Entrada do Brasil na Opep+ em meio à COP28 foi uma bênção, diz ministro de Minas e Energia
"Me alegrou", diz o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre a decisão da COP28, conferência do clima da ONU, de fazer uma transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Para ele, no entanto, a transição definida na cúpula em Dubai (Emirados Árabes Unidos), encerrada na quarta-feira (13), será lenta se os países desenvolvidos não tomarem a frente. Enquanto isso, ele aposta em ampliar a exploração de petróleo e gás no país. Também estuda a possibilidade de trazer gás da Argentina e dos Estados Unidos. Embora o combustível fóssil aumente as emissões de gases-estufa do Brasil, tornando mais desafiador o cumprimento dos compromissos estabelecidos no Acordo de Paris, Silveira apresenta outra prioridade: aumentar a competitividade da indústria, com um combustível mais barato. Após ter atraído holofotes e críticas internacionais no início da COP28 ao anunciar a adesão do Brasil à Opep+ (grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo), Silveira sustenta que o momento foi adequado. "Foi uma bênção", ele afirma nesta entrevista à Folha de S.Paulo. Países desenvolvidos, principalmente europeus, "queriam colocar o Brasil numa camisa de força ambiental", diz Silveira, em entrevista concedida na sede da bolsa de valores de São Paulo nesta sexta (15), ao final do leilão da Aneel de linhas de transmissão, que prevê investimentos de R$ 21,7 bilhões. * PERGUNTA - O que o sr. achou da decisão final da COP28, de transitar dos combustíveis fósseis? ALEXANDRE SILVEIRA - Me alegrou. Esperava até que ele fosse mais polêmico, exatamente pelo local onde a COP se deu, exatamente num país que vive vigorosamente a sua economia dependente do petróleo e do gás. Mas achei que foi extremamente coerente com o momento que o mundo vive, onde os fenômenos climáticos assustam todos nós. Nós todos no Brasil sabemos que a sustentabilidade é um pilar fundamental nas políticas públicas internacionais e na política pública planetária. O que nós defendemos, de forma reiterada e de forma vigorosa, é que a transição energética seja também uma grande oportunidade de se fazer justiça entre os países do Sul Global e os países industrializados. Nós queremos tirar os países industrializados do conforto, ou até da apatia com o tema. Ano que vem nós vamos ter a oportunidade com o G20, e eu em especial presidindo o tema de energia, de fazer um debate em torno da transição energética justa e inclusiva. P - Ao longo da COP28, a delegação brasileira passou a afirmar com mais clareza uma posição favorável à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, ao passo que o Ministério de Minas e Energia também anunciou que formará um grupo de trabalho sobre a transição energética no próximo ano. A pressão da COP pautou a posição brasileira? AS - Acredito que foi consolidando uma posição que já é a posição do governo. Chegamos na COP com toda aquela polêmica da entrada do Brasil na Opep+, e aquilo foi uma grande oportunidade de o Brasil não participar de algo que era vontade de alguns países desenvolvidos, em especial dos países da Europa. Queriam colocar o Brasil em uma camisa de força ambiental. Nós não podemos participar dessa camisa de força. O Brasil precisa ainda explorar, de forma adequada e equilibrada, petróleo, minerais críticos, até porque a transição energética vai demandar minerais como lítio, cobalto. P- O anúncio sobre a Opep+ e a visita à Arábia Saudita às vésperas da COP foram uma provocação? Foi proposital? AS - Não. Foi mais uma bênção de ter acontecido com a gente naquele momento o convite e o presidente Lula se manifestar a favor, até porque ele entende que nossa participação na discussão geopolítica internacional e no mundo árabe também é importante. P - Mas o sr. acha que o momento foi adequado? AS - Foi exatamente o adequado. Fui muito criticado naquele primeiro momento por estar em um fórum ambientalista discutindo a participação do Brasil numa plataforma dos países exportadores de petróleo. Mas aquilo ali foi muito importante para o Brasil naquele momento, porque mostrou que o Brasil tem musculatura para discutir com altivez a sua