Ainda Estou Aqui: A corrida por uma indicação ao Oscar

Filme é atração na 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de SP

  • Data: 11/10/2024 19:10
  • Alterado: 03/11/2024 13:11
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC
Ainda Estou Aqui: A corrida por uma indicação ao Oscar

Crédito:Filme será atração da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema

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Já começou a corrida do Oscar e com ele vem aí a nossa grande aposta para festa do cinema mundial, trata-se do filme Ainda Estou Aqui (2024), o novo longa do diretor Walter Salles, que esta semana foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa pelo Oscar na vaga de melhor filme internacional.

A trama é baseada na obra homônima lançada em 2015, do escritor Marcelo Rubens Paiva, que de maneira autoral, conta a história do desaparecimento e prisão de seu pai, além das implicações de sua família frente ao regime militar. O longa é uma parceria do Globoplay e sob a batuta do diretor Walter Salles, tendo nomes de peso como o de Fernanda Torres e Selton Mello.

O filme é a grande atração da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema, que rola de 19 de outubro a 1 de novembro, em São Paulo. Assim, cada vez mais o longa entra na mira das principais apostas de veículos como a Variety e Deadline, para faturar prêmios na corrida até o Oscar. No campo das possibilidades, existem indícios que nos permitem acreditar que sim, desta vez é possível sonhar alto com a fé na ponta das poltronas de cinema. Portanto, ainda que a premiação esteja longe, eu te conto aqui, alguns dos motivos que balizam as chances reais (ou teóricas) do Brasil chegar até a disputa na cobiçada premiação da sétima arte.

Fôlego até linha de chegada

No passar das últimas semanas, diversas aspas vêm se amontoando em falas como do crítico especializado, Pete Hammond (Deadline), que se derramou em elogios, classificando o filme, como sendo um “drama político sensacional”, além de cravar o longa como sendo “o melhor trabalho de Salles em anos”. Dessa forma, nos dias que se seguiram, a patota cinéfila nacional tem ficado em polvorosa, ainda mais com a divulgação da lista de previsões para o Oscar de veículos como The Hollywood Reporter, Variety e Deadline, respectivamente.

Dentre os principais motivos para o rebuliço, está a publicação de Scott Feinberg, o jornalista do The Hollywood Reporter – conhecido por ser um dos maiores palpiteiros de Oscar na crítica cinematográfica internacional –, que entre outros tantos, apontou Selton Mello, como um provável vencedor da premiação. Na esteira dos reconhecimentos, Fernanda Torres conquistou o Critics Choice Awards, quando foi anunciada vencedora do prêmio de “Atriz de Filme Internacional”, por sua atuação no longa de Walter Salles.

As notícias chegam para aquecer ainda mais os preparativos, não apenas para o lançamento no Brasil, mas para reforçar o longa como a grande esperança de levar o Brasil a grande festa do cinema mundial, na 97ª edição do Oscar, que ocorrerá no dia 2 de março de 2025.

Com estreia prevista para 7 de novembro, o longa vem colecionando elogios por diversos festivais internacionais por onde tem passado, sendo ovacionado na première do Festival Internacional de Cinema de Toronto, considerado o termômetro para o Oscar. Os feitos veem se somando e encorpando o fôlego da produção, ainda mais após o longa ter se sagrado vencedor do prêmio de Melhor Roteiro na 81ª edição do Festival de Veneza, onde foi aplaudido de pé por mais de 10 minutos.

Com uma maciça torcida, cabe a nós brasileiros uma sincera pergunta: teríamos chances reais de seguir adiante nessa briga (e no momento certo, adquirir combustível extra para chegarmos vivos até o final da corrida) para os indicados do Oscar?

Escolha do Tema

Seja você de esquerda ou direita, saiba: o assunto ditadura, repercute bastante lá fora, seja para prêmios estadunidenses ou não. Não apenas no Brasil em especial, mas para nós latinos, grande parte dos filmes centrados no escopo, são quase sempre muito bem recebidos pela academia. Prova disso, são as diversas premiações vencidas com a temática. Já vimos casos até mesmo de um curta sobre o assunto levando o Oscar (de Melhor Curta-metragem), por conta dos horrores sob ditadura de Pinochet, como no caso da animação “A História de um Urso”. Tivemos também uma indicação do Oscar, do longa argentino que recentemente venceu a disputa do Globo de Ouro pela obra Argentina, 1985 (2022), ganhando o prêmio de Melhor Filme Não Falado em Inglês. E claro, impossível não mencionar o longa brasileiro O Que Isso Companheiro (1997), do diretor Bruno Barreto, irmão do também cineasta Fábio Barreto, responsável pelo igualmente indicado ao Oscar de “Melhor Filme Estrangeiro”, por O Quatrilho (1995).

