Calor eleva custos de empresas, reduz produtividade e muda padrão sazonal
O aumento brusco da temperatura altera o rendimento de motores de aviões, eleva os custos com ar-condicionado em escritórios, prejudica setores agrícolas e represa vendas de segmentos do varejo.
- Data: 09/11/2023 15:11
- Alterado: 09/11/2023 15:11
- Autor: Joana Cunha
- Fonte: FOLHAPRESS
Crédito:Reprodução/Twitter-X
As ondas de calor que vêm sendo registradas no país provocam impactos em diversas atividades da economia, que começam a colocar em prática medidas de contingência já existentes e planejam novas adaptações para um cenário de aquecimento prolongado.
O aumento brusco da temperatura altera o rendimento de motores de aviões, eleva os custos com ar-condicionado em escritórios, prejudica setores agrícolas e represa vendas de segmentos do varejo. Além de comprometer a produtividade dos trabalhadores, especialmente os que atuam ao ar livre em canteiros de obras e postos de vigilância, os efeitos do clima podem bagunçar a sazonalidade de alguns setores.
No caso da construção, historicamente, são os tempos de chuva que costumam provocar períodos de suspensão das obras de infraestrutura ao longo do ano, mas a incidência do sol intenso começa a mudar esse padrão, tirando produtividade em momentos em que antes funcionavam a pleno vapor.
Haruo Ishikawa, executivo do SindusCon-SP, que reúne as empresas de construção civil, afirma que o setor vem atuando com medidas de conscientização e prevenção como hidratação, protetor solar e paradas. “Alguns operários ficam mais expostos ao sol, como o carpinteiro e o armador. Outros tipos de atividade são feitas dentro do imóvel, mas seja na sombra ou no sol, nesse calor atípico que está tendo no Brasil realmente cai a produtividade. Para quem está no escritório já é difícil. Imagine para quem está no canteiro”, diz Ishikawa.
Segundo Renato Correia, presidente da CBIC (câmara da indústria da construção), o setor se orienta por norma regulamentadora que estabelece os níveis de tolerância para exposição ao calor. “Existem controles caso ultrapasse certos limites de temperatura. Tem controle por meio de ventilação, isolamento térmico, pausas e monitoramento de saúde. Vemos a exposição ao sol como um problema, não só pelo calor, mas pelo risco de doenças como o câncer de pele”, diz.
O setor também usa técnicas para mitigar os impactos sobre os materiais. Como a reação para endurecer o concreto libera calor, é preciso adicionar gelo para controlar a temperatura nos grandes volumes de material, de modo que a secagem aconteça mais lentamente, sem rachar o produto. “Quanto mais quente, piora essa situação. O asfalto também é muito suscetível porque absorve calor. Existem alguns cuidados, por exemplo, na concretagem, como a possibilidade de fazê-la bem cedo para ter pouca incidência de sol e não perder água rapidamente e rachar”, diz Correia.
No setor aéreo, quando a temperatura do ar aumenta, sua densidade cai, o que reduz o volume de oxigênio que entra nos motores, impactando a potência e a performance de decolagem do avião, segundo a Abear (associação de empresas áreas). De acordo com a entidade, não há riscos de segurança, mas pode significar redução de peso de decolagem de alguns voos, diminuindo a quantidade de passageiros ou carga.
Os efeitos do clima se espalham também por ramos como calçadista e de vestuário, que têm fragilidades na estimativa dos estoques. Quando as temperaturas atingem recordes, o desconforto térmico pode prejudicar o fluxo dos consumidores, segundo Edmundo Lima, da ABVTEX, que representa grandes marcas do varejo têxtil. “No calor extremo, as pessoas evitam sair de casa”, diz.
Haroldo Ferreira, da Abicalçados, afirma que a instabilidade do clima, com recordes de calor no inverno, atingiu a venda dos produtos de frio. “Estamos vivendo extremo calor em grande parte do Brasil e sofrendo com enchentes no Sul. Se faz calor na coleção de inverno, o consumidor não compra. Se passa o timing, o varejo tem que liquidar. Quando liquida, desorganiza o fluxo de caixa dele e vai impactar as próximas compras da indústria”, diz.
Outros mercados sensíveis, como alimentos perecíveis e flores, exigem ajustes de produção e transporte.
“O principal impacto é o custo para o produtor. A estufa não pode ficar tão quente. Para manter as condições ideais, tem de gastar mais energia para refrigerar o ambiente”, diz Renato Opitz, diretor do Ibraflor, entidade da cadeia de floricultura. Nos dias de calor intenso, a atenção com a umidade também cresce.
Segundo a Abras (associação de supermercados), os estabelecimentos elevaram a atenção no recebimento de perecíveis, priorizando as cargas sensíveis. Para ajudar a minimizar perdas, a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) diz conceder autorizações especiais para carga e descarga fora do horário, caso o comerciante precise agilizar o escoamento de produtos com maior risco.
O mercado de seguros deve refletir as mudanças. É o que sinaliza o relatório de riscos globais elaborado pela corretora Marsh e outras entidades. Na edição de 2023, a pesquisa de percepção dos riscos apontados por 1.300 líderes empresariais e outros especialistas mostra alerta sobre o tema. Entre os dez maiores riscos esperados para a próxima década, seis estão ligados a questões climáticas e ambientais, como perda de biodiversidade e crise de recursos naturais.
Segundo Caio Lhano, da Marsh Brasil, o mercado evolui com apólices que podem ser desenhadas para casos variados, desde empresas de navegação sujeitas a alteração no nível dos rios até fabricantes de casacos que perdem vendas nos invernos quentes.
Para o procurador do trabalho Patrick Merisio, os governos precisam rever as normas de proteção do trabalhador e fortalecê-las. “Sobrecarga térmica é um problema antigo. Antes, ficava mais restrito a algumas atividades, mas agora está se estendendo. O que preocupa é que o Brasil tinha um padrão mais adequado em termos de normas de regulamentação de saúde do trabalhador, mas diminuiu essa proteção nos últimos anos”, diz.
No setor industrial, segundo José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast (indústria dos plásticos), a atenção maior está na adequação do termômetro para os funcionários. Ele afirma que, do ponto de vista dos equipamentos, as plantas mais modernas não precisam fazer paradas para desaquecer e têm sistema de refrigeração.
Ainda é cedo para definir mudança na rotina dos escritórios por causa do calor, na opinião de Paulo Sardinha, presidente da ABRH (Associação de Recursos Humanos), mas caso as altas temperaturas se prolonguem, pode-se pensar em redução de jornada para melhorar a qualidade do descanso do trabalhador e revezamento de horários para evitar o transporte sobrecarregado.
Também seria possível cogitar um aumento dos dias de home office no caso de empresas que já instalaram o regime híbrido após a experiência da pandemia, mas Sardinha ressalva que esse caminho pode gerar questionamentos sobre o custo com ar-condicionado em casa.
“Eu vejo de forma pontual. Se a empresa coloca todo mundo em casa por causa do calor, aí tem uma posição oficial e ela começa a se tornar responsável pelos desdobramentos. Alguém pode dizer que não tem ar-condicionado em casa ou que aumenta o custo da energia. Cada empresa vai avaliar com seu público”, diz Sardinha.