Os impactos da pandemia de Covid-19 na educação do Brasil
Como um dos países que mantiveram as escolas fechadas por um período prolongado, o Brasil observou uma queda significativa nos principais indicadores de desempenho escolar.
- Data: 29/12/2024 10:12
- Alterado: 29/12/2024 10:12
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: FOLHAPRESS
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Crédito:Pedro Roque
No mês de março de 2020, uma decisão sem precedentes afetou o sistema educacional em todo o mundo: a suspensão das aulas presenciais como medida para conter a disseminação da Covid-19. Quase cinco anos após essa interrupção, o Brasil ainda enfrenta as consequências desse momento crítico na educação.
Como um dos países que mantiveram as escolas fechadas por um período prolongado, o Brasil observou uma queda significativa nos principais indicadores de desempenho escolar. Contudo, especialistas afirmam que as perdas mais profundas e difíceis de quantificar estão relacionadas ao desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e motoras das crianças.
Educadores da educação infantil relatam que as crianças que ingressaram na pré-escola em 2024 — aquelas nascidas durante a pandemia e que passaram seus primeiros meses isoladas — frequentemente apresentam comportamentos atípicos para sua faixa etária. Observa-se uma dificuldade em brincar sem a intervenção de adultos, além de atrasos na fala e na coordenação motora.
Marina Fragata, diretora de políticas públicas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), enfatiza a ausência de estudos que mensurem com precisão os danos causados às crianças durante esse período. No entanto, ela destaca que esses prejuízos são palpáveis para os profissionais que atuam diretamente nas salas de aula.
A FMCSV, em colaboração com o Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (Lapope) da UFRJ, conduziu uma pesquisa para investigar o impacto da pandemia no desenvolvimento infantil. A análise comparativa abrangeu dados de crianças no 2º ano da pré-escola entre os anos de 2019 e 2022, revelando perdas notáveis nas áreas de linguagem, matemática e habilidades sociais e motoras.
Crianças que iniciaram a pré-escola nos anos de 2020 e 2021, ou seja, aquelas com menor tempo em atividades presenciais, demonstraram déficits equivalentes a aproximadamente dez meses em aprendizado linguístico e onze meses em matemática. Atualmente, esses alunos estão no 4º e 5º ano do ensino fundamental e podem carregar essas deficiências se não forem oferecidas intervenções adequadas.
Fragata aponta que o desenvolvimento infantil durante a pandemia foi marcado por um ritmo mais lento, resultando em déficits em comparação com crianças que não vivenciaram esse período. “Um programa robusto de recuperação educacional é essencial para mitigar esses danos; no entanto, especialmente as crianças mais vulneráveis não têm tido acesso a essa oportunidade“, afirma.
Luana Santos, professora do ensino fundamental na rede municipal de São Paulo, também compartilha suas observações sobre os desafios enfrentados pelos alunos. “As crianças demonstram mais dificuldades em aprender do que em anos anteriores; além disso, parecem mais imaturas e incapazes de realizar atividades simples como copiar da lousa“, relata Luana, que possui 18 anos de experiência docente.
Ela menciona que a frustração diante das tarefas escolares leva os alunos a sentimentos de estresse e desmotivação. Para lidar com isso, Luana precisou simplificar suas aulas para ajudar os estudantes a desenvolver habilidades básicas como segurar um lápis ou desenhar dentro das linhas.
Além do tempo longe da escola, outro fator preocupante identificado pelas educadoras é o aumento do uso de dispositivos móveis entre crianças pequenas. Pesquisas indicam que o tempo excessivo em telas pode prejudicar a coordenação motora e a concentração das crianças, além de potencialmente aumentar comportamentos agressivos.
A iniciativa recente no Brasil para proibir o uso de celulares nas escolas é considerada vital por Fragata. “Essa prática já era comum antes da pandemia, mas intensificou-se consideravelmente durante esse período crítico“, explica.
A ex-diretora Global de Educação do Banco Mundial, Cláudia Costin, ressalta que o fechamento prolongado das escolas teve repercussões severas no desenvolvimento socioemocional dos jovens estudantes. “A escola não apenas promove habilidades cognitivas; ela ensina competências essenciais para a vida em sociedade. A falta prolongada das aulas presenciais comprometeu exatamente essa formação“, destaca Cláudia.
De acordo com ela, as melhores abordagens para mitigar os efeitos negativos sobre a saúde mental dos alunos incluem promover ensino integral e restringir o uso de celulares nas escolas — políticas implementadas tardiamente e ainda insuficientes para atender à demanda.
“Temos um diagnóstico claro da situação e sabemos como podemos atenuar os impactos; entretanto, é imprescindível acelerar essas ações para beneficiar um número maior de crianças e adolescentes sem perder mais tempo“, conclui Costin.