Coronavírus: “Passaportes de Imunidade” – anticorpos não conferem imunidade, diz OMS
Comunicado da OMS ressalta que ‘passaporte da imunidade’ para ex-pacientes do novo coronavírus pode aumentar riscos de transmissão. Não há comprovação que curados sejam imunes à doença
- Data: 26/04/2020 10:04
- Alterado: 26/04/2020 10:04
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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O comunicado se refere especialmente a governantes que têm defendido a criação de um “passaporte da imunidade” ou “certificado de risco zero” para que ex-pacientes recuperados sejam excluídos de medidas de restrição de mobilidade durante a pandemia da covid-19. Essa medida já foi citada pelo ministro da Economia Paulo Guedes como forma de retomar atividades não essenciais nos locais que adotaram medidas de isolamento social.
Após fazer um alerta a respeito do uso de “passaportes de imunidade” contra a pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou na noite do sábado, 25, em sua conta oficial no Twitter, esclarecimentos sobre o texto que trata do assunto. Nas novas postagens, a OMS afirma que é esperado que a “maioria das pessoas infectadas pela covid-19” desenvolva anticorpos que deem algum tipo de proteção contra a doença.
“O que ainda não sabemos é qual o nível de proteção ou por quanto tempo ele durará”, escreveu a organização.
Os esclarecimentos foram feitos, de acordo com a agência, após o documento original ter causado “alguma preocupação”.
No texto “‘Passaportes imunológicos’ no contexto da covid-19”, publicado em seu site, a OMS afirmava que há evidências de que pessoas recuperadas da doença estariam protegidas de uma segunda infecção. O órgão publicou as informações após alguns países adotarem os “passaportes” para reduzir medidas de distanciamento social. O texto não sofreu alterações.
Entretanto, outro ponto que a OMS havia destacado é o de que, dado o período de incubação da doença no organismo – entre uma e duas semanas -, pessoas infectadas pelo novo coronavírus poderiam criar anticorpos mesmo com o vírus ainda presente na corrente sanguínea, o que reduziria a precisão desse tipo de medição.
A agência lembra que o desenvolvimento da imunidade contra uma doença através de uma infecção natural é um processo de várias etapas, que geralmente ocorre de uma a duas semanas. Ela pondera, contudo, que, até 24 de abril, nenhum estudo concluiu que a presença de anticorpos confere imunidade ao novo coronavírus em humanos.
“A OMS continua revisando as evidências das respostas de anticorpos à infecção por SARS-CoV-2 (vírus da covid-19). A maioria desses estudos mostra que as pessoas que se recuperaram da infecção têm anticorpos para o vírus”, diz o comunicado. “No entanto, algumas dessas pessoas têm níveis muito baixos de anticorpos neutralizantes no sangue, sugerindo que a imunidade celular também pode ser crítica para a recuperação.”
“Testes de laboratório que detectam anticorpos para SARS-CoV-2 em pessoas, incluindo testes rápidos de imunodiagnóstico, precisam de validação adicional para determinar sua precisão e confiabilidade”, pontua a OMS.
“Os testes imuno diagnósticos imprecisos podem categorizar falsamente as pessoas de duas maneiras. A primeira é que eles podem rotular falsamente as pessoas que foram infectadas como negativas e, a segunda, é que as pessoas que não foram infectadas são falsamente rotuladas como positivas. Ambos os erros têm sérias consequências e afetarão os esforços de controle.”
A OMS ressalta, ainda, que os testes precisam distinguir o SARS-CoV-2 dos outros seis coronavírus humanos conhecidos (dos quais, quatro causam o resfriado comum e têm ampla circulação mundial, enquanto os outros dois causam a Síndrome Respiratória no Oriente Médio e a Síndrome Respiratória Aguda Grave). “Pessoas infectadas por qualquer um desses vírus podem produzir anticorpos que reagem de maneira cruzada com anticorpos produzidos em resposta à infecção por SARS-CoV-2.”
