Bossa nova, de volta ao Carnegie Hall após 60 anos, ainda encanta o mundo

Apesar de eco em canção de Luísa Sonza, samples e fascínio nos instrumentistas impulsionam gênero sinônimo de Brasil

  • Data: 27/09/2023 13:09
  • Alterado: 27/09/2023 13:09
  • Autor: Lucas Brêda
  • Fonte: Folhapress
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Seu Jorge e Daniel Jobim em noite dedicada à bossa nova no Carnegie Hall

Crédito:Fabio Nunes/Divulgação

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Há pouco mais de 60 anos, Roberto Menescal desembarcava no Brasil achando que seria celebrado pelo show que havia feito, ao lado de nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Sérgio Mendes e Carlos Lyra no Carnegie Hall, uma das principais salas de espetáculos de Nova York. “O mercado abriu, então todo mundo ficou – uns em Los Angeles, outros no México”, diz. “Cheguei sozinho, crente de que ia abafar.”

Para sua surpresa, Menescal foi recebido por jornalistas perguntando por que a apresentação havia sido uma decepção. Era o resultado de uma reportagem publicada pela revista O Cruzeiro, que afirmava que a bossa nova havia desafinado nos Estados Unidos, no que seria “o maior fracasso da música popular do Brasil”.

Ainda que a revista brasileira tenha sido substancialmente mais crítica que a imprensa americana, o show realizado em 1962 sofreu com algumas questões técnicas e não foi tratado como um sucesso absoluto. Passadas seis décadas, a apresentação é hoje tida como um clássico, um marco da internalização da bossa nova.

Tanto que, no próximo domingo (8), o estilo musical volta ao Carnegie Hall para uma celebração daquela noite, que um ano depois foi registrada no álbum “Bossa Nova At Carnegie Hall”.

Além de Menescal, remanescente do show original, a bossa nova vai voltar à casa de shows americana em uma apresentação de Seu Jorge, Daniel Jobim, neto de Tom, Carlinhos Brown, Carol Biazin e a cantora britânica Celeste. No repertório da celebração, serão retomados clássicos como “Chega de Saudade”, “Corcovado”, “Garota de Ipanema”, “Wave” e “Samba de Uma Nota Só”.

Se no fim dos anos 1950 o gênero começava a despontar, hoje, está incrustado na música ao redor do mundo. Além da influência conceitual em artistas que vieram depois – a tropicália é o maior exemplo – há bossa nova no som ambiente de hotéis e cafeterias, em samples de rap e música eletrônica, trilha de filmes e no jeito de tocar de gerações de instrumentistas de todos os cantos.

“A bossa nova é referência de algo muito bem-sucedido, que é reconhecido e agrada à maioria das pessoas”, diz Seu Jorge, para quem Tom Jobim é sinônimo de excelência. “Existe um ganho estético com a bossa nova que, fora do Brasil, quase nenhum outro gênero brasileiro permite, especialmente em ambientes de poder, mais elitizados, sofisticados.”

Ele afirma que, nos últimos dez a 15 anos, nomes muito influenciados pela bossa nova como Arthur Verocai e Azymuth foram redescobertos fora do país. “Os samples de música brasileira cresceram absurdamente no universo do hip-hop e da música urbana americana”, diz. “Verocai não para de fazer show fora do país. A boa música brasileira sempre foi contemplada – a gente é que parece que esqueceu dela.”

Ultimamente, a bossa nova também tem frequentado a música pop – ainda que não em sua forma mais reconhecível. Há dois anos, a estrela jovem do pop americano Billie Eilish lançou uma faixa chamada “Billie Bossa Nova”, em que dá sua interpretação particular ao gênero. Há dois anos, Anitta sampleou “Garota de Ipanema” em sua “Girl from Rio”.

O caso mais recente é “Chico”, faixa com trejeitos bossanovistas que chegou ao posto de mais ouvida do Brasil no streaming, impulsionada por páginas de fofoca. Isso porque a canção de Luísa Sonza retrata sua relação com o streamer Chico Moedas – caso que fascinou o brasileiro pelo romance tornado público e pela forma efêmera como chegou ao fim, após a revelação da traição do personagem da letra ao vivo na Globo.

