Deputado usa motosserra e alicate para derrubar bloqueio em base indígena
Jeferson Alves diz que “nunca mais” rodovia será fechada; BR-174 corta a terra indígena Waimiri Atroari, onde vivem os índios kinja
- Data: 29/02/2020 10:02
- Alterado: 22/08/2023 21:08
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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O deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) derrubou na manhã desta sexta-feira, 28, o bloqueio da base indígena que controla o acesso à BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR). Com uso de uma motosserra e um alicate de pressão, o deputado corta o tronco e uma corrente que era usada pelos índios para controlar o acesso na rodovia. A BR-174 corta a terra indígena Waimiri Atroari, onde vivem os índios kinja.
Toda a ação foi gravada e divulgada pelo parlamentar nas redes sociais. Apoiado por outras pessoas, Jeferson Alves rompeu a corrente dizendo que “nunca mais” a rodovia será fechada. “Presidente Bolsonaro, é por Roraima, é pelo Brasil, não a favor dessas ONGs que maltratam meu Estado”, afirmou no vídeo.
O acesso pela estrada é controlado durante a noite pelos índios, com restrições de passagem para caminhões. A terra indígena também está no meio de uma polêmica de uma linha de transmissão de energia, que passaria pela reserva, ao largo da estrada.
Os Waimiri Atroari habitam uma região localizada à margem esquerda do baixo rio Negro. A Funai avaliou que, na década de 1960, quando a estrada começou a ser construía, viviam 3 mil indígenas na área onde seria construída a BR-174.
Os planos de construção da BR-174 foram apresentados em 1968. O 6º Batalhão de Engenharia (BEC) assumiu a execução da obra. Durante o processo de construção, que terminaria em 1979, a população indígena foi quase dizimada por confrontos e contágio por inúmeras doenças. Com a estrada, somaram-se os efeitos da construção da hidrelétrica de Babina, o mais trágico projeto elétrico do país, e a mineração industrial.
De 3 mil índios, os kinja reduziram-se para 200 indígenas. O resgate do povo kinja deve-se ao trabalho do indigenista Porfírio Carvalho, que por décadas atuou na defesa desses indígenas e conseguiu estabelecer uma política de controle, o que envolveu, entre outras ações, um programa de proteção e apoio firmado com a Eletrobrás.
Hoje, vivem cerca 2,1 mil índios da região, espalhados em 56 aldeias.
O CONFLITO
Há anos, o bloqueio da BR-174 ocorre diariamente, das 18h às 6h da manhã, no trecho da reserva indígena Waimiri Atroari. Durante o bloqueio, só é autorizada a passagem de ônibus de linha interestadual, caminhões com cargas perecíveis e ambulâncias.
Os indígenas afirmam que o bloqueio é realizado para proteger animais e os próprios povos de atropelamentos. O professor da Universidade Federal de Roraima, Marcos Braga, defendeu, em audiência no ano passado, o direito de consulta às comunidades indígenas para encontrar caminhos que resolvam a situação. Ele ressaltou que o cenário atual é bem diferente da época em que o 6º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) colocou a corrente, quando a etnia quase foi dizimada durante a construção da BR-174 nas décadas de 1960 e 1970.
Desde o ano passado, Jeferson Alves tem criticado o bloqueio e pedido defendido a retirada da corrente. “O governo Bolsonaro teve 70% dos votos em Roraima, prometendo a retirada dessa corrente. Ele tem que se manifestar”, afirmou Jeferson Alves, em audiência sobre o assunto realizada no ano passado.
Representantes do Ministério Público de Roraima (MPRR) e da Universidade Federal de Roraima (UFRR) têm defendido o diálogo sobre o assunto. No ano passado, o secretário estadual de Planejamento, Marcos Jorge, disse que não há regulamentação legal para a prática. “Parabenizo o Poder Legislativo por essa discussão, pois há uma cultura de se fechar essa corrente por 12 horas, mas não há nenhuma norma que autorize o fechamento. E pensando no desenvolvimento pacífico de todo o estado de Roraima, é que o Governo se manifesta pela retirada da corrente”, afirmou, na ocasião.
O QUE DIZ A FUNAI
Procurada pela reportagem, a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou, por meio de nota, que “o Ministério Público Federal já tomou conhecimento do fato” e que “não tem competência para julgar a legalidade do ato”.
Os indígenas, segundo a fundação, já substituíram as correntes, que são colocadas no início e no fim da terra indígena. No único comentário sobre o deputado estadual, a autarquia ligada ao Ministério da Justiça limitou-se a dizer que “está acompanhando de perto o desenrolar do caso da retirada de uma corrente na BR-174”.
A iniciativa de controlar o tráfego na BR-174 partiu do Exército, quando ainda era responsável pelos postos de vigilância. A medida de controle, apesar das críticas, faz parte do Subprograma de Proteção Ambiental do Programa Waimiri-Atroari, e tem por finalidade controlar o tráfego nas estradas existentes dentro da terra indígena e evitar ações predatórias da fauna. “A medida evita que carros de passeio ou caminhões em alta velocidade atropelem animais de hábitos noturnos, muito comuns às margens daquela estrada”, afirmou a Funai.