TCU quer anular R$ 7,2 bi de liberações suspeitas da gestão Bolsonaro na educação
Fundo autorizou milhares de novas obras com empenhos fracionados para atender aliados do antigo governo
- Data: 13/07/2023 10:07
- Alterado: 13/07/2023 10:07
- Autor: Redação
- Fonte: Constança Rezende e Paulo Saldaña/Folhapress
Ex-presidente Jair Bolsonaro
Crédito:Antonio Cruz/Agência Brasil
O TCU (Tribunal de Contas da União) quer que sejam anuladas liberações de obras de educação autorizadas sem critérios técnicos, e com suspeitas de corrupção, durante o governo Jair Bolsonaro (PL). As anulações se referem a autorizações no valor total de R$ 7,2 bilhões.
O processo no TCU apura medidas da gestão do então ministro da Educação Milton Ribeiro, que deixou o cargo em 2022 desgastado com a atuação na pasta de pastores que não possuíam cargo formal no governo.
Para atender aliados políticos e lobistas, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) liberou milhares de novas obras ao fracionar empenhos (que reservam o dinheiro de obras) em pequenas quantias, na maioria das vezes de R$ 30 mil.
Os ministros do tribunal iniciaram nesta quarta-feira (12) o julgamento final do tema, mas houve um pedido de vista e há um prazo de 60 dias para ser retomado.
De acordo com documentos finais obtidos pela reportagem, o tribunal vê irregularidades na atuação do órgão entre 2020 e 2022 ao ignorar as regras na escolha dos municípios beneficiados com as verbas. A liberação de novas obras beneficiou cidades mais ricas, em detrimento daquelas que mais precisam, além de ter ignorado a reserva de recursos para construção já em andamento.
Os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público Federal para investigar “indícios de ato de improbidade administrativa” e também para a Polícia Federal.
O FNDE é um órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação). Tanto as indicações dos pastores quanto as de políticos se valeram dos empenhos fracionados sem critérios técnicos.
O TCU identificou casos em que houve liberações de empenhos após reuniões com Milton Ribeiro intermediadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura – pivôs do escândalo. A proximidade dos pastores e Milton Ribeiro foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
O ex-ministro foi demitido em março de 2022, uma semana depois de a Folha de S.Paulo revelar áudio em que Ribeiro falava em priorizar pedidos dos pastores a mando de Bolsonaro.
O FNDE firmou, entre 2020 e maio do ano passado, 3.356 termos de compromisso entre o órgão e prefeituras relacionados a novas obras (construção de creches, escolas, quadras e reformas). Ao somar os valores das operações aprovadas a partir de empenhos menores, chega-se a R$ 8,8 bilhões. O valor é 14 vezes superior ao que estava no orçamento para essa finalidade.
Sob Bolsonaro, o órgão passou a liberar empenhos de novas obras sem o cumprimento das exigências burocráticas e legais, como a própria existência de um terreno para que a obra fosse realizada. Isso foi feito por meio das chamadas aprovações condicionais, como a Folha de S.Paulo também mostrou em 2022.
“O método adotado pelo FNDE consistia em substituir a análise técnica e prévia do projeto pela denominada ‘aprovação técnica condicional’ para, em seguida, empenhar parcela ínfima do valor necessário para execução da obra e, ato contínuo, celebrar o intitulado ‘termo de compromisso com cláusula suspensiva'”, diz o TCU.
Esse formato de aprovações condicional perpassa 79% das liberações no período (2.657 termos), o que soma R$ 7,2 bilhões, considerando o valor total das obras – não apenas o que foi reservado. São esses os atos que devem ser anulados, segundo o TCU.
A maioria dos empenhos são do orçamento direto do FNDE, mas também há casos de emendas parlamentares, incluindo as de relator. O tribunal quer que as anulações ocorram independentemente da origem dos recursos.
O FNDE foi presidido por Marcelo Lopes da Ponte entre junho de 2020 e dezembro passado. Ele era assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro e líder do centrão.
O TCU concluiu que Lopes da Ponte deve ser ouvido em processo apartado para que ele explique quais os critérios para a escolha dos municípios beneficiados, a razão dos recursos irem para novas obras – e não para aquelas em andamento – e a prática de empenhos fracionados que, ao somar tudo, atinge valor bastante superior ao que é orçado. O tribunal cita o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Dois municípios do Maranhão que apareceram nos relatos sobre a atuação dos pastores são citados no processo do TCU. Com relação à cidade de Centro Novo (MA), o ex-presidente do FNDE movimentou pessoalmente o sistema do órgão para aprovação de termo de compromisso no mesmo dia em que houve reunião no MEC com a presença de Milton Ribeiro e o prefeito.
No caso de Bom Lugar (MA), o processo para autorizar o empenho foi movimentado no dia seguinte a reunião da gestora da cidade com Milton Ribeiro e os pastores, no próprio MEC, em fevereiro de 2022. O empenho foi efetivado 16 dias depois.
“Constatou-se a existência de ambiente propício no FNDE para a ocorrência de direcionamento de recursos a entes federados sem observância ao princípio da impessoalidade e sem o atendimento a critérios técnicos preestabelecidos”, diz o documento.
Lopes da Ponte foi procurado pela reportagem e não respondeu. As prefeituras de Centro Novo e Bom Lugar também não comentaram.
Foi aberta também investigação criminal sobre o caso contra Ribeiro, os pastores, que chegaram a ser presos em junho de 2022. Desde o ano passado, entretanto, o inquérito está parado.
Os pastores pediam dinheiro em troca de liberações de obras do MEC, de acordo com os relatos, que incluíram até a solicitação de uma barra de ouro para um gestor.
Desde o ano passado, Milton Ribeiro tem dito que não cometeu nenhuma ilicitude e que aguarda “o reconhecimento da inexistência de justa causa para a continuidade do inquérito”.
O governo Lula (PT) aguarda as deliberações do TCU.
A Folha de S.Paulo revelou em setembro passado conclusão da área técnica da CGU (Controladoria-Geral da União) de que o governo Bolsonaro ignorou sistematicamente critérios técnicos na transferência de verbas da educação, potencializando “acordos escusos”.
O fundo ignorou atendimento a um ranking de municípios, que deveria orientar a priorização para empenhos, e liberou obras a partir de emails das lideranças.