Regras do Jogo e as Coincidências dos Astros

Faltando algumas semanas da estreia de Ainda Estou Aqui (2024), existe a possibilidade deste jornalista puxar um tantinho a sardinha verde-amarela para o nosso lado, mas o que tem de mal? Todos torcemos, eleições também são assim, até porque sim, o Oscar é substancialmente um grande palanque de votação, ainda mais por se apoiar em uma das regras de ouro do métier: quem não é visto, jamais será lembrado. Por lá, existe uma outra face do cinema no âmbito publicitário, que vive em meio a grandes cartazes e gestos (que disfarçados são agrados), algo que chamam For Your Consideration – FYC (Para Sua Consideração em tradução livre), uma espécie de pedido de voto para o seu filme aos membros da academia.

Assim, com base nos tais “eventos FYC” (For Your Consideration), pouquíssimos diretores como Salles (um diretor consolidado no Brasil e internacionalmente), teria cacife para ajudar a promover o longa. Lembrando que, no ano passado, o cineasta foi apontado pela revista Forbes, como o diretor mais rico do mundo, desbancando bilionários como George Lucas, da franquia Star Wars. Ou seja, os pontos positivos repousam não apenas no financiamento de um filme, mas na construção de mecanismos que o impulsionem nessa longa corrida até o Oscar.

Talvez para o maior entusiasta dos astros e deuses do cinema, não exista melhor timming para um realinhamento de planetas, que agora. Então, pense na seguinte lógica de conexões (exageradas ou não), ainda que acaloradamente passionais, com um fino ajuste do “off” no desligar (momentâneo) acerca do âmbito técnico. Desta forma, façamos uma reflexão sobre conjecturas. Muito antes de títulos como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), se tornarem grandes referências, o que havia em meio a fragmentos de cinema brasileiro no imaginário americano exportado, era limitado a nomes como o de Sônia Braga, seguido de Walter Salles, tendo em seus primórdios a figura quase alegórica de Carmen Miranda.

Com esse tipo de referencial presente na memória americana, tendo uma academia majoritariamente (ainda) composta por membros da terceira idade, não é de se estranhar uma fácil relação de nomes como Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Além do parentesco, ambas se conectam com a premiação, seja com uma indicação de “Melhor Filme Estrangeiro”, (em 1998) ou mesmo na disputa da estatueta de “Melhor Atriz” (em 1999), tendo sido através destes dois nomes o mais próximo que já pudemos chegar de uma estatueta. Além da presença de Selton Mello, que só reforçam as coincidências, ao compor o elenco do filme O Que É Isso, Companheiro? (1997), quando dividiu a tela com Fernanda Torres, e agora uma vez mais, desta vez com o novo longa de Salles.

Agora tente imaginar a atriz do longa já indicado “O Que Isso Companheiro”, filha da mulher que quase levou o prêmio de “Melhor Atriz”, quando a mãe era apontada como a favorita. Seria incrível, não?

Para além das motivações, há também para o diretor brasileiro, uma “planejada feliz coincidência incidental”, onde Walter Salles experimenta um sabor quase agridoce, de caráter pessoal. O cineasta possui uma estreita relação com a família inspirada na obra, sendo amigo de infância de Nallu (irmã do autor do livro que inspirou o longa, o escritor Marcelo Rubens Paiva). Para além disso, existe também o (re)visitar de uma histórica parceria multigeracional de longa data com a atriz Fernanda Montenegro, com o filme Central do Brasil (1998). Na ocasião, Salles dirigiu a mãe – na pele da escrivã Dora, que ajudava analfabetos redigindo cartas na estação –, tendo desta vez, a mesma oportunidade, ao comandar a filha da grande dama da dramaturgia brasileira, a também atriz, Fernanda Torres.

Por aqui é impossível falar de Oscar, sem recordar da triste derrota de Montenegro, no filme Central do Brasil (1998). O fato é considerado até hoje pela maior parte dos especialistas em crítica especializada, como uma das edições de maior injustiça na história da premiação, entregando o Oscar de “Melhor Atriz” a Gwyneth Paltrow, pelo filme Shakespeare Apaixonado (1998). Também vale lembrar que, o Oscar, como qualquer evento eleitoreiro, não é livre de situações escusas, ou seja, repleto de lobby, com presentes e pressões internas, e como o filme vencedor era alavancado pela já extinta The Weinstein Company.