matriz energética. O Brasil quer ser respeitado, junto com os países do Sul Global, pelos países industrializados, para que a gente possa transformar a oportunidade da transição energética também em uma grande fonte econômica de combate à desigualdade. A França não tem petróleo, então ela pode fazer um discurso politicamente correto na visão dela contra o petróleo, mas ela explora petróleo no mundo inteiro, inclusive no Brasil, e quer, muitas vezes, pressionar o Brasil e pressionar os países do Sul Global, colocando barreiras, como nós estamos tendo dificuldade agora, na relação do Mercosul e da União Europeia. P- No Congresso, tramita o PL [projeto de lei] das eólicas offshore, que também passou a prever incentivos a carvão. Existe um risco de o lobby dos combustíveis fósseis sabotar os projetos de transição energética? AS - O governo será rigoroso na defesa do consumidor de energia do Brasil. Nós estaremos do lado do consumidor. Até porque energia é fonte de geração e de desenvolvimento. P - O gás é considerado "combustível de transição" para países que dependem de petróleo e carvão, que não é o caso brasileiro. Por que o Brasil prevê expandir em mais de 30% a oferta de gás nesta década? AS - Ninguém consegue no mundo dizer em quanto tempo a transição vai se dar, de forma definitiva. Enquanto os países ricos e industrializados não deixarem a retórica e o discurso e não monetizarem as matrizes energéticas limpas e renováveis, nós vamos ter uma transição lenta. P - O Brasil está esperando um sinal dos países desenvolvidos? Qual a lição de casa que o país vai fazer para planejar a transição aqui? AS - A brasileira a gente já faz. Inclusive, na próxima terça-feira (19), o CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] vai aprovar o grupo de trabalho para a aplicação das políticas nacionais de transição energética que vão ser enviadas ao Congresso. Contratamos neste ano R$ 40 bilhões em linhas de transmissão, num país que já tem 186 mil km de linhas de transmissão. Para quê? Para gerar energia limpa e renovável no Nordeste, para exportar a sustentabilidade. Prefiro acreditar que o Brasil será capaz de atrair indústrias internacionais a fim de que essa sustentabilidade seja exportada através de produtos manufaturados, ou seja, que seja respeitado e que seja mais vigoroso o nosso conteúdo local, e não que a gente exporte água e energia para outros países. Estou acreditando muito na produção dos nitrogenados, já que nós somos celeiros de alimentos e, para isso, nós precisamos do gás. Eu acho que a política do gás é correta, nós temos que produzir gás. Brigo para que a gente tenha mais gás, pois 33% da indústria química nacional está ociosa por falta de energia competitiva. A gente deve discutir, inclusive, a possibilidade de aumentar os estudos do gás da Argentina e do gás americano, que é o gás explorado em terra. Nós temos que ver se ambientalmente é possível se explorar esse gás. É uma grande fonte energética que o Brasil não pode dispensar ainda. P - O sr. defende novos investimentos em petróleo e gás e aponta custos para as renováveis. Qual é a sua definição de transição energética? AS - A da COP28. A COP fez um documento em que disse que há de haver um planejamento para que nós saiamos dos combustíveis fósseis e tenhamos energias limpas e renováveis. Essa é a definição que eu defendo. Que nós tenhamos um horizonte real, concreto, justo, para que nós possamos avaliar qual a melhor estratégia para a transição energética nacional. P - A decisão da COP orientou o governo? AS - Sim. A COP orienta o planeta. Agora, o Brasil já faz os seus gestos, mais do que isso, o Brasil já paga por essa transição. Agora nós queremos os gestos dos países que têm média salarial de US$ 2.500, US$ 3.000 como é na Europa e nos Estados Unidos. * RAIO-X ALEXANDRE SILVEIRA, 53 Nascido em Belo Horizonte, é bacharel em direito e delegado aposentado. Ex-deputado federal por dois mandatos (pelo PPS e, depois, pelo PSD), assumiu em 2022 a cadeira no Senado deixada por Antonio Anastasia (PSD), de quem foi suplente. Em Minas Gerais, foi secretário de Gestão Metropolitana e de Saúde. Em janeiro, assumiu o comando do Ministério de Minas e Energia.
