Bolsonaro escolhe pastor para o MEC, por ‘apreço à família e aos valores’
Atualmente, Ribeiro é reverendo da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, em Santos
- Data: 11/07/2020 18:07
- Alterado: 11/07/2020 18:07
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Reprodução Mackenzie
Depois de disputas entre as diversas alas que compõem o governo, que duraram mais de 20 dias, o presidente Jair Bolsonaro escolheu o pastor presbiteriano Milton Ribeiro para chefiar o Ministério da Educação (MEC) nesta sexta-feira, 10. É o quarto ministro da atual gestão. Apesar de religioso, ele não foi indicado pela bancada evangélica do Congresso e não era o preferido dos militares. Ribeiro é advogado, teólogo e um estudioso da religião, especialista em calvinismo e Antigo Testamento.
A articulação de seu nome, que surgiu na semana passada, foi atribuída ao ministro-chefe da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, e ao ministro da Justiça, André Mendonça, também presbiteriano. Entre as características que fizeram com que Ribeiro fosse escolhido, está o “apreço à família e aos valores”, dizem conhecidos e integrantes do governo. Ribeiro foi vice-reitor do Mackenzie, quando o reitor era o ex-governador Claudio Lembo, mas é desconhecido entre especialistas da educação.
Em mensagem a amigos, após ser anunciado, ele disse que acreditava ser a “hora de darmos atenção especial à educação básica, fundamental e ao ensino profissionalizante” e de “incrementar o ensino superior e a pesquisa científica”. Ele ainda disse que trabalharia em articulação com os Estados, municípios e seus gestores “para mudar a história da educação do nosso País”. Falou em tom de conciliação, dizendo que é hora de “um verdadeiro pacto nacional pela qualidade da educação em todos os níveis”. “Precisamos de todos: da classe política, academia, estudantes, suas famílias e da sociedade em geral. Esse ideal deve nos unir.”
Atualmente, Ribeiro é reverendo da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, em Santos. É ainda membro da Comissão de Ética Pública da Presidência, nomeado por Bolsonaro. O grupo é responsável por apurar a conduta de integrantes da administração pública federal e de analisar possíveis conflitos de interesse no serviço público. Ao anunciá-lo, o presidente frisou seu doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo, feito em 2006. A USP já confirmou a autenticidade do título acadêmico. O trabalho dissertou sobre a educação escolar como “pressuposto da organização institucional calvinista e não apenas seu resultado”. Suas pesquisas foram em decisões oficiais da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre educação. Quem o conhece diz que ele é um pesquisador da área religiosa e não um especialista em políticas educacionais, com as quais não trabalhou. É conservador, sem postura ideológica – um homem educado e discreto.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação divulgou nota dizendo que nada comentaria sobre a indicação. Segundo o Estadão apurou, os secretários não têm o que dizer porque mal o conhecem. O Semesp, entidade que reúne universidades particulares, afirmou que “reconhecidamente o novo ministro acumula experiências exitosas em sua trajetória profissional e elas deverão contribuir para que a educação brasileira resolva as questões de acesso e oferta de oportunidades de aprendizado com qualidade”.
Seu nome não teria agradado também à ala evangélica que apoia Bolsonaro. O grupo havia indicado o atual reitor do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), Anderson Correa. “Não posso falar nada contra o novo ministro porque seria uma injustiça, eu não o conheço. Mas não venha dizer que ele é apoiado por evangélicos, que nós não temos nada com isso. É uma escolha do presidente com o ministro da Justiça”, disse o pastor Silas Malafaia. Nas redes sociais, o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP) disse que não houve interferência da Frente Parlamentar Evangélica na opção pelo nome de Milton Ribeiro.
A especialista em educação Anna Helena Altenfelder disse não conhecer o novo ministro, mas observa que ele “vem de uma universidade comprometida com a produção do conhecimento e a produção científica”. Ela aponta que um dos principais desafios será promover o diálogo com as entidades de educação. “(A questão ideológica) é uma preocupação que a gente sempre tem com esse governo”.
Vídeo
Após o anúncio da nomeação, publicações nas redes sociais recuperaram vídeo do pastor, publicado há 4 anos pela Igreja Presbiteriana Jardim da Oração, em que ele fala sobre a “vara da disciplina” e a importância de disciplinar as crianças. “A correção é necessária para a cura”, disse o pastor. “Não vai ser obtido por meios justos e métodos suaves. Talvez uma porcentagem muito pequena de criança, precoce e superdotada, é que vai entender o seu argumento. Deve haver rigor, severidade. E vou dar um passo a mais, talvez algumas mães até fiquem com raiva de mim: deve sentir dor.”
Olavistas ganham vagas
O presidente Jair Bolsonaro acatou boa parte da lista de novos nomes para o Conselho Nacional de Educação (CNE) deixada por Abraham Weintraub, com pessoas ligadas a Olavo de Carvalho. A indicação é vista como uma forma de apaziguar o ânimo dos olavistas, após o grupo não emplacar o novo ministro da Educação.
O CNE tem mandatos de quatro anos e o impacto de suas medidas, segundo especialistas, pode ser ainda maior na educação. Com as novas 10 indicações, praticamente metade do conselho será mudada – há 24 cadeiras, mas dois membros vêm do MEC. A ideia inicial era de que os conselheiros sejam integrantes da sociedade civil, especialistas em educação, que avaliam e normatizam as políticas educacionais nacionais.
Entre os atuais membros estão Mozart Neves, ex-diretor do Instituto Ayrton Senna, e Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária executiva do MEC no governo Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. As indicações trouxeram um clima de desolação e revolta no órgão. “O CNE é um órgão de Estado e não de um governo”, disse nota conjunta dos representantes dos secretários (Consed e Undime) que repudia “os critérios usados pelo governo para nova composição do CNE”. A nova lista tem nomes indicados pelo atual secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, também ligado a Olavo de Carvalho. Entre eles, Tiago Tondinelli, que foi chefe de gabinete do ex-ministro de Bolsonaro Ricardo Vélez e tirado do cargo durante disputa no ministério entre olavistas e militares. Tondinelli é advogado e professor de Filosofia, especialista em Filosofia Medieval. Nunca trabalhou com educação pública. Wiliam Ferreira da Cunha, também indicado ao CNE, é atualmente assessor de Nadalim. Outro ligado aos olavistas é Gabriel Giannattasio, também professor no Paraná.
Outro nomeado nesta sexta-feira foi o pesquisador Augusto Buchweitz, que é formado em Letras e Psicologia, e estuda a forma como as crianças aprendem a ler e prioriza o aprendizado fônico e despreza o construtivismo – considerado bandeira da esquerda. Também indicado, Fernando César Capovilla, do Instituto de Psicologia da USP, é da mesma linha de pesquisa e ajudou na elaboração da política atual de alfabetização do MEC. “Fica claro que o governo quer fazer a agenda dele da educação pelo CNE, como homeschooling, escola militar”, diz Mozart Neves.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.