Da segunda geração da bossa nova, e também bastante conhecido fora do Brasil, Marcos Valle crê que outra música de Anitta, “Will I See You”, é “totalmente bossa nova”. Já no caso de Sonza, ele teve que ouvir “Chico” duas vezes para se convencer de que o hit – classificado como bossa nova nos serviços de streaming – se encaixa no gênero.

“Da primeira vez, não achei que era muito a batida da bossa nova. Da segunda, com mais cuidado, já achei que a batida do violão é [de bossa nova]”, diz. “Não vou dizer que a música é uma bossa nova – mas a batida é. Mas, além disso, tem artistas que trazem características da bossa nova. Vejo na Liniker, no Bala Desejo, para citar alguns.”

Valle, que nunca fez uma bossa nova “pura”, mas a fundiu com ritmos como o baião e estilos da música negra americana, crê que os públicos se renovaram. “Existe uma conexão muito grande, aqui e como aconteceu comigo e com a Joyce na Europa, nos anos 1990, com esse público jovem que sabe tudo, através da internet. Mas é também dessa bossa nova misturada, não só a original.”

Mas, se hoje frequenta as paradas como trilha da vida pessoal de uma celebridade, há 60 anos a bossa nova ganhou o mundo por seus atributos musicais. Menescal lembra que seus ídolos do jazz estavam no aeroporto para receber a delegação brasileira nos Estados Unidos.

“Quando passo no ponto do passaporte, vejo cinco daqueles músicos que a gente amava – Gerry Mulligan, Cannonball Adderley, The Modern Jazz Quartet – e penso, – que sorte, eles devem estar indo para algum lugar!”, diz. “Aí o cara que nos recepcionou disse – eles estão aqui para ver vocês. Eu fiquei, – mas eles conhecem a gente? E ele falou, claro, passa lá para você ver!”

Menescal sequer sabia, mas a bossa nova já era ouvida e admirada nos Estados Unidos, especialmente pelos músicos, em canções como “Desafinado”, com Tom Jobim. Não à toa, entre os 3.000 presentes no show de 1962 no Carnegie Hall, estava gente como Dizzy Gillespie, Miles Davis, Mulligan e Tony Bennett.

Esse fascínio, diz Menescal, tem a ver tanto com as melodias únicas de Tom quanto com a batida que mimetizava o tamborim do samba no violão de João Gilberto. Isso tudo somado ao canto sussurrado que depois conquistou estrelas do quilate de Frank Sinatra.

“Os bateristas de jazz eram muito bons, mas a batida era muito simples”, ele diz. “E eles adoravam o ritmo da bossa nova. Pediam o tempo todo para a gente fazer, cada um com um papel de música na mão. E, depois, tem o violão. Ninguém sabia fazer aquela batida do samba. Eles ficaram loucos, porque dava muito mais liberdade.”

Aquela música era também o retrato de um país cheio de esperança, que acabara de ser bicampeão mundial de futebol nos pés de Pelé e Garrincha e era tido como o país do futuro. No dia 8 de outubro, quando Seu Jorge e companhia levarem novamente a bossa nova ao Carnegie Hall, tanto os Estados Unidos quanto o Brasil mudaram, mas, ele diz, há algo de semelhança.

“Acredito que exista uma demanda reprimida por restaurar o contato com essa beleza, essa poesia, e ressignificar as coisas nesse Brasil de hoje – que abre o encontro da Organização das Nações Unidas, e chama a atenção pelo conteúdo, e não pelo esvaziamento do discurso”, ele diz.

“Acho que nesse processo de reconstrução da imagem do Brasil no mundo, a bossa nova tem bastante a contribuir. Por tanta coisa que ela produziu de positivo, a expressão que ela levou ao mundo, e por tanto reconhecimento desse mesmo mundo não só para gênero, mas para o Brasil, seu povo e suas possibilidades.”

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