Arnaldo Cezar Coelho diz que árbitro não tem de explicar expulsão a jogador
Morando no Rio, Arnaldo, aos 80 anos, já está distante das transmissões de meia década, quando se despediu da Globo após o Mundial da Rússia
- Data: 11/06/2023 13:06
- Alterado: 11/06/2023 13:06
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Divulgação
Arnaldo Cezar Coelho revelou o carisma e a personalidade que o transformaram na face da arbitragem no País ao longo das últimas décadas. O ex-árbitro e comentarista da Globo, de forma lúdica, interrompeu a entrevista para explicar sobre o lance que acontecera no Mundial sub-20, em partida entre Brasil e Tunísia, na última semana, durante o diálogo. “Robert Renan matou a bola errado. Ele agarra o adversário que entrava na área. Vermelho bem aplicado, porque troca uma chance clara de gol pela falta.”
Morando no Rio, Arnaldo, aos 80 anos, já está distante das transmissões de meia década, quando se despediu da Globo após o Mundial da Rússia. Ele ainda mantém contrato com a emissora, que não permite que ele participe de outros projetos. O ex-árbitro chegou a ser anunciado por Galvão Bueno para o amistoso entre Brasil e Marrocos no canal do narrador no YouTube. Mesmo assim, garante que o tempo nas cabines de transmissão já passou.
Crítico da arbitragem no País, Arnaldo critica as decisões recentes e orientações da comissão da CBF. Na sua visão, o tempo de acréscimos e a intervenção do VAR nas partidas são responsáveis por quebrar a dinâmica do jogo. Em meio a decisões polêmicas da arbitragem em lances recentes – impedimento de Rony em gol de bicicleta anulado, por exemplo -, Arnaldo defende a autonomia do árbitro. “Não tem de explicar nada. A conversa se dá no bar.”
A conversa dos árbitros é outro motivo de reclamação do ex-comentarista da Globo. “Odeio essa palavra ‘resenha'”, conta. Além disso, é contra as explicações da comissão de arbitragem sobre os lances polêmicos da rodada. “A CBF nunca vai afirmar que houve um erro.”
Arnaldo, para começar, qual é a sua visão sobre o estágio atual da arbitragem brasileira?
Tudo na vida mudou. Houve o tempo da máquina de escrever, hoje já usamos o computador. Hoje há uma central telefônica para gravar uma ligação, não é mais necessário utilizar um gravador ao lado do telefone. E o futebol, assim como qualquer outro esporte, evoluiu. Fora de campo, cada jogador é visto como uma empresa. O árbitro, como pessoa, evoluiu na forma de suportar a pressão. A criação do VAR é um desses elementos, para o bem e para o mal.
Em 2019, você afirmou que o VAR no Brasil é um desastre. Quatro anos depois, como enxerga o uso da tecnologia no País?
Corrijo o adjetivo utilizado na época. Hoje, eventualmente, acontecem desastres. Não é a todo momento como em 2019, mas quando ocorre ele é feio. Tem horas que o VAR se torna útil, porque os árbitros dividem com o VAR a responsabilidade no campo de jogo. Não houve uma transferência da responsabilidade, como alguns dizem. Estaria sendo injusto se o fizesse, mas ao dividir com o VAR determinados lances, não é legal. Deixar de dar lances claros de pênalti e impedimento, por exemplo. Não é um desastre total, mas ainda há erros. O VAR foi criado para evitar injustiças e erros “cabeludos”, como por exemplo o gol com a mão do Maradona na Copa de 1986. É um recurso para corrigir erros. Mas quando o VAR começa a querer interpretar lances que a televisão não mostra, que não tem como avaliar a intensidade de uma falta, é um desastre. Isso acontece muito. A televisão não interpreta. Ela é fria.
A falta de um critério único da comissão e o dos árbitros confunde os torcedores e a imprensa?
Confunde tudo, atrapalha a dinâmica do jogo. Impedimentos claros, por exemplo, quando o atacante já está dois metros à frente no momento do passe, devem ser apitados no jogo e punidos de imediato. Mas não, o bandeirinha aguarda a conclusão de um lance onde já há um impedimento claro. É um desgaste desnecessário. Isso faz com que seja possível até quem não saiba as regras do jogo se torne bandeirinha. É o que mais se reclama
Você fala em tirar a “dinâmica do jogo”. Em quais outros momentos, na sua visão, isso ocorre?
