Como acidentes aéreos afetam a saúde mental dos sobreviventes

Número de acidentes aéreos dispara nos últimos dois anos; psicólogo explica como esse evento pode impactar o psicológico dos sobreviventes

  • Data: 22/01/2025 10:01
  • Alterado: 22/01/2025 10:01
  • Autor: Redação
  • Fonte: Marcos Torati
Como acidentes aéreos afetam a saúde mental dos sobreviventes

Crédito:Frame Câmera de segurança de Ubatuba

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Após o acidente aéreo ocorrido em Ubatuba no início de 2025, a atenção de muitos brasileiros se volta à segurança da aviação e como ficam os sobreviventes desses eventos, principalmente o psicológico com os possíveis traumas que podem ser ocasionados, especialmente quando se trata de uma criança ou adolescente nesse contexto. 

Dados do painel do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) da Força Aérea Brasileira mostram que em 2024 cerca de 153 pessoas foram vítimas de acidentes aéreos, enquanto em 2023 foram 77 e, em 2022, 49 vítimas. Esses dados reacendem o debate sobre a segurança, mas também sobre a saúde mental daqueles que sobrevivem e dos que enfrentam o luto de uma tragédia.  

Marcos Torati, psicólogo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, explica como um evento como esse pode afetar a saúde mental das pessoas. “A primeira questão que surge para uma pessoa em um acontecimento como esse é a quebra abrupta de confiança. Esse evento pode desencadear dois tipos de trauma psicológicos simultâneos: um social e outro pessoal”, comenta. 

Torati afirma que o trauma social ocorre porque o objeto aeronave, antes símbolo de lazer, progresso e conectividade, passa a representar um símbolo de risco de vida no período do desastre. Enquanto o trauma pessoal ocorre devido ao trauma emocional dos sobreviventes e de seus familiares que enfrentam as consequências de uma experiência difícil de ser simbolizada.

“Para estimar a magnitude do impacto psicológico de um acidente aéreo e seus efeitos no sobrevivente, é necessário avaliar dois fatores: se a vítima sofreu Transtorno de Estresse Pós-Traumático (ETC) e se entrará em processo de luto por perdas de entes queridos no voo”, explica o psicólogo. 

Quais os impactos em adultos e crianças a curto, médio e longo prazo?

Quando se trata de crianças, a reação psicológica pode ser bastante diferente. Primeiramente, é crucial entendermos uma premissa do por que um acidente aéreo pode ser traumático para algumas pessoas e não para outras. De acordo com Torati, um trauma não necessariamente está ligado à concretude do evento em si, ou seja, a queda do avião propriamente dita, mas, aos recursos psicológicos do indivíduo para processar e realizar os complexos trabalhos elaborativos deste evento. 

“Psicologicamente, a questão etária importa. Afinal, a capacidade pessoal de uma criança, de um adolescente e de um adulto são diferentes no que se refere às condições psicológicas para se lidar com uma experiência inesperada e extremamente desagradável. Então, se a intensidade do trauma é medida pela capacidade suportiva do indivíduo, simplifico assim, logo, quanto mais imaturo, menor são os recursos egóicos do indivíduo”, afirma Marcos Torati.

O especialista também ressalta que se todo trauma ocorre no corpo, logo, para uma criança essa experiência traumática é quase que puramente corporal. Afinal, se a capacidade de elaboração do trauma é feita dentro do campo da linguagem, os recursos simbólicos são limitados para uma criança. 

“Quanto menor for a criança, maior será a sua dificuldade de elaboração simbólica. Dessa maneira, as marcas físicas e psíquicas provocadas pelo acidente ficam impregnadas no corpo, como uma espécie de tatuagem”, aponta. Torati explica abaixo cada um dos impactos a curto, médio e longo prazo na saúde do paciente:

– Curto prazo: as dificuldades iniciais do sobrevivente geralmente estão relacionadas à amnésia dissociativa, ou seja, a perda da memória causada por trauma ou estresse. Nos primeiros socorros, é comum a vítima experienciar uma fase de confusão mental e entorpecimento emocional motivado pela reação a um estado de choque e incredulidade.

– Médio prazo: quando o sobrevivente começa a se determinar conforme os fatos, se inicia a tarefa de se apropriar da realidade da tragédia e de suas consequências. Aqui, o paciente tende a passar por outra turbulência emocional, normalmente relacionada às suas perdas. Vale dizer que, mesmo nesse momento, também ocorrem episódios dissociativos.

– Longo prazo: por fim, há duas batalhas principais: lidar com o luto-trauma do evento passado e retomar a vida no presente. Via de regra, existe um risco quando o sobrevivente recebe alta.  Tal qual ao mito de caverna de Platão, sair para o mundo exterior pode provocar angústia, dor e estranheza. 

Há um estresse em lidar com o excesso de realidade da vida cotidiana quando se está emocionalmente fragilizado. Ademais, existe outra questão: redescobrir a si mesmo, se autorreconhecer e poder reelaborar qual é o seu lugar no espelho do mundo, nas relações sociais, amorosas e profissionais.

“É imprescindível o acolhimento profissional, o papel dos amigos e familiares, pois, além dos esforços para tolerar a relação com o ambiente, a pessoa traumatizada encontra também a pressão de ter que lidar com seus conteúdos interiores, especialmente quando está consigo própria, em sua solitude, onde é invadida por pensamentos intrusivos e rememorações do evento traumático”, finaliza o especialista.

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  • Data: 22/01/2025 10:01
  • Alterado:22/01/2025 10:01
  • Autor: Redação
  • Fonte: Marcos Torati









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