Brasileiros que subiram rampa com Lula veem avanços, mas querem mais
Convidados da posse dizem que governo, embora melhor que o de Bolsonaro, precisa cumprir promessas
- Data: 02/09/2024 09:09
- Alterado: 02/09/2024 09:09
- Autor: Redação
- Fonte: Joelmir Tavares/Folhapress
Crédito:Tânia Rego/Agência Brasil
Em 1º de janeiro de 2023, uma série de expectativas subiu a rampa do Planalto com Lula (PT) na posse do atual mandato. Eram os desejos para o novo governo na cabeça dos oito brasileiros convidados para entregar a faixa ao presidente, diante da ausência do antecessor, Jair Bolsonaro (PL).
O terceiro governo do petista, hoje se aproximando da metade, trouxe avanços e a mudança esperada com a saída de Bolsonaro, disseram à reportagem seis das pessoas que participaram da cerimônia – as outras duas (o metalúrgico Weslley Rocha e o artesão Flávio Pereira), procuradas, preferiram não falar com a reportagem.
Mas os entrevistados, todos ainda convictos do apoio a Lula, convergem na opinião de que ele precisa fazer mais para cumprir integralmente suas promessas de campanha.
Apontam, contudo, obstáculos que dificultam o trabalho do presidente: a polarização – vista como um entrave ao reconhecimento de êxitos e o Congresso – pela base frágil e oposição consistente.
Os participantes, escolhidos pelo cerimonial com a participação da primeira-dama Janja, compartilham o orgulho de terem vivido um momento histórico, tido como simbolismo de representatividade e aceno à participação popular. A cena teve ainda a presença da cadela Resistência, adotada por Lula e Janja.
RAONI METUKTIRE, 92
Brasileiro mais conhecido dos convidados que subiram a rampa, o cacique diz que “muitas coisas melhoraram” para os indígenas e o ambiente com a troca de Bolsonaro – a quem criticava – por Lula. Mas reitera o apelo por demarcações de terra, reivindicação que faz ao presidente desde a posse.
“O que peço a Lula e a todos é colaboração contra a destruição da natureza. Precisamos de equilíbrio no ambiente e no clima, antes que a Terra pegue fogo”, afirma. As respostas foram traduzidas da língua mebêngôkre (kayapó) por Takakpe Metuktire, neto de Raoni e assessor do instituto que leva seu nome.
O cacique tem batido de frente com Lula por causa da construção da Ferrogrão, ferrovia cujo traçado corta a Amazônia margeando áreas indígenas. Ele cobra do governo consulta aos envolvidos, o fim do marco temporal e coordenação com ministros e governadores para “manter a floresta de pé”.
Raoni diz que, na segunda quinzena de agosto, durante solenidade em Brasília, convidou o presidente para ir à sua aldeia, em Mato Grosso, e reforça o chamado para um encontro com líderes indígenas. “Ele tem um bom diálogo com o nosso povo. Estamos esperando que ele venha. Lula, me escute.”
FRANCISCO CARLOS, 12
A sala da casa do estudante, na zona leste de São Paulo, tem agora um quadro com a foto daquele que ele considera um dos dias mais felizes de sua vida.
“O Lula presta bastante atenção nos pobres. Que eu saiba, acho que mudou bastante”, diz o filho de uma assistente social e um advogado simpáticos ao presidente. “Se a gente avaliar o antigo governo, [por] tudo o que fez, e principalmente o que não fez, já dá para perceber que tem uma grande diferença.”
Também atleta de natação, Francisco cita como feitos do governo novas universidades, onde diz que um dia poderá estudar, e o Minha Casa, Minha Vida, que ele acha que “ajuda bastante os mais necessitados”.
Por outro lado, gostaria que o petista apoiasse mais por outros esportes, e “não só o futebol”. E diz compreender a situação do presidente no Congresso, com muitos membros “ficando contra” suas medidas. “Ele não tem escolha, né? Ou ele tenta se enturmar com essas pessoas ou ele fica sozinho.”
ALINE SOUSA, 34
Escolhida para passar a faixa a Lula, a catadora de materiais recicláveis, que dirige uma cooperativa no Distrito Federal, viu sua presença como um reconhecimento à categoria e considera como resultado concreto a retomada de políticas como o Programa Cataforte – ela discursou no lançamento, em julho.
“Para muitas pessoas, é inaceitável o que aconteceu, ‘por que uma catadora foi lá e fez isso?'”, diz ela ao se queixar de diferenças político-ideológicas que, para ela, estão na raiz das dificuldades do governo. “Isso foi construído nos quatro anos anteriores.”
“Eu não posso dizer que estou 100% satisfeita [com a situação do país] porque eu estou acompanhando esses entraves junto ao Congresso e sei que muitas coisas são embarreiradas por lá. A questão das fake news também atrapalha muito, não só os políticos, mas todos nós”, avalia.
MURILO DE QUADROS JESUS, 30
Professor de inglês e cursando farmácia em Curitiba, ele celebra a recriação de ministérios e secretarias voltados a segmentos como o LGBTQIA+, no qual se inclui. Mas responde que outras promessas de Lula têm sido cumpridas parcialmente, por culpa da herança “dos governos anteriores”.
“Se fosse outra pessoa, teria essa mesma dificuldade”, afirma, emendando crítica à apropriação do Orçamento pelo Congresso.
Jesus diz que o governo pode melhorar sua atuação na educação, área para a qual esperava prioridade. Na greve de professores de universidades federais, no primeiro semestre deste ano, “a negociação poderia ter sido mais bem articulada”, opina ele.
JUCIMARA FAUSTO DOS SANTOS, 47
A cozinheira, que mora em Maringá (PR) e trabalhou na vigília de apoiadores de Lula quando ficou preso em Curitiba, diz que sua esperança de ver o Brasil governado para o povo “em parte” se consumou, mas que “o país está muito dividido”, o que é um problema. “Alguns não dão o braço a torcer”, afirma.
Questionada sobre o que a incomoda, Jucimara cita casos de pessoas que, segundo ela, recebem o Bolsa Família mesmo sem precisar – e pensa que o governo deveria aperfeiçoar o controle dos programas.
Como aspecto positivo, ela relata que suas idas ao mercado agora rendem mais. “Eu ia com R$ 1.000 e não enchia um carrinho, hoje encho. Nesse ponto, ele cumpriu o que falou”, diz, comentando que vê “nos grupos de WhatsApp” informações de que a fome diminuiu país afora.
IVAN BARON, 25
Pedagogo que se tornou influenciador contra a discriminação a pessoas com deficiência, Baron diz que o governo se diferencia do anterior por abertura ao diálogo com segmentos como o dele.
“Se há um retrocesso, a gente pode opinar e ele pode ser cancelado”, diz ele, que ficou com as funções motoras afetadas na infância pela paralisia cerebral e milita contra o capacitismo.
Baron se juntou a protestos contra a extinção, depois revertida, de uma diretoria de educação para surdos e deu um puxão de orelha no presidente por dizer que não queria aparecer de muleta ou andador após a cirurgia no quadril porque queria ser visto “sempre bonito”.
Morador de Natal, ele se diz feliz com iniciativas para pessoas com deficiência resgatadas pelo SUS. “Não é um governo perfeito, mas eu sinto que o presidente nos escuta.”