Para quem não fez a relação, você não leu errado, trata-se do mesmo estúdio do executivo e magnata hollywoodiano, Harvey Weinstein (exposto pelo movimento Me Too e condenado a 16 anos de prisão, acusado de cometer todo o tipo de crimes sexuais na indústria do cinema). Tendo nesta figura, o ponto crucial apontado por muitos, como o principal motivo para que o longa sobre o dramaturgo mais famoso do mundo, fosse a escolha da academia, preterindo produções como Central do Brasil (1998), e o drama de guerra estadunidense O Resgate do Soldado Ryan (1998).

Para alimentar nossa síndrome de vira-lata, no ano passado, a algoz da brasileira, atriz Gwyneth Paltrow, em entrevista à revista Vogue, afirmou que utiliza a estatueta conquistada na premiação, como um peso de porta. A declaração soou como uma bofetada para nós brasileiros, que em todo o nosso coitadismo, vislumbrávamos ali uma real chance de vencer nosso primeiro Oscar, de maneira tão legítima, quando na prática, uma vez mais nos sentimos preteridos após nadar e morrer na beira de nossos próprios traumas.

Passadas polêmicas e superações, e gozando de força em sua própria terra, o cinema brasileiro se vê cada vez mais livre das amarras do desconhecimento e fraqueza política de outrora. Hoje, o Brasil possui mais de 50 votantes no AMPAS (como é chamada a Academia), que atualmente é composta por cerca de 10,5 mil integrantes, o que só fortalece nossa disputa, tornando este momento ainda mais propício para uma vitória na corrida entre os indicados.

Porém, desta vez, o drama folhetim, especialidade por aqui, começa a renascer de um sentimento de justiçamento, onde talvez possamos sentir-nos, finalmente vingados. A sementinha foi colocada após a Academia Brasileira de Cinema escolher o longa “Ainda Estou Aqui” como representante nacional para a disputa de uma indicação ao Oscar. Agora basta aguardar a seleção que irá oficializar os indicados em uma lista que sai no dia 17 de janeiro.

A mera possibilidade de brindar esse momento, e não apenas, vislumbrar junto de Fernanda Torres a chance de finalmente poder vingar a mãe, para nós brasileiro seria um júbilo sem precedentes. Visto que, jamais esquecemos do nosso 7×1 do cinema, e pior, na derrota tínhamos Pelé (do cinema). Assim enfim apagar o dia em que a academia preteriu Fernanda Montenegro, entregando a estatueta de “Melhor Atriz” a Gwyneth Paltrow, em uma performance no mínimo questionável. Assim como em outros tantos, nesse dia, o Brasil perdeu. Entretanto, a derrota parece ter sido um tombo maior que nossas pernas possuíam na época. Sendo o brasileiro um povo muito passional, e, portanto, em diversas razões, de ótica distorcida sobre nosso cinema, o sentimento da foi de total injustiça e desamparo.

Assim, ganhar o Oscar, não seria uma vitória apenas para o cinema, mas nossa chance de brilhar no mundo. É meio como nos sentimos, a respeito de Ayrton Senna (na Fórmula 1), ou mesmo com Gustavo Kuerten (no Tênis). A sensação é como se houvesse uma questão mal resolvida no coração do brasileiro, algo que talvez se possa discutir em um divã (ou em um novo texto), como essa incessante busca por redenção no inalcançável. Assim, desta vez, pode haver aqui uma chance de a academia reparar o fiasco ocorrido na 71ª edição do Oscar, em 1999, quando entregou dois dos principais prêmios por (uma suposta) interferência e lobby.

O que fica além da torcida pelas redes, parece ser o mergulho na passagem de dois túneis de pensamento que gritam em uníssono: vingança ou reparação histórica. Contudo, isso, definitivamente isso talvez não mais importe, o que vale pra nós é caneco na premiação, seja gol de canela ou barriga, mesmo que falte sustento na mesma barriga, bola na rede pra brasileiro é alimento tão passional como formiga no doce.

Do verídico, de Nelson Rodrigues, até a leveza fantasiosa do real, de Manoel Carlos, que a trama de nossa corrida não seja mexicana, mas de um jeito bem brasileiro, suada, e aos 47 do segundo tempo. Então, bora manter os dedos cruzados entre braços abertos para quando chegar a hora (em meio a tantas especulações, teorias e apostas com fortes indícios de vitória), que possamos vencer com “V” maiúsculo, ao menos com uma certeza no bolso furado: se for pra ganhar, mesmo não sendo futebol, que ao menos na arte a gente convença o mundo que, nós estamos aqui, ainda.

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  • Data: 11/10/2024 07:10
  • Alterado:03/11/2024 13:11
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