu é responsável por cerca de 15% do total de investimentos no país, ocupando o segundo lugar numa lista liderada pelos EUA, com cerca de 19%. O temor de que a crise diplomática possa escalar para um rompimento definitivo das relações bilaterais se explica, em grande parte, por esses números.
Milei em outras ocasiões já trocou duras farpas com líderes como o presidente da Colômbia, o esquerdista Gustavo Petro, no X. Depois enviou a Bogotá sua chanceler, Diana Mondino, para amortizar a confusão e inclusive emitiu uma carta junto ao governo colombiano afirmando que as relações bilaterais seguiam as mesmas.
Também com o presidente Lula (PT) Milei chegou a subir o tom, quando ainda em campanha disse que o petista era um corrupto e que com ele não se reuniria. Diana Mondino já fez três visitas ao Brasil, duas delas a Brasília para se reunir com o chanceler Mauro Vieira, e, ao menos a nível comercial, a relação entre os dois países não foi afetada.
A crise com a Espanha ainda pode ter outros capítulos. Se nada for alterado na agenda presidencial, Milei voltaria a Madri em junho para receber uma premiação de um instituto liberal. Antes, ele passaria pela Itália, onde a primeira-ministra Giorgia Meloni, outro nome de peso da direita global, o convidou para participar da cúpula do G7.