Colômbia revive drama humanitário da guerra e tem de recorrer à Venezuela
Conflitos armados e deslocamento forçado aumentam as tensões na região.
- Data: 23/01/2025 20:01
- Alterado: 23/01/2025 20:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Divulgação
A crise humanitária que se desenvolve na região nordeste da Colômbia, há uma semana, trouxe à tona os ecos de conflitos passados envolvendo guerrilhas. O governo colombiano não hesitou em afirmar que crimes contra a humanidade estão sendo cometidos na área, levando o presidente Gustavo Petro a buscar auxílio do líder venezuelano Nicolás Maduro.
A situação no Catatumbo, uma região próxima à fronteira com a Venezuela e conhecida por abrigar uma das maiores reservas de coca do mundo, serve como um lembrete contundente da complexa relação entre Petro e o sucessor de Hugo Chávez.
Conflitos armados entre o ELN (Exército de Libertação Nacional) e dissidentes das antigas Farc, especificamente o grupo Frente 33, resultaram na morte de entre 60 a 80 pessoas nos últimos dias, muitos dos quais civis.
Mais de 36 mil pessoas foram forçadas a abandonar suas residências, em sua maioria se deslocando por terra e rios para áreas onde ainda se vislumbra certa paz ou mesmo atravessando a fronteira para a Venezuela, que ironicamente é o epicentro da maior diáspora da América Latina atualmente. Estima-se que pelo menos 1.600 colombianos tenham buscado refúgio no território venezuelano.
Testemunhos obtidos pelo jornal local El Espectador indicam que muitas famílias rurais estão se escondendo nas florestas, temendo retornar para suas casas ou buscar abrigo devido ao risco de serem pegas no fogo cruzado.
Este conflito é considerado o mais severo desde a assinatura dos acordos de paz em 2016 e representa um dos episódios mais graves das últimas décadas. Além disso, levanta preocupações sobre o possível recrutamento de jovens pelos grupos guerrilheiros, pondo em risco as negociações que Petro vem tentando estabelecer sob sua proposta de “paz total“.
Em resposta à crise, o presidente anunciou a implementação de um decreto de “comoção interior” em Catatumbo. Essa medida, similar a um estado de exceção, permite ao governo tomar decisões urgentes e emitir decretos com força de lei sem a necessidade de aprovação legislativa, tendo validade inicial de até 90 dias sob supervisão da Corte Constitucional.
A gravidade da situação é ainda ampliada pelo contexto da fronteira e pelo delicado momento político enfrentado por Petro. O presidente colombiano, que assumiu em 2022, não reconheceu formalmente a eleição de Maduro e tem criticado as violações dos direitos humanos na Venezuela com mais vigor do que outros líderes regionais, como o presidente brasileiro Lula.
Petro tem adotado uma postura diplomática cautelosa. Ele se esforçou para evitar uma ruptura com a Venezuela, reabrindo a fronteira entre os dois países e impulsionando o comércio bilateral.
Recentemente, ao discutir estratégias conjuntas com Maduro para combater a violência no Catatumbo, referiu-se ao venezuelano apenas como “aquele que exerce a Presidência na Venezuela”, evitando assim um reconhecimento formal.
A questão central reside no fato de que o ELN se tornou uma força com atuação transfronteiriça. A Venezuela atua como base para os líderes do grupo, que se tornou um dos principais agentes nos esforços políticos da região. Maduro tem tentado capitalizar essa situação ao afirmar que busca promover a paz na Colômbia.
Jorge Mantilla, especialista em dinâmicas do ELN e doutor em criminologia pela Universidade de Illinois Chicago, destaca que a binacionalização do ELN começou nos anos 2000. Ele explica que quando a fronteira foi fechada em 2015, o ELN consolidou seu controle sobre as rotas ilegais de contrabando e tráfico, tornando-se um ator crucial nas negociações entre Colômbia e Venezuela.
Com Maduro cada vez mais pressionado pela comunidade internacional devido à sua governança autoritária, ele parece encontrar oportunidades para desviar atenção das tensões internas ao focar na crise na Colômbia. Recentemente enviou seu ministro do Interior para a fronteira com a Colômbia com o objetivo aparente de demonstrar apoio aos deslocados pela violência.
A menos de um ano das próximas eleições nacionais na Colômbia, Gustavo Petro enfrenta um cenário desafiador. Com sua aprovação popular em torno de 34%, segundo pesquisas recentes da consultoria Invamer, ele precisa navegar cuidadosamente por essa crise humanitária enquanto busca estabilizar seu governo e avançar em suas promessas políticas.