Antecipação de recursos da Eletrobras defendida por ministério quase deu prejuízo ao consumidor
Segundo checagem da Aneel obtida pela Folha, CCEE errou o cálculo e precisou rever taxas administrativas para viabilizar operação
- Data: 24/09/2024 15:09
- Alterado: 24/09/2024 15:09
- Autor: Redação
- Fonte: FolhaPress/Alexa Salomão
Crédito:Reprodução
A antecipação R$ 7,8 bilhões em repasses da Eletrobras para aliviar a conta de luz no curto prazo, por meio de uma operação com bancos, não trouxe a economia para os consumidores de energia, como anunciado pelo MME (Ministério de Minas e Energia). Na verdade, precisou de ser ajustada após a assinatura do contrato com as instituições financeiras para não provocar prejuízo.
Esse tipo de operação costuma ficar a cargo da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Desta vez, o MME preferiu que fosse assumida pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), uma entidade privada. Os detalhes da operação também foram avaliados e aprovados pela pasta. A agência, porém, precisa checar o procedimento e identificou o erro depois que a operação já havia sido fechada.
A Folha de S.Paulo teve acesso a troca de ofícios de CCEE, Aneel e MME que buscou esclarecer o equívoco. As mensagens estão catalogadas como confidenciais, apesar de a securitização afetar milhões de consumidores.
Na transação, as instituições financeiras viabilizaram a antecipação dos valores a receber da Eletrobras, com o objetivo de amenizar a conta de luz de uma só vez no presente.
Com o dinheiro da operação seriam quitados dois empréstimos, o da Conta Covid, que socorreu as distribuidoras na pandemia, e o da Conta de Escassez Hídrica, que na seca de 2021 bancou energia mais cara das térmicas.
Ao anunciar que o governo fechara a operação com os bancos, permitindo a quitação antecipada, o ministro Alexandre Silveira divulgou que haveria uma economia de R$ 500 milhões em juros para os consumidores, levando a uma redução de 2,5% a 10% na conta de luz.
Ao fazer a checagem, no entanto, a Aneel identificou que o cálculo do benefício havia deixado de fora o pagamento de um mês. Feita a correção, a operação registraria um prejuízo de R$ 39 milhões para os consumidores. Ou seja, na prática, teria de ser suspensa, porque se tornaria ilegal realizar um operação que onerasse os consumidores.
A CCEE reconheceu o erro e, para manter a operação de pé, devolveu os encargos administrativos, financeiros e tributários e ainda ajustou a incidência do imposto, conseguindo uma economia de R$ 2,8 milhões para justificar a proposta.
Consultado pela reportagem para avaliar o impacto do montante, Donato da Silva Filho, fundador da Volt Robotic, consultoria que acompanha tarifas, disse que, apesar de toda economia ser bem-vinda, se for só isso mesmo, o valor não fará diferença, e talvez o governo devesse centrar esforços em mudanças mais estruturais para reduzir a tarifa, como rever subsídios.
“O consumidor não vai sentir R$ 3 milhões a menos na tarifa. Para se ter uma ideia, só de térmicas, desde julho, já foi gasto R$ 1 bilhão”, diz ele.
Na reunião semanal de diretoria da Aneel, nesta terça-feira (24), quando o tema entrou na pauta, o diretor Fernando Mosna manifestou preocupação com o fato de o valor final do benefício da securitização para o consumidores, nem outros detalhes da operação bancária, ainda não terem sido oficialmente divulgados pelo MME ou pela CCEE.
“Eu sempre tive uma dúvida muito grande, até como diretor de uma agência reguladora. Não vi, e não sei se veremos, qual foi o benefício para o consumidor. Onde está isso?”
Em nota enviada à Folha de S.Paulo, o ministério confirmou que foi preciso fazer ajuste no cálculo, e que a securitização quita as contas Covid e escassez hídrica, mas não detalhou valores.
“O MME esclarece que, na verdade, o que ocorreu foi uma atualização do cálculo da vantajosidade, em razão da necessidade de quitação da parcela do mês de setembro de 2024, ocorrida em 15/09. A ação foi necessária tendo em vista o prazo entre a publicação da Medida Provisória e a efetiva contratação da operação de securitização. Os cálculos, bem como a atualização, aferiram a vantajosidade concreta da operação para o consumidor de energia brasileiro”, destacou.
“Cabe esclarecer, ainda, que a medida encerrou com a necessidade de pagamento dos custos relacionados à taxa de administração, uma vez que, a partir da quitação dos empréstimos, não há que se falar em gestão de custos administrativos e financeiros. Também é necessário pontuar que o objetivo da securitização foi antecipar a quitação dos empréstimos (Conta Covid e Conta Escassez) contraídos pela gestão anterior e que oneravam as tarifas dos consumidores. Com a medida, será alcançada redução tarifária já a partir dos próximos processos tarifários das distribuidoras, em 2024, e não mais somente em 2027, quando aconteceriam o fim dos empréstimos contraídos.”
Também em nota, a CCEE afirmou que seguiu todas as diretrizes da portaria interministerial do MME e Fazenda, que regulamentou a medida, com a negociação da antecipação dos recebíveis, a realização de chamamento público e a análise da caracterização do benefício ao consumidor, mas também não abordou valores.
“Ao identificar a necessidade de pagamento da parcela de setembro de 2024, devido ao prazo entre a publicação da medida provisória e a efetiva contratação da securitização, ainda em curso, a Câmara recalculou o efeito da operação e notificou imediatamente as partes envolvidas”, afirmou.
“Com os novos valores, houve a manutenção do ato homologatório da proposta. Sendo assim, o fluxo da contratação segue conforme regulamentação vigente, com o cumprimento de todas as condições precedentes ao desembolso da operação.”
Procurada, a Aneel não respondeu até a publicação desta reportagem.
ENTENDA O HISTÓRICO DA OPERAÇÃO
A lei que permitiu a privatização da Eletrobras em 2022 determinou que a estatal deveria fazer repasses, que totalizariam R$ 30 bilhões, a longo de 30 anos, para aliviar o peso da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que banca políticas públicas para o setor. Aportes anuais já feitos pela Eletrobras representaram uma queda na conta de luz em cerca de 1,35% em 2023 e 0,6% em 2024.
O PT se opôs à privatização, e o governo busca rever o modelo que transformou a Eletrobras numa corporation e impede a União exerça o poder proporcional ao seu montante de ações. Tem uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) questionando esse modelo no STF (Supremo Tribunal Federal). A discussão foi transferida para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, a ainda não chegou a um consenso.
A antecipação dos valores a receber da Eletrobras, que está no escopo dessa negociação, foi prevista na MP 1.212/2024 exclusivamente para quitar custos excepcionais gerados por financiamentos para socorrer empresas de energia na pandemia e na seca de 2021. A MP autorizou a CCEE a fazer a operação dentro das diretrizes apresentadas pelos MME e Ministério da Fazenda.
O governo tinha a opção de dar um desconto para a Eletrobras adiantar todos os pagamentos, mas entendeu ser mais vantajoso fazer uma operação com bancos em que transforma a dívida a receber em títulos para serem negociados no mercado, conhecida como securitização. A CCEE assinou, em 7 de setembro, o contrato com o grupo de bancos que aceitaram a chamada pública para a operação e reúne Banco do Brasil, Itaú BBA, Bradeco BBI, BTG Pactual e Santander.