Eleição em SP decompõe frente de Lula em palanques de Boulos, Tabata e Nunes
Divisão nos apoios a prefeito expõe risco de conflitos na base do presidente e constrangimentos na campanha deste ano
- Data: 03/01/2024 10:01
- Alterado: 03/01/2024 10:01
- Autor: Joelmir Tavares
- Fonte: Folhapress
Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Tabata Amaral (PSB)
Crédito:Reprodução/Câmara dos Deputados
A já precificada decomposição da frente que elegeu o presidente Lula (PT) ficará evidente na eleição municipal de 2024 em São Paulo, com personagens centrais se dividindo entre os palanques de Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB) e Ricardo Nunes (MDB).
O quadro tem inspirado cautela e preocupação tanto entre os pré-candidatos e suas equipes quanto no governo federal. A situação é tão delicada que deve opor Lula ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), figura-símbolo da ideia de frente ampla em torno do petista para derrotar Jair Bolsonaro (PL).
Há esforços para que a disputa local entre apoiadores de Lula, que se repetirá em outras cidades, não respingue na hiperfragilizada articulação política do governo no Congresso nem crie tensões que comprometam o entendimento na Esplanada dos Ministérios e entre partidos aliados.
Fiador da candidatura de Boulos, Lula se envolveu nas costuras em prol do deputado federal e iniciou sua participação direta na campanha ao comparecer a um evento do governo federal na cidade, em dezembro, feito sob medida para alavancar o pupilo.
O psolista, apoiado pelo PT em uma inédita renúncia à cabeça de chapa na capital paulista, deverá contar com o suporte de quadros petistas de peso, como os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), além de Marina Silva (Meio Ambiente), da aliada Rede.
Alckmin se posicionou em defesa de Tabata, o que tem sido tratado com naturalidade em público, mas motiva queixas e pressões nos bastidores. O próprio Lula demonstrou desconforto com a participação do vice na campanha local, por ver como negativa a separação da dupla entre dois projetos.
Em outubro, Alckmin chamou a correligionária de “a novidade, a mudança, a verdadeira mudança”, durante discurso em um encontro do PSB na cidade.
A deputada, que apoiou Lula para evitar Bolsonaro e busca se diferenciar ideologicamente de PT e PSOL, atua para barrar rumores sobre uma eventual desistência, assim como desmentiu seguidas vezes a hipótese de aceitar a vice de Boulos – vaga que, por acordo, caberá ao partido de Lula.
Ela também tem como peça central em sua campanha o ministro Márcio França (Empreendedorismo e Microempresa), homem forte do PSB no estado. O ex-governador atuou em articulações como a que resultou na filiação do apresentador José Luiz Datena, cotado para ser vice de Tabata.
A parlamentar passou a mencionar o apoio dos líderes partidários para dissipar as suspeitas sobre sua candidatura. Ela também esperava contar em seu palanque com a presença de Flávio Dino (Justiça), que deixará o governo para assumir uma cadeira no STF (Supremo Tribunal Federal).
Apesar de estar em campo oposto ao de Boulos e Tabata – e ser oposição a Lula, Nunes está indiretamente na órbita governista porque seu partido compõe a base no Congresso e tem três ministros.
A emedebista Simone Tebet (Planejamento) foi considerada peça central para o simbolismo da frente ampla almejada pelos entusiastas de Lula em 2022. A ex-senadora, que concorreu à Presidência no primeiro turno vocalizando críticas inclusive ao petista, declarou apoio a ele contra Bolsonaro.
Tebet é tida por Nunes como um reforço na campanha à reeleição, mas sua presença e o nível de engajamento ainda são dúvidas. A eventual adesão de Bolsonaro ao emedebista deve ser empecilho para uma participação mais efetiva da ministra, que considerou o ex-presidente um risco à democracia.
Em meio ao avanço das movimentações do prefeito para conseguir o apoio de Bolsonaro, ela disse ao Painel, do jornal Folha de S.Paulo, em agosto que Nunes “não é um extremista, é um democrata” e pregou união contra “o extremismo de direita”. Procurada via assessoria, Tebet não voltou a comentar o assunto.
O prefeito também se mostra confiante em gestos dos demais ministros do partido, Jader Filho (Cidades) e Renan Filho (Transportes).
“Os ministros do MDB evidentemente vão estar me apoiando”, disse Nunes à Folha de S.Paulo. “Não tem nenhuma forma de não acontecer isso. A eleição da capital é a mais importante do MDB.” Um sinal da prioridade foi a escolha do presidente nacional da legenda, Baleia Rossi, para ser o coordenador da campanha.
Uma prévia das saias justas que virão pela frente ocorreu na cerimônia que marcou a estreia de Lula na série de agendas que ele incumbiu o governo federal de realizar na cidade para promover Boulos. O intuito é atrelar a imagem do pré-candidato a realizações da gestão petista.
Jader Filho estava no mesmo palco que os dois na assinatura do contrato para a construção de um empreendimento habitacional do Minha Casa, Minha Vida – evento em dezembro que ganhou ares de ato de campanha. Como não houve pedido de voto, foi evitado maior constrangimento.
Lula fez um apelo, na última reunião ministerial do ano, para que partidos aliados evitem ao máximo enfrentamento nas cidades. Falando especificamente da questão com Alckmin, o petista disse ser necessário evitar problemas. O PSB se apressou em reiterar apoio aos planos de Tabata.
Com o discurso de que é legítimo Tabata lançar candidatura, Boulos tem fugido de embates com ela e deixado sem resposta críticas da adversária, algumas delas consideradas duras. Aliados do psolista vislumbram um apoio dela caso ele chegue ao segundo turno contra alguém da direita.
Para o cientista político Leandro Machado, a fragmentação era previsível porque a “frente não tão ampla”, como define a coalizão em torno de Lula, já nasceu com um caráter momentâneo e isso ficou explícito na montagem do governo, com uma distribuição mal-ajeitada de poderes e cargos.
O especialista lembra que eleições municipais têm características próprias, com debate mais voltado a problemas locais, e nem sempre refletem composições nacionais. Machado especula, por exemplo, que a rixa entre PT e PSB em São Paulo não significa que os dois partidos estarão separados em 2026.
O presidente municipal do PT, Laércio Ribeiro, diz que “o PSB tem direito de colocar seu projeto num primeiro turno para debater, para testar” e nega desconforto com a sigla de Alckmin.
“Num segundo turno, se nós estivermos lá [com Boulos], e eu tenho segurança de que vamos estar, vamos ter condição de fazer uma aproximação com o PSB e com outros setores”, afirma o dirigente, que coordena a pré-campanha ao lado de Josué Rocha, indicado pelo PSOL.