- Data: 15/12/2023 21:12
- Alterado: 15/12/2023 21:12
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Divulgação
“Me alegrou”, diz o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre a decisão da COP28, conferência do clima da ONU, de fazer uma transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Para ele, no entanto, a transição definida na cúpula em Dubai (Emirados Árabes Unidos), encerrada na quarta-feira (13), será lenta se os países desenvolvidos não tomarem a frente.
Enquanto isso, ele aposta em ampliar a exploração de petróleo e gás no país. Também estuda a possibilidade de trazer gás da Argentina e dos Estados Unidos. Embora o combustível fóssil aumente as emissões de gases-estufa do Brasil, tornando mais desafiador o cumprimento dos compromissos estabelecidos no Acordo de Paris, Silveira apresenta outra prioridade: aumentar a competitividade da indústria, com um combustível mais barato.
Após ter atraído holofotes e críticas internacionais no início da COP28 ao anunciar a adesão do Brasil à Opep+ (grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo), Silveira sustenta que o momento foi adequado. “Foi uma bênção”, ele afirma nesta entrevista à Folha de S.Paulo.
Países desenvolvidos, principalmente europeus, “queriam colocar o Brasil numa camisa de força ambiental”, diz Silveira, em entrevista concedida na sede da bolsa de valores de São Paulo nesta sexta (15), ao final do leilão da Aneel de linhas de transmissão, que prevê investimentos de R$ 21,7 bilhões.
*
PERGUNTA – O que o sr. achou da decisão final da COP28, de transitar dos combustíveis fósseis?
ALEXANDRE SILVEIRA – Me alegrou. Esperava até que ele fosse mais polêmico, exatamente pelo local onde a COP se deu, exatamente num país que vive vigorosamente a sua economia dependente do petróleo e do gás. Mas achei que foi extremamente coerente com o momento que o mundo vive, onde os fenômenos climáticos assustam todos nós.
Nós todos no Brasil sabemos que a sustentabilidade é um pilar fundamental nas políticas públicas internacionais e na política pública planetária. O que nós defendemos, de forma reiterada e de forma vigorosa, é que a transição energética seja também uma grande oportunidade de se fazer justiça entre os países do Sul Global e os países industrializados. Nós queremos tirar os países industrializados do conforto, ou até da apatia com o tema.
Ano que vem nós vamos ter a oportunidade com o G20, e eu em especial presidindo o tema de energia, de fazer um debate em torno da transição energética justa e inclusiva.
P – Ao longo da COP28, a delegação brasileira passou a afirmar com mais clareza uma posição favorável à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, ao passo que o Ministério de Minas e Energia também anunciou que formará um grupo de trabalho sobre a transição energética no próximo ano. A pressão da COP pautou a posição brasileira?
AS – Acredito que foi consolidando uma posição que já é a posição do governo. Chegamos na COP com toda aquela polêmica da entrada do Brasil na Opep+, e aquilo foi uma grande oportunidade de o Brasil não participar de algo que era vontade de alguns países desenvolvidos, em especial dos países da Europa. Queriam colocar o Brasil em uma camisa de força ambiental.
Nós não podemos participar dessa camisa de força. O Brasil precisa ainda explorar, de forma adequada e equilibrada, petróleo, minerais críticos, até porque a transição energética vai demandar minerais como lítio, cobalto.
P- O anúncio sobre a Opep+ e a visita à Arábia Saudita às vésperas da COP foram uma provocação? Foi proposital?
AS – Não. Foi mais uma bênção de ter acontecido com a gente naquele momento o convite e o presidente Lula se manifestar a favor, até porque ele entende que nossa participação na discussão geopolítica internacional e no mundo árabe também é importante.
P – Mas o sr. acha que o momento foi adequado?
AS – Foi exatamente o adequado. Fui muito criticado naquele primeiro momento por estar em um fórum ambientalista discutindo a participação do Brasil numa plataforma dos países exportadores de petróleo. Mas aquilo ali foi muito importante para o Brasil naquele momento, porque mostrou que o Brasil tem musculatura para discutir com altivez a sua matriz energética.