A organização também afirma apoiar as iniciativas de diversos países de testagem de anticorpos do novo coronavírus na população, por ajudar a entender a extensão da pandemia e os fatores de risco associados à doença, mas faz uma ressalva: “Esses estudos fornecerão dados sobre a porcentagem de pessoas com anticorpos da covid-19 detectáveis, mas a maioria não foi projetada para determinar se essas pessoas são imunes a infecções secundárias.”
Cresce o debate sobre o ‘Passaporte de Imunidade’ do Coronavírus no Mundo
O amanhecer paira sobre Berlim e Lothar Kopp, de 65 anos, já está na fila em frente a uma clínica no distrito de Reinickendorf, na capital alemã. Com várias outras pessoas, ele espera – respeitando a distância de segurança de dois metros e com uma máscara – para passar por um teste de coronavírus diferente dos outros: sem estar doente, ele quer saber se já foi infectado e, portanto, desenvolveu imunidade.
“Se eu já tive o coronavírus, não posso infectar outras pessoas”, explicou, esperando que um teste sorológico positivo de anticorpos lhe permitisse visitar sua mãe idosa sem risco de contágio. Especialistas falaram em vários países sobre a possibilidade de “passaportes de imunidade” que permitiriam àqueles que desenvolveram proteção contra o vírus retornar ao trabalho mais cedo do que outras pessoas.
Estudos extensos estão em andamento na Alemanha, com dezenas de milhares desses testes realizados. Em outros lugares, o nível de imunidade da população também interessa a pesquisadores e formuladores de políticas. Para descobrir quantas pessoas já foram infectadas, o Estado de Nova York testará “agressivamente”, anunciou o governador Andrew Cuomo na semana passada. Nos EUA, os fabricantes foram autorizados a vender testes sem autorização formal.
Dúvidas
Mas há dúvidas sobre a precisão e a confiabilidade desses testes. Portanto, mesmo que sejam positivos, isso não significaria o fim do perigo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou neste sábado, 25, que não há evidências de que as pessoas curadas pela covid-19 desenvolveram anticorpos para protegê-las contra uma segunda infecção.
Para Matthias Orth, membro do conselho da Federação Alemã de Biólogos Médicos (BDL), outro problema é a qualidade dos resultados: “falsos negativos”, por exemplo, são possíveis. “Também existem coronavírus bastante banais que não causam doenças graves e podem falsificar o resultado”, explicou ele.
Para Orth, testes que prometem um resultado em 15 minutos com algumas gotas de sangue colhidas do dedo são “absurdos”. Nas próximas semanas, melhores testes estarão prontos. “Ainda não estamos nessa época”, insistiu.
Por outro lado, embora estudos maiores como os realizados na Alemanha permitam determinar a proporção da população infectada, as limitações dos testes atualmente disponíveis tornam impossível determinar com certeza a proporção de pessoas realmente imunizadas. No entanto, os estudos, como o realizado no último fim de semana em Munique, em 3 mil domicílios escolhidos aleatoriamente, são acompanhados com grande interesse.
Separadamente, em Gangelt, na região de Heinsberg, onde o primeiro grande surto de covid-19 se desenvolveu na Alemanha, os pesquisadores determinaram que 14% dos habitantes haviam sido infectados. Além dos estudos, grupos farmacêuticos alemães também lançaram suas ofertas de testes sorológicos.
Cerca de 70 mil desses testes já foram realizados em 54 laboratórios alemães, de acordo com a Federação de Laboratórios Associados (ALM). Para a médica Ulrike Leimer-Lipke, que realiza testes de imunidade desde meados de março em Reinickendorf, eles “fazem sentido porque é assim que saberemos quem é imune”.
“É muito importante saber para quem tem pais ou avós”. De acordo com a OMS, no entanto, “não há elementos suficientes” para avaliar a confiabilidade dos “passaportes de imunidade” e “o uso desses certificados pode aumentar o risco de transmissão”, uma vez que as pessoas que se consideram imunizadas ignoram as medidas sanitárias