Atendimento médico no gramado. Todo jogador que é tocado no rosto cai. O juiz paralisa o jogo e ele é atendido em campo. Independentemente do placar. É uma orientação ruim. É por isso que os jogos têm 15 minutos de acréscimo. E os árbitros são coniventes com essas ações dos jogadores. O árbitro não é médico, mas a maca só deveria entrar em casos extremos, para preservar essa dinâmica.
E qual é a sua visão sobre esse tempo de acréscimos? Parar o jogo quando a bola não está em campo seria uma solução?
Evite paralisar. Tem paralisação que não há como evitar, como o tempo de substituição. Mas quanto desses minutos são provenientes de atendimento no campo de jogo? Na minha época somente o goleiro poderia ser atendido. Nas décadas de 1930 e 1940 tentaram adicionar um cronometrista, para que o jogo fosse paralisado a todo momento, mas não dá certo. Juiz não tem que explicar. Não tem que falar porque expulsou um jogador por fazer uma falta em uma clara chance de gol. Tá expulso e ponto final. Hoje em dia, os jogos são uma “resenha”, entre árbitro e jogadores. A conversa se dá no bar, e não em campo.
No entanto, a CBF publica, a cada rodada, as revisões da arbitragem, com comentários do chefe da comissão Wilson Seneme? Você considera válida essa conversa?
A CBF nunca vai afirmar que houve um erro. Quando o Seneme defende os lances, ele só vai dizer que houve acertos da arbitragem. Se ele disser que houve um erro, e determinada equipe foi prejudicada, vai ter pedido de anulação dos jogos. Não dá certo essa medida. Já houve medidas assim no passado. Qual é o torcedor que vai acertar uma explicação de falta ou pênalti contra sua equipe. Não adianta querer explicar. Futebol é paixão. Tudo que o Seneme fala é para defender a comissão, mas tem horas que não dá para defender. Como um “batom no colarinho”
E como você analisaria essa atuação da comissão de arbitragem?
Melhorou bastante. O Seneme é um cara sério, estudioso e está descobrindo novos talentos. Tenho visto árbitros com boa postura, boa apresentação, mas eles precisam ser corrigidos. Um jornalista, quando se forma, recebe orientação do chefe de redação. É preciso se aprimorar, e isso não muda para a arbitragem. Precisa de correção, em muitos aspectos. Por exemplo, a palavra “resenha” é horrível. Estão conversando bastante com os jogadores. Houve uma transformação muito grande. Alguns juízes me falam: ‘Arnaldo, depois que surgiu o VAR, eu não sou mais o mesmo.’ Porque a cabine fica falando com eles a todo momento. Seria a mesma coisa que acontece ao dirigir um carro enquanto fala ao telefone. Divide a atenção. Não dá para conduzir um veículo dessa forma, o mesmo acontece com a arbitragem. Mantém a autoridade, mas divide a responsabilidade. Em alguns momentos, por comodidade, não assume o comando no campo de jogo. Hoje eles apitam com a mão no ouvido e se omitem do julgamento.
É um erro. Em qualquer esporte, tem gente que entende e aqueles que não entendem. Quem não entende do assunto, quer uma explicação. É necessário uma explicação dos fatos e da regra. Infelizmente, o jornalista não é um técnico no assunto. Vôlei, natação, etc, tem que ter um especialista. Foi o que eu fiz durante 29 anos. Explicava didaticamente a regra. Hoje, não tem esse integrante na transmissão e ele quase não participa da transmissão. A televisão é feita para esclarecer ao telespectador, com palavreado fácil.
E sobre um possível retorno às transmissões? Você chegou a ser cotado para comentar ao lado de Galvão, no YouTube, uma partida da seleção brasileira.
Parei com isso. Passei 30 anos apitando e 29 comentando. Não tinha fim de semana, aniversário, nada. Tenho 80 anos. Eu quero viver e aproveitar a vida. O Galvão até me convidou para comentar o jogo do Brasil, mas eu não podia. Tenho contrato com a Globo, como emissora afiliada que eu não posso participar de nenhuma emissora.