Adesivos de nicotina somem das farmácias, pacientes reclamam de interrupção no tratamento
Farmacêutica responsabiliza Anvisa pela demora no registro sanitário do produto; agência nega atraso
- Data: 25/09/2024 10:09
- Alterado: 25/09/2024 10:09
- Autor: Redação
- Fonte: Guilherme Horta Lima/Folhapress
Crédito:Divulgação/Freepik
Há um novo obstáculo a ser superado por quem tenta parar de fumar: encontrar adesivos de nicotina nas farmácias brasileiras. O NiQuitin, da farmacêutica Quifa, amplamente utilizado nas terapias de reposição de nicotina para tratar o tabagismo, era comercializado no Brasil nas versões de adesivos e pastilhas até março deste ano.
Desde que o produto desapareceu das prateleiras nas farmácias físicas e virtuais, pacientes não encontram alternativas, relatam desespero e falam em retrocesso na luta diária contra o vício em cigarro. Medicamentos de outras marcas também estão em falta.
A Quifa afirma que o medicamento foi temporariamente descontinuado em razão da demora na atualização do registro sanitário pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo a empresa, o processo de registro do NiQuitin está em finalização, e o retorno do produto ao mercado está previsto para dezembro de 2024 ou janeiro de 2025. A informação foi enviada à Folha pelo Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), porque a Quifa não tem canal oficial para atendimento à imprensa no Brasil.
Segundo a Anvisa, a farmacêutica apresentou propostas de mudanças do medicamento, inicialmente reprovadas porque os estudos apresentados foram considerados insuficientes para garantir eficácia e segurança. No entanto, segundo a agência, a Quifa já está autorizada a implementar as mudanças solicitadas desde 12 de agosto, quando avaliações técnicas alteraram a categoria regulatória do produto.
A Anvisa destaca que “não houve qualquer impedimento imposto pela agência relacionado à comercialização do medicamento”.
Em meio à disputa de narrativas entre a Quifa e a Anvisa, portais de defesa do consumidor na internet acumulam reclamações feitas por pacientes indignados com o sumiço do produto. “NiQuitin em falta”, “sem contato com a empresa” e “descontinuado sem aviso prévio” se tornaram reivindicações comuns nos últimos meses. “Acho que no mínimo merecemos saber o que está acontecendo e se o produto vai voltar ao mercado”, diz um consumidor.
A página oficial do NiQuitin sugere programas de 8 a 10 semanas de tratamento, dependendo do número de cigarros fumados por dia, e propõe uma diminuição gradual na concentração de nicotina administrada ao longo do tempo. O site traz ainda um aviso: “Lembrando que você não deve fumar durante o tratamento com NiQuitin® Adesivo”. Contudo, desde que o produto deixou de ser encontrado nas farmácias, pacientes estão retomando o hábito de consumir cigarros.
De acordo com a cardiologista Jaqueline Scholz, do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), lidar com a abstinência no dia a dia se tornou um processo ainda mais estressante para os pacientes. O número de recaídas nos tratamentos de fumantes e ex-fumantes aumenta consideravelmente diante da falta de adesivos nas farmácias. Poucas horas sem usar o produto podem resultar em ansiedade e irritabilidade intensas, além da frustração gerada por interromper o tratamento.
A médica alerta também sobre o alto número de jovens que desejam parar de fumar cigarros eletrônicos, mas não encontram as medicações necessárias. Campanhas de conscientização e notícias sobre os malefícios aumentaram a procura por adesivos de nicotina. Ainda que a comercialização de DEFs (dispositivos eletrônicos para fumar) seja proibida pela Anvisa, os vapes continuam a ser usados no Brasil.
O Ministério da Saúde oferece tratamento de tabagismo na rede pública desde 2002. De acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer), o SUS (Sistema Único de Saúde) fornece adesivos, gomas de mascar e cloridrato de bupropiona aos pacientes que desejam parar de fumar.
Diante do desabastecimento de NiQuitin, consumidores apelam a alternativas incomuns para procurar o produto. A psicanalista Raquel Eugênio, 42, conta que recorreu a uma amiga que viajava aos Estados Unidos para repor produtos de nicotina terapêutica.
“Apesar de parecer que encontrei a solução, é péssimo ter um estoque de adesivos em casa. Na cabeça de quem fuma, é um lembrete constante de que agora posso ter recaídas, já que tenho adesivos de sobra.”
Miguel (nome fictício, a pedido do entrevistado), 73, aposentado, segue na esperança de encontrar os adesivos para concluir seu tratamento. Por estar na última etapa da terapia, ele precisa de pequenas quantidades de nicotina.
O paciente passou a recortar o NiQuitin de 21 mg em três partes para substituir os adesivos de 7 mg, prática contraindicada pela bula do produto: “Este medicamento não deve ser cortado”. O aposentado rebate: “A outra opção é voltar a fumar”.
Esta reportagem foi produzida durante o 9º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que contou com o patrocínio do Laboratório Roche e do Hospital Israelita Albert Einstein.