O Brasil quer ser respeitado, junto com os países do Sul Global, pelos países industrializados, para que a gente possa transformar a oportunidade da transição energética também em uma grande fonte econômica de combate à desigualdade.
A França não tem petróleo, então ela pode fazer um discurso politicamente correto na visão dela contra o petróleo, mas ela explora petróleo no mundo inteiro, inclusive no Brasil, e quer, muitas vezes, pressionar o Brasil e pressionar os países do Sul Global, colocando barreiras, como nós estamos tendo dificuldade agora, na relação do Mercosul e da União Europeia.
P- No Congresso, tramita o PL [projeto de lei] das eólicas offshore, que também passou a prever incentivos a carvão. Existe um risco de o lobby dos combustíveis fósseis sabotar os projetos de transição energética?
AS – O governo será rigoroso na defesa do consumidor de energia do Brasil. Nós estaremos do lado do consumidor. Até porque energia é fonte de geração e de desenvolvimento.
P – O gás é considerado “combustível de transição” para países que dependem de petróleo e carvão, que não é o caso brasileiro. Por que o Brasil prevê expandir em mais de 30% a oferta de gás nesta década?
AS – Ninguém consegue no mundo dizer em quanto tempo a transição vai se dar, de forma definitiva. Enquanto os países ricos e industrializados não deixarem a retórica e o discurso e não monetizarem as matrizes energéticas limpas e renováveis, nós vamos ter uma transição lenta.
P – O Brasil está esperando um sinal dos países desenvolvidos? Qual a lição de casa que o país vai fazer para planejar a transição aqui?
AS – A brasileira a gente já faz. Inclusive, na próxima terça-feira (19), o CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] vai aprovar o grupo de trabalho para a aplicação das políticas nacionais de transição energética que vão ser enviadas ao Congresso.
Contratamos neste ano R$ 40 bilhões em linhas de transmissão, num país que já tem 186 mil km de linhas de transmissão. Para quê? Para gerar energia limpa e renovável no Nordeste, para exportar a sustentabilidade.
Prefiro acreditar que o Brasil será capaz de atrair indústrias internacionais a fim de que essa sustentabilidade seja exportada através de produtos manufaturados, ou seja, que seja respeitado e que seja mais vigoroso o nosso conteúdo local, e não que a gente exporte água e energia para outros países.
Estou acreditando muito na produção dos nitrogenados, já que nós somos celeiros de alimentos e, para isso, nós precisamos do gás. Eu acho que a política do gás é correta, nós temos que produzir gás. Brigo para que a gente tenha mais gás, pois 33% da indústria química nacional está ociosa por falta de energia competitiva.
A gente deve discutir, inclusive, a possibilidade de aumentar os estudos do gás da Argentina e do gás americano, que é o gás explorado em terra. Nós temos que ver se ambientalmente é possível se explorar esse gás. É uma grande fonte energética que o Brasil não pode dispensar ainda.
P – O sr. defende novos investimentos em petróleo e gás e aponta custos para as renováveis. Qual é a sua definição de transição energética?
AS – A da COP28. A COP fez um documento em que disse que há de haver um planejamento para que nós saiamos dos combustíveis fósseis e tenhamos energias limpas e renováveis. Essa é a definição que eu defendo. Que nós tenhamos um horizonte real, concreto, justo, para que nós possamos avaliar qual a melhor estratégia para a transição energética nacional.
P – A decisão da COP orientou o governo?
AS – Sim. A COP orienta o planeta. Agora, o Brasil já faz os seus gestos, mais do que isso, o Brasil já paga por essa transição. Agora nós queremos os gestos dos países que têm média salarial de US$ 2.500, US$ 3.000 como é na Europa e nos Estados Unidos.
*
RAIO-X
ALEXANDRE SILVEIRA, 53
Nascido em Belo Horizonte, é bacharel em direito e delegado aposentado. Ex-deputado federal por dois mandatos (pelo PPS e, depois, pelo PSD), assumiu em 2022 a cadeira no Senado deixada por Antonio Anastasia (PSD), de quem foi suplente. Em Minas Gerais, foi secretário de Gestão Metropolitana e de Saúde. Em janeiro, assumiu o comando do Ministério de Minas e Energia.